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3.4 As modalidades de penas alternativas

3.4.4 Interdição temporária de direito

As penas de interdição temporária de direito eram previstas no Código Penal de 1940 como penas acessórias à pena de prisão e/ou multa. Em decorrência da Lei 7.209/84, a qual reformou a parte geral do Código Penal, ela foi instituída como pena principal. Esses modos de pena alternativa consistem em obrigação de não fazer, que persiste pelo tempo estipulado para a privação de liberdade substituída.

Bitencourt (2004, p. 321) esclarece que:

As interdições temporárias não se confundem com os efeitos da condenação, que não são sanções penais, mas apenas consequências reflexas da decisão condenatória. A interdição de direitos é uma sanção penal aplicável independentemente da sanção que couber no âmbito ético ou administrativo.

A legislação penal brasileira apresenta quatro penas de interdição temporárias de direito, sobre as quais iremos tratar a seguir:

3.4.4.1 Proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo

Para melhor tratar desta espécie de pena restritiva de direitos vamos esclarecer as diferenças entre cargo, função, atividade pública e mandato eletivo.

Cargo é o lugar instituído na organização do serviço público, com

denominação própria, atribuições e responsabilidades específicas, bem como remuneração correspondente.

Já função é a atribuição (ou seu conjunto) que a Administração Pública destina a cada categoria profissional ou confere individualmente a determinados servidores para a execução de serviços eventuais.

Enquanto atividade é o que se desenvolve, com ou sem remuneração, em benefício do Estado. A atividade está sujeita à nomeação, escolha ou designação pelo Poder Público (emprego público, por exemplo).

Ainda, mandato eletivo é aquele exercido por membros do Poder Legislativo e do Poder Executivo durante determinado tempo, previamente fixado para representação política dos cidadãos.

A proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo, tem sua aplicação destinada às pessoas que, na condição de funcionários públicos, violaram seu dever funcional de lealdade, obediência e conduta ética ou vieram a cometer crimes contra a Administração Pública (CP, artigos 312 e seguintes) com condenação inferior a quatro anos.

Também, a suspensão do mandato eletivo acarreta a suspensão dos direitos políticos, enquanto durarem seus efeitos, de acordo com o artigo 15, inciso III da Constituição Federal36.

Esses ilícitos atentam contra a ética, a lealdade, a confiança, entre outros valores morais e sociais, que o Estado difunde entre os seus agentes, por serem necessários à funcionalidade estatal diante da finalidade de servir à sociedade.

Portanto, uma das consequências dessa interdição temporária de direitos é debilitar a situação econômica do condenado, pois este estará temporariamente proibido de exercer seu cargo, função, atividade pública ou mandato eletivo, os quais são fontes de rendimentos dos infratores.

Por fim, salientamos que a interdição é diferente da perda de cargo, função, atividade ou mandato eletivo. Esta última configura efeito de condenação decorrente da aplicação da pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; ou quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos por motivo de outros ilícitos37.

36

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

...

III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.

3.4.4.2 Proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependa de habilitação especial, de licença ou autorização do Poder Público

Esta pena restritiva, semelhante à anterior, está vinculada à violação dos deveres inerentes ao trabalho, exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do Poder Público.

Para tratar do âmbito de incidência desta pena alternativa, é importante explicar que a profissão refere-se ao trabalho remunerado de nível especializado; a

atividade é uma ocupação com ou sem remuneração; enquanto o ofício indica um

trabalho não especializado, porém, remunerado e, geralmente, manual.

Esta interdição de direitos é aplicada aos casos em que se percebe o descumprimento de determinadas exigências para o exercício da profissão, da atividade ou do ofício que dependa de habilitação especial, de licença ou autorização do Poder Público.

Conforme nos lembra Bitencourt (2004, p. 323): “a interdição não pode abranger todas as profissões ou atividades que o condenado eventualmente possa exercer. Ela deverá restringir-se apenas à profissão, atividade ou ofício no exercício do qual ocorreu o abuso”.

Entretanto, as proibições não advêm apenas do atentado aos deveres inerentes à profissão, atividade ou ofício, pois poderão resultar da condenação por crimes próprios, como maus tratos, violação de segredo profissional e omissão de notificação de doença.

Por apresentar requisitos inafastáveis, como curso superior, licença, registro, por exemplo, tais atuações laborais necessitam, rigorosamente, de fiscalização pelo Poder Público. Desta forma, a restrição penal pode atingir o exercício da advocacia, da medicina, da odontologia, da venda de imóveis, etc. Portanto, esta pena alternativa também provoca desconfortos financeiros aos interditados.

A pena alternativa em questão tem duração equiparável ao tempo da pena privativa de liberdade substituída, o que não prescinde de penalidade administrativa advindas dos conselhos profissionais.

3.4.4.3 Suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo

A suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo é pena alternativa prevista no artigo 47, III, do CP. Diante da legislação apresentada, tal penalidade é estritamente aplicada a crimes culposos de trânsito38. Mas isso não

impede que esta espécie de delito seja punida através de outra pena alternativa. De acordo com Cordeiro (2003, p. 68),

a prática jurídica nos tem mostrado julgados em que o condenado por homicídio culposo de trânsito, por exemplo, tem a pena privativa de liberdade substituída por uma de prestação de serviços à comunidade ou a suspensão de habilitação para dirigir veículo.

O Código de Transito Brasileiro (Lei nº 9.503/97) trata dos crimes dolosos e culposos cometidos na direção de veículos automotores, mas este não afasta a incidência das normas gerais do Código Penal, do Código de Processo Penal e da Lei nº 9.099/9539.

A Lei de Trânsito aplica a suspensão de autorização de habilitação para dirigir veículo como pena principal, isolada ou cumulada com outras penalidades40.

Como o Código de Trânsito Brasileiro disciplina os casos de lesão corporal culposa41 e homicídio culposo42 decorrentes de acidente de trânsito, é pouco

provável que a restritiva de direitos estudada no momento seja utilizada como pena alternativa, por ser pena principal, às vezes cumulada com pena de prisão.

Desta forma, a privação de liberdade prevista na Lei de Trânsito é substituída por outra pena alternativa e é executada em conjunto com a suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, penalidade já contida nessa legislação.

Contudo, a pena restritiva de direitos poderá ser aplicada em substituição à pena privativa de liberdade quando o crime de trânsito praticado não for previsto na Lei nº 9.503/97.

Em caso de crime doloso, a impossibilidade para dirigir veículo não é pena e sim efeito da condenação, enumerada no artigo 92, inciso III do Código Penal.

38 CP, art. 57

39 CNT, art. 291 40

CNT, art. 292. A suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pode ser imposta como penalidade principal, isolada ou cumulativamente com outras penalidades.

41 CTN, art. 303 42 CTN, art. 302

Na hipótese de haver penalidade contra motorista profissional, o qual faz da direção de veículo automotor meio de auferir recursos básicos de sobrevivência própria e seus familiares, é importante que prevaleça o bom senso do julgador na determinação da pena alternativa. Isso para que a pena, em especial a pena alternativa, possa cumprir sua finalidade em busca do sentido de responsabilidade quanto ao ilícito praticado.

3.4.4.4 Proibição de frequentar determinados lugares

Esta pena alternativa foi acrescentada ao Código Penal pela Lei nº 9.714/98 e está prevista no artigo 47, inciso IV.

Para haver a condenação limitadora do apenado de frequentar determinado lugar, é necessário que haja relação, de influência criminógena, entre o ilícito praticado, o local da infração penal e a pessoa (personalidade e conduta) do agente. Conforme Cardoso (2003), a justificativa para se proibir alguém de frequentar determinados lugares é o avanço dos estudos criminológicos no sentido de se identificar a influência das condições ambientais para a prática de certos delitos.

A efetivação dessa restritiva de direitos é delicada, pois é improvável a fiscalização da Justiça. A sugestão é que a fiscalização seja compartilhada com as pessoas responsáveis pelos lugares expressamente indicados na sentença, informando ao Juízo da Execução, caso se aconteça o comparecimento da pessoa proibida no local.