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Mínima intervenção penal: a função limitadora da Constituição brasileira

e suas implicações para a eficácia dos direitos humanos e o exercício de um Estado Democrático de Direito, é importante apontar a necessidade de aproximar a formulação das normas penais à Constituição brasileira. Pois só assim poderíamos

14 Apesar deste princípio não ser encontrado claramente na Constituição Federal brasileira e no

Código Penal, apontamos para o artigo 59 do Código Penal, no que se refere à aplicação da pena, quando dispõe que a sanção penal estabelecida para cada delito deve ser aquela “necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime” (grifo nosso).

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A definição do princípio da lesividade também pode ser fundamentada nestes dispositivos legais que tratam do princípio da legalidade, visto que só há lesão a bem juridicamente tutelado, e, portanto, prescrito em lei penal.

apontar os bens jurídicos a serem tutelados pela nossa lei criminal, bem como encontraríamos os paradigmas limitadores dessa incidência penal.

Com a expansão das políticas criminalizadoras, há um desrespeito à teoria do bem jurídico e muitas das leis penais editadas estão em desacordo com a Constituição Federal, pois visam somente atender demandas muitas vezes postas por pressão da mídia. Consequentemente, tais políticas criminais servem de recurso imediatista para consolar a sociedade.

Conforme Sodré (2000, p. 38), “a mídia é hoje, aqui, uma espécie de ‘boca de deus’, só que esse deus se chama mercado”. Essa afirmação se coaduna com a lógica anteriormente exposta por nós de que os interesses econômicos globais regem a visão dos atores sociais (mídia, Estado e opinião pública).

Não vem ao caso discorrer sobre as várias teorias sobre os bens jurídicos. No entanto, é preciso delimitar o mesmo para justificar nossa discussão sobre a necessidade da tutela penal. Desta maneira, o bem jurídico é algo identificado pelo legislador constituinte no meio social como sendo valoroso e digno de especial proteção jurídico-constitucional.

O Estado Democrático de Direito almeja a concretização de um Direito Penal efetivamente limitado à lesão de bens jurídicos caros à sociedade. E estes bens jurídicos se relacionam à ideia de limitação, mas não servem para o embasamento do Direito Penal, o que os une aos fundamentos do Direito Penal Mínimo.

Com isso, acrescentamos que a norma penal não deve ser utilizada para proteger qualquer bem jurídico, e sim para garantir seu funcionamento – até porque nem todo bem merecedor de proteção está necessitado de proteção penal, como dispõe o princípio da fragmentariedade.

No entanto, diante da busca por argumentos que levam à maximização ou à minimização do Direito Penal, a Constituição passa a ser entendida como fundamento ou limite, positivo ou negativo, do Direito Penal de acordo com as ideias dos que se dividem entre essas duas ideias de política criminal.

O limite positivo consiste em proteger os bens reconhecidos pela Constituição e circunscrever as possíveis criminalizações aos bens reconhecidos pelo constituinte como valorosos à sociedade. Desta maneira, só há motivo para restringir os direitos fundamentais quando isso for importante à preservação de outros direitos e bens constitucionalmente protegidos.

Quando a Constituição é entendida como limite negativo significa que ela não exaure os bens cujas ofensas são passíveis de serem criminalizadas. A limitação está em não se criar uma norma que entre em confronto com os bens já garantidos no texto constitucional. Desta forma, não seria ilegítima a criminalização de outros interesses desde que não estivessem em contraste com os já existentes.

Já o posicionamento de que a Constituição serve como fundamento do Direito penal indica que a criminalização é determinada no texto constitucional, ou seja, que há uma obrigatoriedade de criminalizar. Ela determina os bens jurídico-penais e impele a obrigação de serem criminalizados.

Ainda, essa suposta obrigatoriedade de criminalizar nos remete a ideia do caráter prestacional penal do Estado, ou seja, de que a (maior) intervenção da norma penal brasileira serve à transformação social e à proteção de interesses de dimensões ultra individuais. Isso, diante da ideia da finalidade preventiva (geral e especial), com a qual a punição seria exemplo educativo aos cidadãos, ao mostrar que a conduta criminalizada fere um determinado valor social.

Assim, reafirmamos que a mudança nas expectativas existentes com relação ao papel do Estado, quando em correspondência com o alargamento dos direitos fundamentais, resulta na alteração também do papel atribuído ao Direito Penal, o qual passa a ser considerado como meio de concretização dos direitos sociais, muitas vezes, em prejuízo dos individuais (PASCHOAL, 2003).

De acordo com Paschoal (2003, p.123):

Não se pode perder de vista é que o Direito Penal não tem e não pode ter uma função promocional. Ele não deve e não pode ser utilizado sob a desculpa de intentar-se um suposto desenvolvimento ou aprimoramento da sociedade, em razão de essa utilização poder levar a um autoritarismo; em segundo lugar, em virtude de o Direito Penal não constituir meio hábil para a implementação de políticas sociais.

Considerando os ditames do Direito Penal Mínimo, o fundamento criminalizador não está na obrigação e sim na possibilidade de criminalizar, perante a efetiva necessidade e utilidade da tutela, que serão verificados pelo legislador ordinário.

Entender a Constituição como fundamento que obriga à criminalização é proporcionar recursos para a ação das políticas públicas de maximização do Direito Penal. E isso seria contraditório quando nos respaldamos nos princípios da

dignidade da pessoa humana e da cidadania, que corroboram com os direitos fundamentais, os quais protegem e garantem os valores essenciais da pessoa humana e indicam o mínimo necessário para uma vida digna.

Assim, Paschoal (2003) contesta a obrigatoriedade de criminalização oriunda da Constituição, pois tal postura não se coaduna com os princípios do Direito Penal Mínimo. A Constituição deve ser vista como limite do Direito Penal, e não como seu fundamento.

De acordo com a autora, “o Estado Social e Democrático não deve transformar-se, para alcançar seus objetivos de cunho social, em um Estado policial, devendo a Constituição vir a ser um limite do poder punitivo e não uma fonte cogente de incriminação” (PASCHOAL, 2003, p. 10).

Ainda segundo Paschoal (2003, p. 48):

Cumpre consignar que o caráter limitador do bem jurídico fica expresso quando analisados os princípios informadores do Direto Penal mínimo (subsidiariedade, fragmentariedade e lesividade), segundo os quais nem tudo pode ser considerado bem jurídico penal; mesmo o que pode ser não precisa estar tutelado de todos os tipos de lesão, e apenas as efetivas lesões, ou exposições concretas a perigo, poderão justificar a existência de crime.

Desta forma, a importância de se verificar a necessidade da tutela penal afasta a suposição de a Constituição exercer uma obrigatoriedade de criminalização. Insistimos que a necessidade de tutela também deve ser adequada às relações sociais concretas, não podendo estar dissociada dos aspectos culturais, sociais, econômicos e históricos.