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CAPÍTULO II – REVISÃO DA LITERATURA

2.4 INTERDISCIPLINARIDADE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: BREVE

metodologia que, segundo Zabala (2002, citado por TEIXEIRA, 2007), objetivava um processo que envolvia análises e sínteses em busca de um saber global. A partir daí, foram geradas especialidades disciplinares cada vez mais estanques e preocupadas em manter sua identidade.

Organizada por departamentos, institutos e faculdades, as instituições acadêmicas, indo contra sua própria essência de universalidade do conhecimento,

tem produzido, saberes resultantes da soma de disciplinas e não da sua inter- relação.

Somente na segunda metade do século XX, por uma demanda das ciências humanas, começaram a reaparecer propostas de cooperação e integração entre as disciplinas, com o objetivo de se estabelecer um diálogo entre os saberes que pudesse propor soluções para os problemas decorrentes da hiperespecialização, causada por uma epistemologia de tendência positivista, bem como do acelerado desenvolvimento científico e tecnológico.

Para Thiesen (2008), o desenvolvimento das diferentes ciências vem, a cada dia, dependendo mais da relação recíproca e da fertilização de umas disciplinas por outras, da transferência de conceitos e de métodos. “Há uma espécie de inteligência interdisciplinar na ciência contemporânea”. (p. 07)

Teixeira (2007) afirma que muitas propostas, que inicialmente foram chamadas de multidisciplinares ou pluridisciplinares, só começaram a obter espaço na universidade com a criação de alguns núcleos ou institutos de pesquisas interdisciplinares, a partir da década de 70.

Nos últimos vinte anos, propostas curriculares de abordagem interdisciplinar ganharam amplitude, principalmente nas universidades americanas. Segundo Payne (1999, citado por SANTOS e MALACHIAS, 2008), de 410 programas de diferentes instituições analisadas em 1996, 280 deles destacavam a utilização da interdisciplinaridade em seus currículos. Esse movimento em prol da interdisciplinaridade geralmente tinha seu foco em assuntos ou questões que pudessem ser tratados por diferentes disciplinas. Por exemplo, um dos programas desses cursos tratava do desenvolvimento sustentável na América Central, o qual abrangia o estudo de conceitos da Geografia, Economia, Ciências Políticas, Sociologia e Ciências Ambientais. A incorporação de temas polêmicos como a perspectiva feminista e as discussões étnicas e multiculturalistas, também constituíam diferencial dessas propostas. A característica dessa abordagem interdisciplinar era, portanto, a exploração de um determinado conteúdo sob "visões" ou paradigmas de várias disciplinas. “Entretanto, em nenhum momento, foram explicitados nos programas quais seriam os critérios usados para selecionar as teorias e os conceitos recortados das diferentes disciplinas”. (SANTOS e MALACHIAS, 2008 p. 68)

Apesar do crescimento desse movimento nas escolas americanas, que também ganhou corpo nas escolas brasileiras após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1996, não há um consenso na literatura, muito menos nos documentos oficiais, sobre o que caracterizaria práticas pedagógicas interdisciplinares. Para exemplificar essa afirmação, vale elucidar o argumento apresentado por Klein (1990) o qual defende que a interdisciplinaridade não é corpo de conteúdos ou assuntos, mas um processo que se iniciaria com um problema, uma questão, um tópico ou assunto, visando à construção de sínteses integrativas. Já para Keesey (1998), para que se produza uma prática interdisciplinar deve-se tratar conteúdos, métodos e estratégias de pesquisa de diferentes disciplinas. Stember (1991) define interdisciplinaridade como a prática orientada para a integração de ideias e achados de diferentes disciplinas. (In: SANTOS e MALACHIAS, 2008).

Segundo Tavares (1999), traçar um caminho interdisciplinar implica redefinição e ampliação do papel do professor, que deve passar a trabalhar conjuntamente com seus alunos, procurar conhecê-los e promover entrosamento, para que, juntos, possam vivenciar uma ação educativa mais produtiva. O autor considera o papel do professor de fundamental importância para o avanço construtivo do aluno e para a realização de um trabalho interdisciplinar.

Necessário também se faz que o currículo das universidades proporcione o trabalho interdisciplinar, a partir da priorização dos conteúdos elementares, da integração destes com os conteúdos mais específicos, da eliminação da repetitividade e dos enfoques puramente técnicos.

Fazenda (1993) afirma que, mais difícil do que transformar as estruturas institucionais, é transformar as estruturas mentais. Os empecilhos à não- fragmentação do currículo são muitos e abrangem a falta de formação específica, a acomodação pessoal e coletiva e até mesmo o receio de perder o prestígio pessoal, pois a interdisciplinaridade faz com que o trabalho individual perca lugar para o trabalho coletivo.

Para Bergamo (2010) a interdisciplinarização requer práxis coletiva e atitude emancipada e emancipatória, o que implica conduta que abra espaço-vital para a produção e para a busca veraz de qualidade da educação a promover.

Nessa perspectiva, é importante salientar que se faz necessário rever a organização e o funcionamento da universidade, não só quanto ao seu currículo e

metodologias, mas, também, quanto à maneira de ver o aluno. Este deve ser incentivado a desenvolver a livre expressão e a autonomia no processo de construção do conhecimento, de modo a também assumir uma atitude emancipatória e de comprometimento com o coletivo.

A interdisciplinaridade constitui condição necessária para melhoria da qualidade do ensino superior, que se dará por meio da superação da fragmentação do saber e da dicotomia existente entre teoria e prática. A reflexão suscitada no cenário acadêmico deve estar voltada, tanto para a produção de conhecimentos, quanto para as conseqüências possíveis de seus desdobramentos e aplicações. Fazer interdisciplinaridade na universidade requer abertura de espaços efetivos para a prática da extensão e da pesquisa científica, o que requer uma revisão dos currículos, modificando consubstancialmente o papel do professor e também do aluno.

Hoje, o próprio Ministério da Educação, no seu instrumento para avaliação dos cursos de graduação, elenca como exigência o estabelecimento de um currículo que seja interdisciplinar. Nesse documento, a interdisciplinaridade é definida como uma estratégia de abordagem e tratamento do conhecimento em que duas ou mais disciplinas/unidades curriculares ofertadas simultaneamente estabelecem relações de análise e interpretação de conteúdos com o fim de propiciar condições de apropriação, pelo discente, de um conhecimento mais abrangente e contextualizado.

A universidade precisa reconhecer que a ciência é um processo que exige um olhar interdisciplinar e que determinados estudos e pesquisas implicam sua própria abertura para conhecimentos que, tradicionalmente, fazem parte da esfera de outras disciplinas. Segundo Pombo (citada por THIESEN, 2008) somente essa abertura possibilita alcançar as camadas mais profundas da realidade que se quer estudar. “Estamos perante transformações epistemológicas muito profundas. É como se o próprio mundo resistisse ao seu retalhamento disciplinar” (p. 07).

Cada vez mais é reconhecida a falta de propriedade da especialização extrema para a análise de problemas sociais. “Disciplinas científicas tradicionais tornam-se incapazes de atuar isoladamente, levando à criação de novas especialidades híbridas, menos restritas.” (MACEDO, 2003 p. 47)

Tomando como parâmetro a ciência contemporânea, a autora mostra como áreas de conhecimento distintas tem se juntado, a exemplo da engenharia e da genética, o que era impensável, segundo ela, há 60 ou 70 anos atrás. Afirma que

algumas destas áreas têm sido denominadas “ciências de fronteira”, pois nascem nas fronteiras entre duas disciplinas tradicionais. Outras são designadas como “interdisciplinas”, aquelas que nascem da junção entre ciências puras e aplicadas. “É nessa nova situação epistemológica que as novas disciplinas ou ciências vêm sendo constituídas”. (p. 07)

Outra reflexão importante, suscitada por Pombo (2004), mostra que já é possível identificar a existência de “interciências”, que se ligam, de forma assimétrica, visando à resolução de problemas. São as que englobam conjuntos de disciplinas que dialogam de forma irregular e descentrada para discutir um problema comum. Os exemplos citados são as ciências cognitivas e as ciências da computação. O meio ambiente, a juventude, o envelhecimento ou a violência são temas que suscitam questões epistemológicas que só por meio da interdisciplinaridade pode se encontrar respostas. (In: THIESEN, 2008)

A universidade precisa acompanhar essas transformações que se operam hoje em todos os segmentos da sociedade, adotando práticas interdisciplinares. Isso certamente implicará romper com vícios e acomodações no desafio de empreender um novo paradigma educacional.

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