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2.2 O MUNICÍPIO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

2.2.2 Interesse Local

Trata-se de critério de determinação de competência legislativa conforme prevê a Constituição Federal (art. 30, I). Essa expressão como salientado em linhas anteriores, teve outra antecessora nas constituições republicanas, o ‘peculiar interesse’.

Sobre ela, argumenta TEIXEIRA:

É verdade que a caracterização de ‘peculiar interesse’ pode suscitar (...) muitas dúvidas, pois nenhum assunto, nenhum problema governamental existe em que, ao lado do interesse local (municipal) não apareça também o interesse estadual (regional) e o federal (nacional).

A ação governamental federal atinge sempre, e necessariamente, os Estados e os Municípios, pois os grandes problemas nacionais de governo hão de ter sempre repercussão, maior ou menor, nas esferas regionais ou locais. (...) Não existe, portanto, interesse exclusivo, seja da União, seja dos Estados ou dos Municípios, em nenhum setor da administração, em nenhuma ordem de problemas ou assuntos governamentais. O que existe e determina a competência de cada ordem de poderes (...), será apenas uma predominância de interesses. (...) A noção de interesse peculiar, de interesse

163 BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 447 p.

164 BASTOS, Celso. Estudos e ... p. 194.

predominantemente local é uma noção objetiva, que resultará, em cada caso do criterioso exame, da ponderada consideração de todas as circunstâncias, em cada momento histórico.165

Ao tecer considerações sobre o tema, BASTOS afirma que há identidade nas expressões, pois “não nos parece que tenha procedência científica a tentativa feita por alguns, para encontrar uma significação própria para a expressão ‘interesse local’, diferente de ‘peculiar interesse’. Qualquer tentativa nesse sentido irá ao encontro de um eventual retorno à noção de interesse exclusivo.”166

Nominando de “cláusula de interesse local” dos municípios, FERREIRA avalia que “a cláusula do peculiar interesse ou a de interesse local não somente deve ser interpretada à luz dos dispositivos constitucionais que consolidam a organização da autonomia municipal, senão também de acordo com as necessidades históricas e o sentido de sua evolução.”167

Esse autor não faz distinção entre as expressões: “são os que entendem imediatamente com as suas necessidades locais, e, indiretamente, em maior ou menor repercussão, com suas necessidades gerais. Sob certo aspecto, (...) todos os interesses são comuns (...). Em todos eles, há coexistência de interesses peculiares ao Município, e interesses diretos do Estado, a cada um toca prover os que lhe forem próprios.”168

Interesse local, no ensinamento de MEIRELLES:

Não é interesse exclusivo do Município; não é interesse privativo da localidade; não é interesse único dos munícipes. Se se exigisse essa privatividade, essa unicidade, bem reduzido ficaria o âmbito da Administração local, aniquilando-se a autonomia de que faz praça a Constituição. Mesmo porque não há interesse municipal que não o seja reflexamente da União e do Estado-membro, como também, não há interesse regional ou nacional que não ressoe nos Municípios, como partes integrantes da Federação Brasileira.

O que define e caracteriza o ‘interesse local’, inscrito como dogma constitucional, é a predominância do interesse do Município sobre o do Estado ou da União.169

Também se perfila BULOS com os que afirmam tratar-se de expressões

165 TEIXEIRA, José Horácio Meirelles. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. atual. por Maria Garcia. Rio de Janeiro: Malheiros, Forense Universitária, 1991. p. 654-655.

166 BASTOS, Celso. Estudos e ... p. 188.

167 FERREIRA, op. cit., p. 256.

168 Ibid., p. 259.

169 MEIRELLES, op. cit., p. 109.

sinônimas. Afirma que “a terminologia ‘peculiar interesse municipal’, dantes disciplinada em termos constitucionais positivos, foi extinta da ordem jurídica brasileira. Agora o que vigora é a expressão ‘interesse local’ – fórmula encontrada pelo constituinte para revestir as mesmas idéias e os mesmos ideais de sempre, outrora veiculados sob outro signo.”170

Ainda raciocinando nessas expressões, o autor interroga quanto à jurisprudência lançada pelos tribunais no período das Constituições antecessoras, se podem ser aproveitadas após 1988, com a promulgação do novo Texto que optou pela Expressão ‘interesse local’.

Responde afirmativamente, “nada obstante o fato de o constituinte de 1988 ter substituído a terminologia ‘peculiar interesse municipal’ por ‘interesse local’, o certo é que cairá na esfera de atribuições do município tudo aquilo que for

‘predominante’ ao gerenciamento de seus negócios próprios nos limites das atribuições que as normas constitucionais e ordinárias lhe irrogam.”171

No posicionamento de FERRARI, temos o entendimento de que, definido o interesse local, este se mostra privativo do Município. Sua compreensão aloca-se assim:

É da competência do Município legislar sobre assuntos de interesse local, e sobre eles sua competência legislativa se realiza de forma privativa. (...) É necessário o entendimento correto de ‘assunto de interesse local’ quando se quer analisar a competência municipal na atual Constituição do Brasil. (...) A lei municipal deve prevalecer em todas as matérias que demonstrem interessar apenas ou preponderantemente à comuna, e, conseqüentemente, a lei federal ou estadual que venha a violar este campo de autonomia do Município incorrerá em inconstitucionalidade, por desatender à repartição de competências prevista na Lei Maior do Estado brasileiro.”172

Posição dissonante encontramos com FERREIRA FILHO. Entende que a substituição das expressões proporcionou uma redução da competência municipal.

Sobre a expressão anterior ‘peculiar interesse’, informa que a doutrina pacificou o sentido do interesse ‘predominante’ ou ‘preponderante’. Então sentencia: “estariam

170 BULOS, op. cit., p. 543.

171 Ibid., p. 544.

172 FERRARI, Elementos ... op. cit., p. 79.

incluídas na competência municipal questões que fossem de interesse preponderante do Município, embora não exclusivamente de interesse local.”173 Quanto à expressão incorporada pela Constituição de 1988 seu pensamento é que “o texto (...) refere-se a

‘interesse local’ e não mais a ‘peculiar interesse’. Forçoso é concluir, pois, que a Constituição restringiu a autonomia municipal e retirou de sua competência as questões que, embora de seu interesse também são do interesse de outros entes. Na verdade, essa redução da competência municipal repercute num alargamento da esfera estadual, já que é ao Estado que se atribui a competência residual.”174

Percorrendo esses posicionamentos doutrinários, identificamos que a expressão interesse local, como parâmetro de definição da competência legislativa do Município não é tarefa tão singela. Há que se considerar a competência dos demais entes da Federação e o interesse público contido nessa expressão. Ora, o Município se insere numa moldura republicana na qual a representação prepondera somente se for legítima.

Logo, o interesse local, de modo genérico é fluídico, necessita ser revelado pela ação democrática, deve ser precedido e permeado pela participação soberana do povo, haja vista o mandamento constitucional quanto à titularidade do poder. Nesse sentido, pensamos inexistir, ao menos materialmente, a satisfação do interesse local sem a presença popular quanto possível para definição do seu conteúdo, tanto na Lei Orgânica Municipal, quanto nas demais leis municipais.

Compreendida a expressão interesse local, estudaremos os aspectos relativos à competência legislativa municipal, onde está implícito o interesse local.