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2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O MUNICÍPIO

2.1.2 O Contexto do Município nas Constituições Anteriores a 1988

A Constituição Imperial de 1824 traz basicamente três artigos relevantes ao Município. Por determinação constitucional, inscrita no art. 167, em todas as cidades e vilas então existentes, bem como naquelas que fossem criadas haveria a instalação de Câmaras, competentes para assuntos econômicos e municipais. O dispositivo seguinte mencionava a eleição dos membros da Câmara e a sua presidência que era encargo do Vereador mais votado. O art. 169 remete à regulamentação das matérias de competência das Câmaras à Lei ordinária. Aponta entretanto como competência o exercício das funções municipais, as posturas policiais, aplicação das rendas, bem

135MEIRELLES, op. cit., p. 36-37.

136 CASTRO, op.cit., p. 40-41.

como, todas as demais ações particulares e úteis.137

Em outubro de 1828 foi editada a Lei que disciplinava o procedimento eleitoral, entretanto a surpresa, revela MEIRELLES, foi a subtração da autonomia municipal, dada a subordinação imposta aos presidentes das Províncias, configurando uma centralização não prevista pela Constituição. O resultado foi o isolamento das municipalidades do poder central, o que as limitou à mera divisão territorial, em descompasso com os Municípios do período Colonial. Menciona ainda o autor que, ante a insatisfação geral com a Coroa Portuguesa, foi editado o Ato Adicional de 1834 que reforma a Constituição, mas submete as Câmaras Municipais às Assembléias Legislativas provinciais. Permanece o mesmo estado de coisas.

Em maio de 1840, mediante a Lei nº 105, nova tentativa de resgatar a autonomia das municipalidades. Em vão, pois algumas competências são restabelecidas, mas nenhuma estrutura é fornecida às Câmaras para poder desempenhar as competências originariamente determinadas pela Constituição. A figura do Prefeito somente foi criada em abril de 1835 pela Província de São Paulo e por Decreto nas Províncias do Ceará, Pernambuco e Alagoas. Prevalece, entretanto, o caráter centralizador e os Municípios não recuperam a autonomia anterior ao período da Constituição Imperial, permanecendo como meras corporações administrativas.138

A Constituição da República de 1891 traz no artigo 68 o restabelecimento da autonomia do Município, “os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos Municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse.”139 O Brasil adota a forma de governo republicana e o Estado assume a forma de Federação.

Destaca FERREIRA, que ao Município expressamente é prevista a autonomia, mas coube à legislação infraconstitucional regulamentar o que se entenderia por peculiar interesse, bem como os termos em que seria exercida a

137 CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo (Comp.). Todas as Constituições do Brasil . 3.

ed. São Paulo: Atlas, 1978. 714 p.

138 MEIRELLES op. cit., p. 37-39.

139 CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo (Comp.). Todas as Constituições do Brasil . 3.

ed. São Paulo: Atlas, 1978. 714 p.

autonomia municipal. Esta regulamentação, segundo o autor ficou a encargo dos Estados-membros, em suas Constituições Estaduais. A criação de Municípios não tinha critérios rígidos, bastava uma cidade ou vila com uma arrecadação própria e cerca de dez a vinte mil habitantes para ser qualificada como Município.

Narra ainda, que a Constituição não previu a eletividade dos Prefeitos, existindo a possibilidade de indicação do Presidente da República ou Governador de Estado, cuja regulamentação da escolha ficava adstrita à Constituição Estadual. Esse tema, indicação dos Prefeitos sem eleição, cita o autor, chegou ao Supremo Tribunal Federal que não se pronuncia sobre o fato. Tratava-se à época de eloqüente discussão entre doutrinadores de peso. Entre os que opinavam pela inconstitucionalidade da indicação estavam Rui Barbosa, Pedro Lessa e João Barbalho, de modo contrário, Carlos Maximiniano e Castro Nunes.140

Entrementes, esse período inaugural da República é fortemente influenciado pelo regime Imperial anterior, o que reflete o modo político centralizador e opressivo, conforme relata MEIRELLES:

Durante os 40 anos em que vigorou a Constituição de 1891 não houve autonomia municipal no Brasil. O hábito do centralismo, a opressão do coronelismo e a incultura do povo transformaram os Municípios em feudos de políticos truculentos, que mandavam e desmandavam nos ‘seus’ distritos de influência, como se o Município fosse propriedade particular e o eleitorado um rebanho dócil ao seu poder. (...) As eleições eram de antemão preparadas, arranjadas (...) .Não havia qualquer garantia democrática. E nessa atmosfera de opressão, ignorância e mandonismo o Município viveu quatro décadas, sem recurso, sem liberdade, sem progresso, sem autonomia.141

A Constituição da República de 1934, inspirada na Constituição Alemã de Weimar, foi a que melhor disciplinou o Município, em comparação com as constituições anteriores. No artigo 13, o Constituinte estabelece a organização do Município. Prevê a autonomia municipal e permanece a expressão peculiar interesse, quanto aos assuntos locais. Permite a eletividade do Prefeito e dos Vereadores, a participação na distribuição de receitas tributárias e organização dos serviços de sua

140 FERREIRA, Pinto. Comentários ... p. 200-201.

141 MEIRELLES, op. cit., p. 39.

competência. Entretanto, é prevista a criação de um órgão de assistência técnica à Administração municipal e fiscalização de suas finanças.142

A fixação de receitas próprias aos Municípios, exclama MEIRELLES impulsiona o seu desenvolvimento material. Mas considera que foi muito breve o período de vigência da Constituição para uma avaliação quanto à sua eficácia.143

Entretanto, no que pese o impulso dado à estruturação do Município, houve a criação do mencionado órgão para fiscalizar suas finanças, sem que o constituinte fixasse limites à sua competência.

A Constituição de 1937 corporifica a ditadura Vargas. Toda estrutura existente foi modificada. FERREIRA escreve que “foi eliminada a democracia e com ela a autonomia municipal. O dito documento da ditadura prescreveu a nomeação dos prefeitos pelo chefe do Executivo estadual, mas ressaltou a competência tributária dos municípios.”144 MEIRELLES giza, em síntese, a estrutura administrativa ditatorial:

Ao golpe de 10 de novembro seguiu-se um regime interventorial nos Estados e nos Municípios. O interventor era um preposto do ditador, e os prefeitos, prepostos do interventor. Todas as atribuições municipais enfeixavam-se nas mãos do prefeito, mas acima dele pairava soberano o Conselho Administrativo estadual, órgão controlador de toda atividade municipal, que entravava eficientemente as iniciativas locais. Àquele tempo os interesses municipais ficaram substituídos pelo interesse individual do prefeito em se manter no cargo à custa de subserviências à interventorias.145

Após este período ditatorial, a Constituição de 1946 redemocratiza o Brasil e restaura a autonomia dos Municípios e explicita as bases em que esta é assegurada, para trato de assuntos de seu peculiar interesse. São garantidas as receitas tributárias próprias e participação na arrecadação da União e dos Estados. Prevê a eletividade dos prefeitos e vereadores e os serviços públicos locais.146 Essa estrutura concedida ao Município retoma de modo aperfeiçoado aquela estabelecida pela Constituição de

142 CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo (Comp.). Todas as Constituições do Brasil . 3.

ed. São Paulo: Atlas, 1978. 714 p.

143 MEIRELLES, op. cit., p. 40.

144 FERREIRA, op. cit., p. 202.

145 MEIRELLES, op. cit., p. 41.

146 CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo (Comp.). Todas as Constituições do Brasil . 3.

ed. São Paulo: Atlas, 1978. 714 p.

1934 e assegura autonomia política, administrativa e financeira.

Entretanto, nova fúria ditatorial é vivenciada com a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 servem à ditadura militar com grande centralização no Executivo Federal. É mantida a autonomia estadual e municipal, porém os atos institucionais e as emendas posteriores a restringem política, administrativa e financeiramente, observa MEIRELLES.147

Com efeito, o recrudescimento da ditadura impõe duro trauma ao municipalismo, uma vez que o governo militar pôs por terra qualquer esperança de efetivação dos dispositivos constitucionais que expressavam a autonomia municipal.

Ocorre que o Ato Institucional nº 5, como frisam BONAVIDES e ANDRADE,

“englobava todos os itens constantes dos atos anteriores, acrescentando a faculdade de intervir em estados e municípios, detalhando as conseqüências imputáveis aos que tivessem seus direitos políticos cassados, suspendendo a garantia de habeas corpus e concedendo total arbítrio ao Presidente da República no que se refere à decretação do estado de sítio ou de sua prorrogação.”148

Por esses excertos históricos, percebemos a trajetória do Município que passa por diversas crises, em busca de afirmação constitucional e concretização de uma estrutura que de modo eficaz proporcionasse o trato com os assuntos de seu peculiar interesse. Esse caminhar do Município se beneficia com a redemocratização do Brasil, com densa proteção constitucional uma vez que é alçado à categoria de ente federado, com relevantes repercussões jurídicas decorrentes. Sobre essas inovações nos detemos no tópico seguinte.