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Interesses e sentimentos de pertencimento ao grupo

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3.1 Primeira etapa dos resultados da pesquisa

3.1.2 Interesses e sentimentos de pertencimento ao grupo

Em relação aos interesses dos adolescentes pesquisados, as respostas estão apresentadas no Quadro 6, na página seguinte.

No Quadro 6, sobre a distribuição de respostas conforme os tipos de passatempos e

hobbies, as respostas foram distribuídas em duas categorias: “atividades individuais” e

“atividades grupais”. Observa-se que, no que diz respeito às atividades individuais, aquelas com internet, videogame ou conversas por rede social foram as preferidas, e quanto àquelas grupais, os adolescentes e seus amigos preferiam “jogos com bolas” (futebol, vôlei, handebol) entre todas as atividades por eles desenvolvidas, seguidas de gostos por bailes/festas (funks ou outros tipos de bailes com diferentes tipos de música).

Quanto às atividades individuais – preferencialmente relacionadas ao videogame e à Internet – estudos têm mostrado que a lida com essa tecnologia trouxe-nos muitos benefícios e outros muitos malefícios. No que tange à saúde física, Hancox, Milne e Poulton (2004), em um estudo com 980 crianças, que foram acompanhadas em seu desenvolvimento desde os 2 ou 3 até os 21 anos de idade, verificaram que 17% dos casos de excesso de peso eram devidos ao consumo de TV na infância. Eles constataram que, quanto mais uma criança ou adolescente (isto é, entre 5 e 15 anos) veem TV, maior será seu Índice de Massa Corporal (IMC)9 na idade adulta.

Quadro 6 – Distribuição de respostas conforme tipo de passatempos/hobbies PASSATEMPOS/HOBBIES

CATEGORIAS ADOLESCENTE MELHOR AMIGO TOTAL

ATIVIDADES INDIVIDUAIS

Andar de bicicleta 6 6 12

Assistir televisão 4 1 5

Produzir música / cantar 4 2 4

Fazer cursos/ desenhar 2 1 3

Equitação 1 1 2

Ficar sozinho 3 --- 3

Internet/videogame 25 15 40

9 IMC, ou, em inglês, BMI, Body Mass Index: indicador de normalidade ou anormalidade de peso em relação à altura; ele é calculado como o peso em kg dividido pela altura em m ao quadrado.

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Leitura/ ouvir musica 3 2 5

Culinária 1 ---- 1

ATIVIDADES GRUPAIS

Beber/fumar com os amigos 2 1 3

Caçar / cuidar de passarinho 1 1

Capoeira 1 --- 1

Eventos religiosos 1 1

Festa/bailes funk/ dançar/ Curtir Hip- Hop com amigos

19 8 27

Futebol/ handebol/vôlei 31 18 49

Participar projeto social (atividades) 1 ---- 1

Jogar bola de gude 1 ---- 1

Jogar cartas/dominó 4 4 8

Namorar 1 ---- 1

Passear de barco/pesca com amigos 1 1 2

Passear de moto com amigos 1 2 3

Pipa/ skate 15 6 21

Passear praia/ Shopping com amigos 5 3 8

* RPG 1 1

Roda de conversa 9 7 16

*A sigla RPG da expressão em inglês “Role Playing Game”, define um estilo de jogo em que as pessoas interpretam seus personagens, criando narrativas, histórias e um enredo guiado por uma delas.

Fonte: elaborado pela própria autora.

Pagani et al. (2010) estudaram aproximadamente 1.314 canadenses e suas horas semanais de exposição à televisão; os resultados indicaram aumento de vitimização por colegas; diminuição do tempo gasto para atividades que envolvam esforço físico e altos escores para consumo de refrigerantes e lanches. Os autores concluem que há riscos, em longo prazo, associados com níveis mais elevados de exposição precoce a disposições pouco saudáveis. Swing et al. (2010) publicaram pesquisa longitudinal e examinaram o uso de videogames e problemas posteriores de atenção em crianças e adolescentes; seus resultados indicaram associação dessa exposição e uso ao aumento de problemas de atenção na infância e uma associação similar entre televisão, jogos de vídeo e problemas de atenção no final da adolescência e início da idade adulta.

No que diz respeito às atividades grupais, a preferência por “jogos com bolas”, principalmente futebol, como opção de lazer de um número expressivo de adolescentes,

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seguidas por “gosto por bailes funks/festas/músicas” e “rodas de conversa”, são escolhas que indicam intensas atividades grupais. Essas atividades revelam que a teia de relações que cercam o adolescente, o grupo de iguais, está entre aquelas atividades que mais exercem influência no modo como esse jovem passará pelo processo de “adolescer”, inclusive como se relacionará com o mundo no futuro. E tal aspecto é comum na adolescência, mudando apenas de conteúdo, de acordo com a época em que se vive e o tipo de sociedade em que o sujeito está inserido.

Assim, parece que esses jovens não diferem daquilo que Erikson (1976) já apontara sobre o fato de que a duração e a intensidade da adolescência variam nas diferentes sociedades, mas em todas elas a ideia de não ter formado a própria identidade ao final da adolescência produz um profundo sofrimento para o adolescente por causa da difusão de papéis.

Esses adolescentes em conflito com a lei pareceram expressar comportamentos que são comuns aos adolescentes do mundo atual – a tendência grupal, a identificação com seus pares. O fenômeno grupal adquire uma grande importância na adolescência, uma vez que o indivíduo transpõe para os pares a dependência que tinha da família. Assim, ele precisará de aprovação, julgando-se sempre conforme a sua aceitação no grupo.

Em publicação feita pelo Ministério da Educação e Cultura do Brasil (MEC), elaborada por Corti et al. (2011), em que traçam um perfil do jovem brasileiro e sua relação com a escolaridade, os autores afirmam que esses jovens, nas relações que estabelecem com seus pares, o fazem na forma de “chegados” − do hip hop, a “galera do funk”− ou os parceiros da capoeira; e outra característica é a forma de conversação, pois: “o falar torna-se o próprio fim, o assunto é simplesmente o meio para a viva troca de palavras revelar seu encanto” (CORTI et al. 2011, p. 29). No caso desses jovens, continuam os autores, a conversação assume um papel importante, tornando-se uma das motivações principais dos seus encontros. O “trocar ideias“ é, de fato, um exercício da razão comunicativa ainda mais significativo quando encontram poucos espaços de diálogo além do grupo de pares.

Com isso, é possível observar que esses adolescentes em conflito com a lei – amostra do presente estudo− não pareceram apresentar gostos, satisfações ou hobies diferentes dos adolescentes presentes na sociedade em geral.

Utilizando ainda palavras dos autores supracitados, são essas oscilações entre o jovem como depositário da esperança de um futuro mais promissor e o jovem como símbolo da

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desordem e da rebeldia em relação à tradição que fazem da juventude um valor ou um “desvalor”, conforme se alteram os cenários nos quais se reconhece o que seja cada um destes termos.

O Quadro 7 refere-se às respostas dadas pelos adolescentes quando lhes foi perguntado a que grupo se considerava pertencente e também a qual grupo considerava que seu melhor amigo pertencia.

Quadro 7 – Grupos aos quais o jovemse sente pertencente Categorias de

De grupos que pertence

ADOLESCENTE MELHOR AMIGO TOTAL

grupo de capoeira 01 - 01

grupo de redes sociais / jogos por computado/internet

- 03 03

grupo do futebol/jogos 11 09 20

grupo RPG 01 01

grupo religiosos/ familiar 03 09 12

grupo de músicos (banda , rock) 01 03 02

grupo de carro e moto 01 02 03

grupo de colegas de vizinhança/trabalho/escola

18 13 31

grupo de bebidas e fumo/drogas 01 01

grupo esporte:skate, bicicleta, equitação 04 04 08

grupo que se interessam por pipa 01 01 02

grupo festas/ pic funk 07 05 12

não se considera pertencente a nenhum grupo

10 01 11

TOTAL 57 52 109 Fonte: elaborado pela própria autora.

Tendo em vista que muitos adolescentes consideraram fazer parte de mais de um grupo, assim como os seus pares, foram totalizadas 109 respostas. Observa-se que há uma equivalência entre as respostas ligadas ao sentimento individual de pertencimento a um determinado grupo e o grupo de pertencimento do melhor amigo, indicando a identificação com os pares, próprio do período adolescente.

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Os adolescentes que se consideraram pertencentes ao grupo de colegas e /ou amigos que moram próximo de suas casas ou amigos do trabalho são o grupo mais representativo (31 respostas), seguidos das respostas referentes aos grupos que jogam futebol ou outros jogos de interesse comuns e coletivos (20 respostas).

A seguir, vem o grupo que se interessa por festas, a maioria por bailes funk (12 respostas). Essas respostas, tais como aquelas observadas em “passatempos ou hobbies”, demonstram gostos comuns aos adolescentes de nossa sociedade. Tal como Knobel (1981), ao se referir à “síndrome normal da adolescência”, demonstra algumas características da adolescência como sintomatologia normal, entre elas a tendência grupal − importante para que o adolescente passe por experiências na busca de sua identidade: é quando surge o espírito de grupo, pelo qual o adolescente se mostra inclinado a um “processo de superidentificação em massa, em que todos se identificam com cada um” (KNOBEL, 1981, p. 36-38) . Nesse processo intenso, pode aparecer a separação do grupo como algo impossível; além disso, o indivíduo poderá pertencer a mais de um grupo de coetâneos, submetendo-se às regras desses grupos em relação à moda, aos costumes etc., mais do que ao grupo familiar. Knobel (1981) afirma que as atuações do grupo e dos seus membros podem representar oposição às figuras parentais, como uma maneira ativa de determinar uma identidade diferente daquela que encontra no meio familiar.

Um número relevante a ser observado com atenção diz respeito aos adolescentes que responderam que não se consideravam pertencentes a nenhum grupo, com 11 respostas do total de adolescentes entrevistados. É interessante trazer ao texto o fato de que, durante as entrevistas, quando indagamos sobre como se sentiam e por que diziam não pertencer a nenhum grupo, alguns conteúdos surgiram, como: “não confio em ninguém...,” ; “ prefiro

ficar em casa com minha família... ; “antes tinha os amigos da rua, agora não ando com ninguém...”

Esse retraimento pode ser explicado por Knobel (1970), ao afirmar que quando esse jovem começa a construir a sua liberdade, entrará num estado de perplexidade em sua relação com as imagos parentais internalizadas; essa perplexidade diminuirá sua comunicação com os pais externos – que, consequentemente, serão substituídos por figuras idealizadas. Por essa idealização, o adolescente buscará refúgio em seu retraimento para elaborar o luto pelos pais de infância, adotando condutas autistas.

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Mas essas falas acima transcritas, especificamente, são de dois adolescentes que experimentaram a detenção pela primeira vez e que perderam amigos em tiroteios com a polícia; sentiam-se desanimados e tristes. Expressaram certa atitude de revolta e decepção diante de suas experiências com os grupos de iguais; na associação com amigos para cometer crimes; da polícia e da sociedade. Um deles ainda verbalizou que, apesar de a sociedade “pedir a cabeça deles...” eles tinham parceria com policiais no crime. Tais falas demonstravam sua “oposição” à autoridade e indicavam, com a retaliação, que a autoridade era tão ruim quanto aquilo que a sociedade desprezava.

Nessa fase da adolescência, de oposição à autoridade, o afastamento do grupo neste momento de transição (da fase infantil rumo à adaptação da fase adulta) pode ocasionar especulações quanto à saúde mental do indivíduo, por estarem em um período de muitos conflitos, principalmente se somados aos conflitos com a lei.

Novamente podemos recorrer a Knobel (1981) para compreender que o fenômeno grupal funciona como a transferência, ao grupo, de parte de sua dependência que antes mantinha com a família, com seus pais; portanto, o grupo constitui uma transição necessária no mundo externo do indivíduo em busca do mundo adulto para alcançar sua individualidade de maneira adulta.

O grupo, ainda segundo Knobel (1981), proporciona dissociações, projeções e identificações, e o jovem utiliza-se de mecanismos esquizo-paranoides por ser o fenômeno grupal um favorecimento dessa instrumentalização a favor do psiquismo, no processo de desenvolvimento mental do adolescente. Se há um fracasso de personificação – para que deixe rapidamente seus atributos infantis e assuma as responsabilidades para as quais não está preparado – o adolescente recorre ao grupo como reforço para sua identidade. Assim, o fenômeno grupal pode facilitar a conduta psicopática normal no adolescente, o acting-out motor, produto do descontrole diante da perda do seu corpo infantil, une-se ao acting-out afetivo, produto do descontrole da perda do papel infantil, surgindo desafetos, crueldade com o objeto, indiferença, falta de responsabilidade, que são típicas da psicopatia, mas também encontradas na adolescência normal. A diferença é que no primeiro caso a conduta é cristalizada e permanente, enquanto no adolescente normal é um momento circunstancial e transitório (KNOBEL, 1981 p. 36-38).

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Quadro 8 – Distribuição de respostas segundo qualidades atribuídas aos seus pares QUALIDADES

CATEGORIAS Ele Mesmo Melhor Amigo

I. Qualidades que expressam alegria e bom contato social

(Alegre,Comunicativo, Carismático, Divertido/ Engraçado, extrovertido, Legal/ Simpático, Participativo, Positivo, sorridente, Atencioso)

36 36

II . Qualidades que expressam atributos físicos

(Alto; Elegante, bonito, Vaidoso (ostentação)

05 05

III .Qualidades que expressam afetuosidade

(Amoroso/Afetuoso/Apaixonado , Carinhosa

mãe/amiga/namorada, Sensível; amorosos com animais, crianças e consigo mesmo, com família)

20 20

IV .Qualidades que expressam autenticidade

Autentico ; Critico (lado bom- mostra o que está certo e errado; Verdadeiro)

3 8

V .Qualidades que expressam Benevolência, compreensão, amizade

(Companheiro, Compreensivo, Conselheiro/ Sábio

(avô), Cuidadoso, educado, ficar bem com as pessoas, camarada, bom;, Parceira; preocupado com bem estar de outrem; Sem preconceito; prestativo)

18 43

VI .Qualidades que expressam Coragem, lealdade

(Fiel/ Leal/ Sincero, Corajoso/ousado)

15 13

VII .Qualidades que expressam intelectualidade

(Escritor , Estudioso, Filosófico ,Inteligente; Pensativo)

3 8

VIII .Qualidades que expressam valores,

moral e ética

Honesto, Respeitoso ,educado; Humilde; simples, Gentil,

13 14

IX .Qualidades que expressam maturidade

Maduro (leva as coisas a sério); Não se deixa influenciar; sério; tem bom senso

3 2

X .Qualidades que expressam materialidade

Moto ( considera a única coisa que tem de bom)

1 -

XI .Qualidades que expressam paciência

Paciente/ Calmo/ Tranquilo, Observador; quieto; esperançoso

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XII . Qualidades que expressam habilidades de realização e concretização de tarefas, tenacidade

(Responsável, pontual, organizado ; Trabalhador;

Esforçado; Guerreiro - luta pelo que quer; persistente

9 15

XIII .Outras qualidades 0 2 03

Religioso ;Ingênuo; Gosta de esporte Fonte: elaborado pela própria autora.

Observam-se no Quadro 8 as categorias referentes a qualidades próprias e dos pares. É bom esclarecer que o que é chamado de par são as pessoas que o adolescente, ao citá-las, mostrou considerá-las como pessoas mais próximas, principalmente por admiração e afetividade. Apesar de ter sido pedido que indicasse o melhor amigo, alguns adolescentes se referiram à mãe, à namorada ou ao irmão; a maioria se referiu aos amigos, principalmente aqueles com os quais iniciaram amizade na infância. Alguns tiveram dificuldades em apontar um par.

Ao transcrevermos os dados, agrupamo-los em categorias por proximidade daquilo que expressaram como atributos dados a si e ao amigo. Observam-se, portanto, 13 categorias, sendo a categoria que mais recebeu atributos de admiração de si e do outro (identificação) aquela relacionada aos contatos sociais (Categoria I).

Em seguida, as categorias mais apontadas são aquelas relacionadas com os afetos, ou seja, tanto a categoria referente aos afetos propriamente ditos e diretamente atribuídos: amoroso, carinhoso, apaixonado (Categoria III) quanto por aquela referente à bondade, compreensão (Categoria V). Muitos dos jovens indicaram a qualidade de “gostar de animais” como um item com o qual se identificaram, porém, este foi um item usado como exemplo, de forma padronizada quando surgia a necessidade de um fator motivacional para explicar o que se estava pedindo, isto é, quando demonstravam dificuldade em responder.

As dificuldades apresentadas pelos adolescentes (frases, atitudes) foram observadas. Alguns olhavam para a pesquisadora, sem saber o que falar, aparentando constrangimento pela espera da resposta; desviavam o olhar, abaixavam a cabeça sinalizando não saber o que falar; outros acabavam falando “não sei...”, “sei lá... não sei não” , parecendo querer afastar o incômodo rapidamente.

Em relação à pessoa que representava o melhor amigo, a pergunta foi mais fácil para os participantes; as respostas eram quase imediatas, talvez, também, por já terem superado a dificuldade de falarem de si mesmos, nas respostas dadas anteriormente. Observou-se que este item possibilitou ao adolescente pensar nas respostas já dadas, e refletir para respondê-la.

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Quando alguns adolescentes precisaram voltar para si mesmos e refletir, apesar de esta ser uma tarefa difícil, não a rejeitaram e deram continuidade à participação. Outros, com mais dificuldades e resistências, rejeitaram o exemplo dado pela pesquisadora para facilitar sua iniciativa, respondendo: “eu não gosto de bicho” ; “ah não sei, não... que tipo de

animal?” .

É interessante nessas reações observar e relembrar dos ensinamentos de Klein (1997), ou seja, no período da puberdade, o menino costuma tomar para si o modelo de heróis, grandes homens, pessoas que são admiradas, para que possa manter sua identificação com esses objetos mais facilmente, uma vez que se sente mais afastados dele. Também pode contrabalançar os sentimentos negativos ligados às suas imagos paternas com maior persistência; mas, ao cindir sua imago paterna, o adolescente desvia suas tendências agressivas para outros objetos.

3.2 Segunda etapa dos resultados da pesquisa: análise dos aspectos psicodinâmicos vistos

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