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Interesses econômico-corporativos que formam as coalizões de poder no Paraguai Com essa multiplicidade de atores participando da dinâmica parlamentar, na política

APRESENTAÇÃO DO CASO PARAGUAIO

2.2 Interesses econômico-corporativos que formam as coalizões de poder no Paraguai Com essa multiplicidade de atores participando da dinâmica parlamentar, na política

paraguaia pós-1989 pode ser observada a existência de dois grandes blocos de poder, duas grandes coalizões que disputam a liderança na sociedade política (o sistema político) assim como na sociedade civil.

A primeira é a coalizão conservadora, formada pelos partidos tradicionais (ANR e PLRA), terceiras forças momentâneas (PPQ e UNACE), a aliança conservadora (entre o capital multinacional, as associações empresariais nacionais e os meios de comunicação empresariais), setores majoritários da Igreja e as Forças Armadas.

Já a segunda coalizão consiste em uma coalizão contrária a esta perspectiva de conservação hegemônica que pode ser analisada enquanto uma coalizão alternativa, formada pela FG, o AP, o PDP, pequenos partidos de esquerda, movimentos sociais setoriais, principalmente os camponeses, os sindicatos e setores minoritários da Igreja (vinculados com a linha da Teologia da Liberação).

Para chegar a essa definição deve-se considerar a conformação da estrutura econômico- social paraguaia, como se estabelecem as relações sociais de produção, assim como a organização política do Estado e como se desenvolvem as relações de forças no interior do bloco histórico. Tal apreciação parte do princípio da teoria marxista – aqui concebida a partir

da interpretação gramsciana – de que todo Estado é uma representação das relações de classe (das lutas de classe) que podem ser observadas na estrutura. A estrutura econômico-social seria a base das relações sociais, enquanto as superestruturas referem-se à dinâmica das relações sociais (LIGUORI apud LIGUORI e VOZA, 2017: 261-264).

Seguindo os apontamentos da teoria da dependência (em suas duas vertentes, pois ambas partem desses argumentos) é possível observar que a dependência dos países latino-americanos no sistema mundial capitalista é uma forma de apresentação do fenômeno da dependência, que ocorre também internamente, as relações de dependência, exclusão, desigualdade e hierarquização são produzidas e reproduzidas tanto doméstica quanto internacionalmente (como apontado pelo colonialismo interno, especialmente por STAVENHAGEN, 1974). Isto posto, na concepção aqui utilizada a compreensão da estrutura econômico-social é imprescindível para entender o surgimento das demandas que se apresentarão nas demais esferas (da cultura política, do modelo de dominação e da resposta institucional). Com isso, chega-se ao modelo analítico estabelecido no capítulo anterior relacionando as três esferas, com as demandas presentes na população pressionando a estrutura do modelo de dominação, para manter-se estavelmente com a aceitação dos dominados e cujas respostas vão influenciar na percepção da população sobre a estrutura administrativa do modelo de dominação.

Segundo Villagra (2009), na economia paraguaia a principal fonte de geração de riquezas é a terra e os recursos naturais, sustentando a atividade agropecuária, florestal, agroindustrial e grande parte do comércio. A terra e a riqueza que ela gera estão concentradas e hegemonizadas pelos latifundiários locais e estrangeiros33, focados principalmente na produção de soja e gado para a exportação da oleaginosa, carne e os derivados de ambos.

A importância dos produtos primários na pauta de exportações do Paraguai pode ser visualizada a partir dos dados fornecidos pela Cepalstat (2018). Na sequência são apresentados os principais produtos primários exportados pelo Paraguai em três anos (2012, 2016 e 2017):

33 Os dados sobre a distribuição fundiária apresentados pelo Censo Agropecuário Nacional de 2008 apontam que 2,6% dos proprietários do país possuem 85% das terras registradas. O coeficiente de Gini para a distribuição fundiária era de 0,93, um dos maiores do mundo (BOZZOLASCO, 2009).

Quadro 7. Principais produtos primários exportados pelo Paraguai (em porcentagem do total das exportações) Produto 2012 2016 2017 Variação 2017-2012 Energia elétrica 30,7% 25,2% 24,3% -6,4% Soja 21,7% 21,6% 24,6% +2,9% Carne bovina 10,4% 13% 13,2% +2,8%

Resíduos de sementes oleaginosas 2,7% 10,1% 8,4% +5,7%

Óleo de soja 1,9% 5,5% 5,5% +3,6%

Milho 7,5% 4% 2,8% -4,7%

Couros 1,5% 1,4% 1,3% -0,2%

Arroz 1,1% 1,7% 1,6% +0,5%

Trigo 4,9% 1,7% - -3,2%*

Açúcar sem refinar 1,1% - - -

Total dos produtos primários 83,5% 84,2% 81,7% -1,8% *Variação 2016-2012.

Fonte: Elaboração própria com os dados da Cepalstat (2018)

Considerando os dados relativos aos principais produtos de exportação do Paraguai é possível constatar a importância dos principais complexos agroexportadores. Se somar-se outro produto primário exportado pelo Paraguai, a eletricidade que representava 24,3% das exportações de 2017 – provinda das duas principais usinas hidrelétricas do Cone Sul, as binacionais de Itaipu e Yacyretá – e considerar-se os demais principais produtos, será observado que os produtos primários eram responsáveis por 81,7% das exportações (CEPALSTAT, 2018). Enquanto quatro produtos reduziram sua participação no total das exportações (energia elétrica, milho, couros e trigo), outros cinco produtos aumentaram a sua participação (soja, carne bovina, resíduos de sementes oleaginosas, óleo de soja e arroz).

A economia paraguaia está orientada para as necessidades do mercado internacional, preterindo as necessidades da população local relegada por seu baixo nível aquisitivo. De acordo com os dados apresentados pela Cepalstat (2018) em 2014 a taxa de pobreza no Paraguai alcançava 42,3%, sendo que a taxa de pobreza urbana era de 36,5% e a rural era de 50,9%. Ademais, a taxa de indigência era de 20,5%, sendo que a urbana era de 13,3% e a rural era de 31,3%. Tais índices refletem as dificuldades enfrentadas por parcela considerável da população paraguaia no concernente às suas condições socioeconômicas, refletindo em seus interesses mais imediatos, como pode ser depreendido dos elementos teórico-conceituais analisados no capítulo anterior.

De tal modo, o Paraguai está inserido em uma lógica de intercâmbio desigual, exportando matérias primas de baixo valor agregado e importando produtos de alto valor agregado, inclusive insumos e maquinário para a produção das matérias primas exportadas.

Representa o cenário da deterioração dos termos de troca, como analisado por Prebisch (1981). O modelo privilegia a exploração extensiva da terra, como no caso da pecuária, além do uso intensivo de capital e tecnologia, como nas monoculturas da soja, excluindo do processo o emprego intensivo da mão de obra, pela escassa capacidade de gerar empregos destas formas de produção. É um modelo fundamentalmente extrativista buscando a extração de recursos com menores custos e que possam ser facilmente comercializáveis.

No caso paraguaio, a distribuição da população ocupada por setores da atividade econômica pode ser observada com os dados aportados pela Cepalstat (2018) para o ano de 2017, apresentados no seguinte gráfico:

Gráfico 1. Distribuição da população ocupada por setor da atividade econômica (2017)

Fonte: Cepalstat (2018).

É possível observar como o setor de comércio e serviços concentra a maior parcela da população ocupada (50,5% entre os dois setores, além dos 5,6% referentes aos serviços financeiros). Comparando-se os resultados de 2017 com os de 2014 são vistos três fenômenos de leve mudança, especialmente pelo curto intervalo: os serviços aumentaram sua participação de 54,2% para 56,1%; a agricultura reduziu sua participação de 22,1% para 20,1%; e os empregos urbanos (fora do âmbito dos serviços) aumentaram sua participação de 22,5% para 22,9%. Neste curto intervalo de 3 anos o comércio foi a atividade econômica que absorveu a maior parte da mão de obra empregada, enquanto a agricultura foi a que mais perdeu espaço.

27,1 23,4 20,1 11,6 7,9 5,6 3,4 0,8 Comércio Outros serviços Agricultura Manufaturas Construção Serviços financeiros Transporte Outros

E outro dado importante para entender as relações sociais de produção no Paraguai, auxiliando na compreensão da precarização das condições de vida e no aprofundamento das desigualdades é a taxa de ocupação no mercado informal de trabalho. Segundo os dados da Cepalstat (2018) em 2014 os ocupados urbanos no setor informal do mercado de trabalho representavam 50,6% da população, mais da metade da população estando no mercado informal. A taxa era maior para as mulheres, com 56,9%, e para os homens a taxa chegava a 45,6%. Os últimos dados apresentados pela Cepalstat referentes ao ano de 2017 demonstram como esse fenômeno vem se aprofundando. A taxa de ocupação informal passou para 53,4%, sendo que para as mulheres passou a representar 59,4% e para os homens a taxa chegou a 48,8%. O peso da informalidade reflete na precarização das relações de trabalho, mas influencia também nas assimetrias, na concentração e na hierarquização da sociedade, fazendo que as massas estejam afastadas dos mecanismos institucionais, seja pelo desconhecimento, seja pela desconfiança ou dificuldade em observar a sua capacidade de resposta.

O processo de internacionalização da economia paraguaia insere-se no processo mais geral de mundialização do capital, analisado por Chesnais (1996). Com os processos paralelos de financeirização da economia e a produção em escala global, o caso paraguaio molda-se a essas necessidades com o aprofundamento dos complexos agroexportadores. A especialização na divisão internacional do trabalho faz que o Paraguai seja o representante inicial do processo de produção do complexo primário, especializado na produção da matéria prima e sua exportação para outros mercados que irão se encarregar do beneficiamento, ou mesmo o beneficiamento interno por parte das empresas multinacionais.

Também é preciso ser observado que a produção no Paraguai está permeada pelo processo de financeirização, pois a produção dos grandes complexos agroexportadores necessita de créditos para financiar os insumos, as novas tecnologias e maquinários para a produção, tornando a terra e a sua produção elementos capitalizados e concentrados nos atores com capacidade para se inserir no processo de financeirização.

A produção em escala ampliada de soja, milho, algodão e carne está relacionada com a necessidade do mercado mundializado por essas commodities, incentivando sua produção no Paraguai que facilita a produção de tais complexos. Ademais, os complexos agroexportadores paraguaios estão profundamente relacionados e envolvidos pelas empresas multinacionais que controlam boa parte dos processos relacionados com a produção.

Um exemplo da participação das multinacionais na produção dos complexos agroexportadores é apresentado por Rojas (2009), que analisa 12 empresas multinacionais atuantes na produção primária paraguaia estabelecendo sua participação na cadeia produtiva em cinco fases: provisão de insumos (agroquímicos, sementes e maquinários); produção agrícola (especialmente no caso da soja); estocagem e comercialização (fundamentalmente a agroexportação); industrialização; e distribuição final. Os resultados da análise são apresentados no seguinte quadro, onde não aparecem a produção e a distribuição pois nenhuma das grandes corporações dedicava-se a essas atividades no Paraguai:

Quadro 8. Participação das multinacionais na produção de agroexportação

Corporação Processos

Insumos Estocagem e comercialização Industrialização

ADM Paraguay SAECA X X

BASF Paraguaya S.A. X

Bayer S.A. X

Bunge Paraguay S.A. X X

Cargill Agropecuaria SACI X X X

ContiParaguay S.A. X X

Dow Agrosciences Paraguay S.A. X

Louis Dreyfus Paraguay S.A. X X

Nestlé Paraguay S.A. X

Noble Paraguay S.A. X X

Parmalat Paraguay S.A. X

Unilever de Paraguay S.A. X

Total de corporações por processo (%) 8 (67%) 6 (50%) 5 (42%)

Fonte: Rojas (2009).

Observa-se que essas empresas multinacionais atuam em processos vinculados com a produção dos complexos agroexportadores, mas não na produção em si. Concentram-se na provisão dos insumos necessários para a produção, onde conseguem controlar a fase primordial e essencial para a produção. O beneficiamento e a inserção dos produtos no mercado internacional (estocagem e comercialização dos grãos, bem como a industrialização) são outras fases que recebem a atenção das empresas multinacionais, relacionando-se com a realização da produção em agroexportação. Em suma, a influência das empresas multinacionais na produção dos complexos agroexportadores é fundamental.

Não obstante, analisando outro dado sobre as atividades das empresas estrangeiras no setor primário da produção é possível ver a relevância econômica das empresas estrangeiras no Paraguai. Considerando-se a participação das empresas estrangeiras do setor primário nas exportações do Paraguai, os dados fornecidos por Rojas (2009) relativos ao ano de 2007 podem ser compilados a partir do seguinte quadro:

Quadro 9. Participação das empresas estrangeiras nas exportações paraguaias de 2007 Corporação Origem do capital Total de exportações (em milhões de US$) % do total de exportações do Paraguai

Cargill Agropecuaria SACI Estados Unidos 613,5 18,18

ADM Paraguay SAECA Estados Unidos 289,1 8,57

Bunge Paraguay S.A. Estados Unidos 202,8 6,01

Louis Dreyfus Paraguay S.A. França 121,0 3,59

Vicentin Paraguay S.A. Argentina 89,6 2,66

Noble Paraguay S.A. Hong Kong 83,4 2,47

ContiParaguay S.A. (Unilever) Holanda/Inglaterra 44,0 1,3

Agro Silo Santa Catalina S.A. Brasil 35,2 1,04

Agrofertil S.A. Brasil 25,9 0,77

Shirosawa Company SAIC Japão 16,8 0,5

Lar Paraguay S.A. Brasil 15,8 0,47

Total* 1537,1 45,56

*Total de exportações do Paraguai em 2007: US$ 3.374 milhões. Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de Rojas (2009).

Apenas essas 11 empresas estrangeiras foram responsáveis por quase metade do total das exportações paraguaias em 2007. Se forem consideradas as 3 mais importantes nos resultados (Cargill, ADM e Bunge, todas estadunidenses) observa-se que foram responsáveis por 32,76%, quase um terço do total das exportações. Este é um dado que aponta para a importância da atuação das empresas estrangeiras nos complexos agroexportadores e lançam novamente a discussão sobre o problema da origem dos capitais e a questão da retórica nacionalista.

Por tudo isso, o sistema econômico gera uma enorme desigualdade entre, por um lado, um setor com elevadas rendas e lucros e, por outro lado, uma enorme quantidade de paraguaios em situação de pobreza e exclusão, desempregados e na informalidade com a precarização das relações laborais34. O Estado paraguaio, incluindo os três poderes que o integram e todo o aparato legal, está desenhado para favorecer e preservar esta estrutura econômico-social e os benefícios que ela gera aos grupos que fazem parte da coalizão de classe dominante.

Pode se ver a caracterização da economia paraguaia como agroexportadora, dependente de capital internacional, importadora de uma ampla gama de produtos, desigual na distribuição de renda e de recursos necessários para a produção. O privilégio de pequenos setores com

34 Há uma grande desigualdade entre o grupo com maiores rendas e o grupo com as menores rendas. Villagra (2009) apresenta a estimativa de que os 10% da população com maior renda recebem anualmente uma renda 42 vezes maior que a recebida pelos 10% da população no extremo oposto.

grandes recursos em detrimento da maioria da população fomenta a manutenção de uma relação de forças favorável aos primeiros. A estrutura econômico-social paraguaia reproduz a lógica do “continente entortado” de Hoffman e Centeno (2006), onde os avanços econômicos não conseguem representar melhorias similares nas condições de vida da população.

A parcela da população que é preterida pelo modelo acaba vivenciando a precarização de suas condições de vida, tanto os que permanecem no campo e não conseguem produzir os produtos com valor comercial, sendo pressionados pelo modelo dos complexos agroexportadores, quanto os que migram para as periferias das cidades buscando empregos que proporcionem melhores condições de vida. Ambos os grupos adentram na caracterização do conceito de marginalidade, analisado em Germani (1980) e Quijano (1971), contribuindo para a hierarquização social e a constituição de identidades excludentes35 que dificultam a ascensão social e mantêm a distância entre o topo e a base da hierarquia social.

No concernente à distribuição fundiária, os dados do último censo agropecuário realizado demonstram a permanência da concentração da propriedade. Agregando os dados do censo em 6 intervalos (o censo divide em 12), apresentam-se os seguintes resultados:

Quadro 10. Distribuição do tamanho das propriedades (segundo o Censo de 2008) Tamanho da propriedade (ha) Número de propriedades Porcentagem de propriedades

Área (ha) Porcentagem da área <20 241.182 83,3 238.012 4,3 20-<50 22.865 7,9 619.986 2,0 10-<100 6.879 2,3 459.555 1,5 100-<1.000 13.222 4,5 4.109.633 13,2 1000-<10.000 4.127 1,4 11.902.565 38,3 >10.000 600 0,2 12.654.779 40,7 Total 289.649 100 31.086.894 100

Fonte: Ezquerro-Cañete e Fogel (2017: 281).

Centrando-se as atenções nos dois extremos da estrutura fundiária (as pequenas propriedades com até 50 hectares e as grandes propriedades com mais de 1000 hectares) é visto que as pequenas propriedades representam 91,2% das propriedades registradas, mas ocupam uma área de apenas 6,3%. No outro extremo, as grandes propriedades representam 1,6% das propriedades registradas, mas ocupam uma área de 79%.

35 O camponês, o pynandi (descalço em tradução do guarani), é o elemento incivilizado, grosseiro, que não consegue se expressar em castelhano (espanhol) que é a língua dos esclarecidos, daqueles que possuem poder. Esta é uma das formas de hierarquização baseada em identidades excludentes que se observa no Paraguai.

A concentração de terras reflete em outro problema fundiário que se refere à forma de posse. Os dados do censo agropecuário de 2008 mostram a seguinte distribuição das formas de posse da terra entre propriedades de agricultura familiar e médios e grandes produtores:

Gráfico 2. Formas de posse da terra no Paraguai em 2008 (em porcentagem do total)

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Censo Agropecuario Nacional (MAG, 2008).

Enquanto a grande maioria dos médios e grandes proprietários possuem títulos definitivos de suas terras (80,1%), a situação dos agricultores familiares não possui a mesma segurança jurídica e apenas 51,5% dos proprietários possuem títulos definitivos de suas terras. Essa falta de segurança jurídica é mais um elemento de desigualdade entre os dois grupos, além de fomentar a retórica da coalizão conservadora sobre a necessidade de manutenção da ordem jurídica, pois seus aliados no setor primário necessitam da manutenção da ordem jurídica para manter a segurança sobre seus títulos de propriedade.

Como o modelo econômico privilegia a agroexportação, a terra constitui um elemento de poder nas relações sociais, e com essa concentração do recurso a relação de forças fica favorável aos grandes proprietários e seus representantes na sociedade política. Por exemplo, a comercialização da produção dos produtos agrícolas se dá de forma muito distinta entre camponeses e os produtores de agroexportação, como pode ser observado a partir do seguinte gráfico: 51,5 22,2 3,5 20,2 2,6 80,1 2,9 8,2 3,5 5,3

TÍTULO DEFINITIVO DOCUMENTO

PROVISÓRIO

TERRA ALUGADA OCUPANTES OUTROS

Gráfico 3. Destino dos produtos agrícolas no Paraguai em 2008 (em % das propriedades)*

* O total passa dos 100% pois uma propriedade pode ter mais de um destino para suas vendas. Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Censo Agropecuario Nacional (MAG, 2008).

Equanto os camponeses (a agricultura familiar) concentra suas vendas para comerciantes locais ou na venda direta aos consumidores (ambas as formas têm 94,3% de presença), os médios e grandes produtores conseguem distribuir suas vendas entre as quatro formas apresentadas. Ademais, são os médios e grandes produtores que conseguem inserir seus produtos nas vendas para cooperativas e empresas (60,3% das vendas), ambas sendo as principais compradoras dos produtos provenientes dos complexos agroexportadores.

Com a concentração da propriedade da terra os grandes proprietários têm uma facilidade maior para conseguir créditos e financiar a produção em larga escala. Os pequenos proprietários não o conseguem da mesma forma, dificultando a sua competitividade na produção dos complexos agroexportadores e dificultando a sua viabilidade econômica.

Quando observam-se os principais produtos produzidos por camponeses e pelos médios e grandes proprietários, é possível visualizar a diferença e a concentração em determinados produtos de acordo com o tamanho da propriedade. Os dados da participação de cada grupo de produção são os seguintes:

25,8 12 4,6 68,5 20,4 35,3 25 35,4 0 10 20 30 40 50 60 70 80 VENDA DIRETA PARA EMPRESAS PARA COOPERATIVAS PARA COMERCIANTES

Gráfico 4. Participação no total da produção por produtos agrícolas (em porcentagem do total)

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Censo Agropecuario Nacional (MAG, 2008).

Os dados mostram uma divisão bem estabelecida entre os dois grupos de produtores: os camponeses (representantes da agricultura familiar) concentram-se nos produtos de subsistência e que são consumidos internamente (feijão, mandioca, ka’a he’ê – um adoçante natural –, tabaco – usado pela indústria nacional –, tártaro, algodão, batata, gergelim, menta e cana-de-açúcar); os médios e grandes produtores, por sua vez, concentram-se na produção dos grandes complexos agroexportadores que são vendidos para as cooperativas e empresas estrangeiras (arroz, girassol, soja, canola, trigo e milho). No geral, é possível apontar que enquanto os camponeses produzem para o mercado interno, os médios e grandes proprietários produzem visando a exportação dos seus produtos, há uma marcante diferença de escala dos mercados onde a produção de cada setor se isere.

Soma-se a isso a questão da redução do trabalho e sua remuneração no campo. Com a mecanização do processo produtivo os camponeses que estavam habituados a uma forma distinta de produção agrícola – basicamente a agricultura de subsistência – são pressionados a sair do campo, dada a baixa oferta de empregos. Tal fenômeno pode ser observado nos dados apresentados por Riquelme e Vera (2013) que realizam uma comparação entre 1991 (primeiro censo pós-stronismo) e 2008 (último censo):

37,5 52,6 87,8 88,9 88,6 89,7 91,6 93,1 93,6 93,6 93,9 16,7 7,3 7,2 6,1 3,9 3,2 62,5 47,4 12,2 11,1 11,4 10,3 8,4 6,9 6,4 6,4 6,1 83,3 92,7 92,8 93,9 96,1 96,8 A M E N D O I M C A N A - D E - A Ç Ú C A R M E N T A G E R G E L I M B A T A T A A L G O D Ã O T Á R T A R O T A B A C O K A ' A H E ' Ê M A N D I O C A F E I J Ã O M I L H O T R I G O C A N O L A S O J A G I R A S S O L A R R O Z

Quadro 11. Trabalho rural assalariado permanente e temporário (1991-2008)

Categoria 1991 2008 Variação (%)

Número de propriedades com trabalho assalariado 107.739 96.804 -10,1 Trabalho rural permanente

Número de propriedades 26.640 27.915 4,8

Total 81.748 81.754 0,01

Masculino 66.730 68.191 2,2

Feminino 15.018 13.565 -9,7

Trabalho rural temporário

Número de propriedades 96.292 79.235 -17,7

Total 946.040 238.674 -74,8

Masculino 794.750 231.060 -70,9

Feminino 151.290 7.614 -95,0

Fonte: Riquelme e Vera (2013: 44).

É importante observar a variação no período com uma redução de 10,1% no número de propriedades que utilizavam o trabalho assalariado. Os trabalhadores temporários ainda representavam uma parcela maior do mercado de trabalho rural em relação aos trabalhadores permanentes. Contudo, foi o trabalho rural temporário que presenciou uma redução maior no período, de 74,8%, apontando para a dificuldade de permanência do emprego rural no Paraguai.

Esse fenômeno, junto com a expansão do modelo primário-exportador e a consequente pressão sobre os camponeses, acaba acarretando um outro fenômeno fundamental para compreender a estrutura econômico-social paraguaia (como apontado no primeiro capítulo): o êxodo rural. Um dado que permite visualizar o processo de êxodo rural que o Paraguai tem presenciado nas últimas décadas é a distribuição da população nos setores urbano e rural, cuja compilação é apresentada a partir do seguinte gráfico:

Gráfico 5. Divisão da população pela área de residência no Paraguai: projeção 2000-2025 (%)

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da DGEEC (2015).

53,7 54,2 54,6 55,1 55,6 56 56,5 57 57,4 57,9 58,3 58,8 59,2 59,6 60,1 60,5 60,9 61,3 61,7 62,1 62,5 62,9 63,3 63,7 64,1 64,4 46,3 45,8 45,4 44,9 44,4 44 43,5 43 42,6 42,1 41,7 41,2 40,8 40,4 39,9 39,5 39,1 38,7 38,3 37,9 37,5 37,1 36,7 36,3 35,9 35,6 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 Urbana Rural

Os dados da DGEEC permitem visualizar o processo de redução da participação da população rural na composição da população paraguaia. Ainda assim, a projeção feita em 2015 mostra que até 2025 a população rural ainda deverá representar 35% da população paraguaia, representando uma participação elevada se comparada com outros países da região. Os dados