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CAPÍTULO 1: DO AMOR E DAS RELAÇÕES DE VIOLÊNCIA

2.1. Procedimentos metodológicos

2.1.2. Interlocutores da pesquisa

O primeiro momento da pesquisa foi a decisão sobre o recorte que seria dado, considerando que o foco são os casais de namorados e que este tipo relação compreende diferentes faixas etárias, sem nenhum tipo de limite para que seja iniciada. Poderia escolher crianças, pré-adolescentes, adolescentes, jovens, adultos e idosos, tendo em vista que a qualquer momento da vida uma relação de namoro pode ter início.

Optei por entrevistar jovens que autodenominassem seus relacionamentos como namoro e que estivessem namorando há, no mínimo, três meses. O fator tempo, determinado na pesquisa, decorreu das leituras sobre violência nas relações de namoro, descritas em outro capítulo, as quais explicam que quanto maior o tempo de relação, maior a possibilidade de a violência acontecer, embora existam divergências de opinião a esse respeito.

Para definir a faixa etária que compreende a juventude, tendo em vista a arena de debates sobre a classificação de jovens (CARRANO; SPOSITO, 2003; GONÇALVES, 2005; MELUCCI, 1997), utilizei a classificação apresentada na I Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude 18, ocorrida em setembro de

2007, a qual adota um critério mais amplo do que seja um jovem, compreendendo cidadãos e cidadãs entre os 15 e 29 anos, porém com subdivisões, apresentadas pelo Conselho Nacional de Juventude — Conjuve 19. A divisão realizada pela Conjuve

apresenta três faixas etárias: adolescentes-jovens (entre 15 e 17 anos), jovens-

jovens (entre 18 e 24 anos) e jovens-adultos (entre 25 e 29 anos).

Para a pesquisa, adotei a faixa de jovens-jovens (entre 18 e 24 anos) e jovens-

adultos (entre 25 e 29 anos), por entender que a partir dos 18 anos de idade o jovem

tem maior autonomia e sofre menor influência dos pais na escolha dos pares, com base em critérios individuais, bem como em relação à manutenção ou não do relacionamento.

18 Disponível na página: www.juventude.gov.br/conferencia/MANUAL_Conf_Livres_final_final.doc acesso em: 08/12/2007, às 16:00 horas.

19 Formado por representantes do poder público (20) e da sociedade civil (40), criado em agosto de 2005 para realizar estudos e propor diretrizes para as políticas públicas voltadas aos jovens. (Lei no 11.129, de 30 de junho de 2005. Decreto no 5.490, de 14 de julho de 2005).

Na qualificação de meu projeto de pesquisa foi sugerido, pela Banca de Qualificação, que eu dividisse os entrevistados em dois grupos sociais diferentes: jovens moradores de conjuntos habitacionais e de prédios residenciais em bairros nobres. Porém, após a qualificação, percebi que, pelo fato de morar na cidade há pouco tempo, meu círculo de amigos era reduzido e o acesso a essas residências ficou difícil. Decidi então começar a pesquisa com os jovens da comunidade religiosa (protestante) da qual faço parte.

Nessa comunidade entrevistei três jovens (dois homens e uma mulher) de grupos populares e dois jovens de camadas médias, que já conhecia anteriormente. Além deles, outras duas jovens também faziam parte de outras comunidades religiosas (protestantes: batistas, evangélicos e presbiterianos), sem que eu soubesse dessa informação anteriormente à entrevista. Essa questão — a relação desses jovens com suas comunidades religiosas — foi considerada na análise. Os jovens que declararam pertencer a alguma comunidade religiosa estão destacados em negrito no quadro (página 65).

Os grupos foram divididos em jovens de grupos populares e jovens de camadas médias. O principal critério foi a localização da residência, porém também foram consideradas, de forma secundária, a escolaridade e a renda do grupo familiar. A divisão dos grupos ficou assim constituída: O primeiro foi composto por onze jovens — sete mulheres e quatro homens —, que denominei “grupos populares”, residentes nos bairros do Ibura, Jardim Jordão, Dois Carneiros, com exceção de uma das jovens, que residia no bairro de Boa Viagem, na comunidade Entra-pulso. O segundo grupo, também composto por onze jovens — sete mulheres e quatro homens —, de camadas médias, residiam nos bairros de Boa Viagem, Cidade Universitária (CDU), Imbiribeira, Piedade e Estância.

A escolha dos jovens participantes da pesquisa aconteceu de três formas diferentes: 1) por intermédio de amigos que conheciam pessoas que namoravam há, no mínimo, três meses, com idades entre 18 e 29 anos; 2) através do contato com jovens de uma comunidade religiosa da qual também participo (denominação protestante); 3) por meio dos jovens entrevistados que me indicaram conhecidos que também estavam dentro do perfil estabelecido.

Entre os jovens entrevistados, dois homens das camadas médias e três jovens (dois homens e uma mulher) dos grupos populares participam da mesma comunidade religiosa da qual faço parte.

O contato ocorreu de duas formas diferentes: 1) os amigos disponibilizaram o número telefônico de seus conhecidos, e eu liguei diretamente para os(as) jovens, esclarecendo quem tinha me fornecido seu número telefônico, explicando que cursava o Mestrado em Psicologia na UFPE e estava pesquisando sobre relações de namoro entre jovens e suas implicações; 2) através de terceiros — amigo que me indicou ou jovem que havia sido entrevistado —, o qual explicou quem eu era, o que fazia e o que estava pesquisando.

No primeiro contato, pelo telefone, foi esclarecido que se tratava de uma pesquisa associada ao Mestrado, que havia sido aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, e que a participação era voluntária. Confesso que, para minha surpresa, não ocorreram recusas em participar da pesquisa, e as entrevistas foram marcadas para se realizar na casa das pessoas, em seus locais de trabalho, na igreja ou na universidade em que estudavam, dependendo da comodidade do entrevistado.

As entrevistas com os jovens de grupos populares aconteceram, em sua maioria, no espaço cedido pela Igreja, mesmo com os jovens que não participavam dessa comunidade religiosa (oito jovens, sendo três participantes dessa comunidade), ou em seus locais de trabalho (três jovens). Entre os jovens de camadas médias as entrevistas aconteceram, em sua maioria, na casa dos jovens (cinco jovens), ou na universidade em que estudavam (seis jovens).

No total, foram vinte e seis entrevistas realizadas, porém quatro foram descartadas, por dois motivos: os jovens estavam fora do perfil estabelecido na pesquisa (duas entrevistas) ou a gravação não estava com boa qualidade, não sendo possível a transcrição (duas entrevistas). O Apêndice C apresenta o quadro de identificação dos sujeitos entrevistados. A seguir, um quadro com as principais informações dos jovens, que participaram da pesquisa.

Quadro: identificação dos jovens

GRUPOS POPULARES

NOME IDADE TEMPO DE NAMORO BAIRRO RENDA FAMILIAR

Bruna 22 5 meses Jardim Jordão 2 salários mínimos

Carla 19 9 meses Ibura 2 a 3 salários mínimos

Cláudia 24 4 anos e 4 meses Carneiros Dois 4 salários mínimos

Célia 29 4 meses Boa Viagem (Entrapulso) 4 a 5 salários mínimos

Kaylane 19 5 anos Jardim Jordão 1 a 2 salários mínimos

Marcela 19 6 anos Ibura 5 salários mínimos

Rebeca 21 1 ano e 7 meses Jardim Jordão 1 salário mínimos

Augusto 21 4 meses Ibura 2 a 3 salários mínimos

Evandro 21 3 meses Jardim Jordão 4 salários mínimos

Fábio 18 11 meses Jardim Jordão 4 salários mínimos

Leonardo 19 6 meses Ibura 4 a 5 salários mínimos

CAMADAS MÉDIAS

NOME IDADE TEMPO DE NAMORO BAIRRO RENDA FAMILIAR

Adriana 21 3 anos e 4 meses Boa Viagem 12 salários mínimos Eliane 19 1 ano e 2 meses Boa Viagem 6 a 7 salários mínimos Madalena 19 2 anos e 1 mês Estância 9 a 10 salários mínimos

Maria 19 2 anos e 7 meses Boa Viagem 21 salários mínimos Paula 23 3 anos e 2 meses CDU 22 a 23 salários mínimos

Rita 24 8 anos Imbiribeira 10 salários mínimos

Tânia 21 1 ano e 3 meses Piedade 21 salários mínimos

Anderson 18 1 ano e 2 meses Boa Viagem 4 a 5 salários mínimos

Emílio 28 3 anos e 4 meses Boa Viagem 20 a 21 salários mínimos

Euclides 20 2 anos e 2 meses Boa Viagem 12 a 13 salários mínimos Rodrigo 26 1 ano e 6 meses Boa Viagem 50 salários mínimos

A pesquisa foi realizada no cotidiano dos jovens, em seus locais de residência, trabalho, estudo e em suas instituições religiosas. Após a entrevista, todas as observações sobre a mesma foram anotadas em diário de campo, bem como as reações das pessoas, no dia-a-dia, quando falavam sobre o tema da pesquisa, as histórias que contavam e os comentários. Acrescidos de observações em shoppings, bares e restaurantes. Pesquisar no cotidiano implica, conforme destacado por Spink (2007, p. 7), que sou parte da pesquisa: “Fazemos parte do fluxo de ações; somos parte dessa comunidade e compartimos de normas e expectativas que nos permitem pressupor uma compreensão compartilhada dessas interações”.

Ao discutir sobre o campo de pesquisa na Psicologia Social, Peter Spink (2003; 2007) destaca que ainda hoje está presente a idéia de que este é o lugar em que as pessoas podem ser vistas em seu “habitat natural”, no qual o pesquisador vai para coletar dados. Essas idas ao campo podem acontecer através de pesquisas com observação participante, como um processo de convivência ou simplesmente com visitas sistemáticas.

Spink (2003, p.21) afirma que as discussões sobre a pesquisa de campo (ou campo de pesquisa) sofreram mudanças ao longo do tempo e aponta a importância, para a Psicologia, dos estudos desenvolvidos por Kurt Lewin, que contribuíram para ampliar a compreensão do campo de pesquisa que passou a ser entendido na “totalidade de fatos psicológicos que não são reais em si, mas são reais porque têm efeitos”. Sua teoria contribui para a compreensão do campo como tema, embora tenha permanecido a crença de que o campo pode ser descrito de forma independente.

Outra contribuição para a questão do campo-tema ocorreu com a crescente discussão construcionista sobre linguagem e os questionamentos dessa perspectiva em relação à realidade e neutralidade. O campo começou a ser compreendido como a “situação atual de um assunto, a justaposição de sua materialidade e socialidade (...) não é o campo que tem o assunto, mas é o assunto que tem um campo” (SPINK, 2003, p. 22). Desta forma, o campo não é compreendido como fixo e constante e, sim, como uma construção social em constante transformação.