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CAPÍTULO 3: AMOR, NAMORO E VIOLÊNCIA

3.4. Regras do namoro

No namoro dos interlocutores existem regras, que se referem àquilo que é permitido e ao que é proibido na relação. É a conduta que ambos devem seguir, a qual é vivenciada dentro de um jogo de tensão, pressão e submissão. A quebra dessas regras representa, em muitos momentos, motivo de brigas entre o casal. As regras dizem respeito aos acordos existentes em relação às condutas do namoro, como, por exemplo: as saídas permitidas (apenas com os amigos ou juntos e com os amigos), os horários e dias para se encontrarem, a forma como as brigas devem ser resolvidas, a existência ou não de relação sexual no namoro e as condutas que ambos devem ter na relação. As regras balizam a relação, constituem o “manual do namoro”.

Fernanda: Existem regras na relação?

Rita (CM): (...) tem uma regra né? Nessas saídas. (...) são programas lights, digamos assim. ((risos)) Eu não vou pra uma boate com amigas porque não faz sentido (...) a gente sai de dia pra almoçar, vai uma na casa da outra, mas a gente tem essa rotina de, de vez em quando se encontrar (...).

Augusto (GP): A única regra que existe que não é bem uma regra, (...) se tem algum problema que seja sincero um com o outro, que chegue e converse (...).

Tânia (CM): Tem, porque quando a gente tá assim no namoro a gente quer mais e mais fisicamente da pessoa, mas eu acho que sempre tem que ter um freio em relação aos limites de carinho de, assim a gente tem uma convicção de que sexo é depois do casamento, só que algumas situações (...) é difícil a gente manter essa consciência (...) a maioria das vezes eu sou o freio, e ele se baseia muito no meu freio. (...).

No namoro, nem sempre as regras são estabelecidas pelo casal de namorados; outras pessoas de fora da relação, como os pais e pastores, por exemplo, estabelecem regras para o casal. Nas falas dos jovens entrevistados essas regras externas ao casal em geral acontecem quando a namorada é mais jovem que o namorado e os pais procuram protegê-la, ou quando participam de alguma Igreja que impõe limites para o namoro.

Fernanda: (...) quais são as regras do namoro?

Marcela (GP): Quando a gente começou a namorar a gente foi aconselhado pelo pastor (...) ele mandou a gente fazer bastante regras para o relacionamento (...) Como eu era muito nova e ele também o pastor não queria que a gente namorasse, aí ele pediu para ficar acompanhando a gente, aí começou a ditar um monte de regra no namoro para ter limite de horário, da gente vir sempre para a igreja (...). Fábio (GP): Acho que é proibido porque a mãe dela é um pouco chata né? Não quer que a pessoa vá, é quatro dias na semana só, não pode passar do horário. (...) se dependesse da mãe dela ia ser um namoro chato do caramba (...).

Augusto (GP): (...) foi difícil com a mãe dela, o pai nem tanto, mas a mãe dela sim é linha dura falou como tinha que ser (...) <<quero que seja desse jeito pra ficar assim ta bom, se não for acho que não vai dar certo, você está disposto a enfrentar isso por ela? Se não for é melhor desistir agora ao invés de envolver ela e tal>> (...).

Entre os(as) interlocutores(as), existem regras quanto a saídas, com ou sem seu(sua) parceiro(a). O que pode ser observado é que, nas relações em que há confiança, existe liberdade para que o namorado ou a namorada saia só com os amigos. Como é o caso de Maria (CM) e Paula (CM):

Maria (CM): (...) ele tem um grupo de amigos do colégio com os quais ele sai (...) eu saio muito mais com os meus colegas da faculdade (...). E ele tem os grupos do pessoal do colégio que assim não saem para barzinho (...) sempre fazem reunião na casa dele. Eu não posso ir, (...) me barram sabe, do mesmo jeito que as vezes eu barro ele nas minhas, mas ele sai com meu grupo de amigos da faculdade, como também me permite sair sem ele estar presente (...).

Paula (CM): (...) ele não tem muitos amigos (...) quando ele sai com outras pessoas que não comigo, é geralmente com os primos dele, às vezes eles saem só, em outras eu saio junto (...) quando eu saio com as minha amigas (...) às vezes quando eu vejo que é uma conversa que está precisando ter eu e as meninas (...) eu saio sozinha, eu e as meninas. (...).

Porém, quando existe desconfiança, ciúme e o desejo de controle do outro, essas saídas tornam-se mais restritas ao casal, ou ao casal com os amigos, mas nunca separados. O motivo dessa “proibição” é a crença de que este outro o completa e é completado por ele em sua plenitude. O casal conhece o limite do outro, como se fosse capaz de ler os pensamentos desse outro, e em muitos momentos um terceiro (amigo ou amiga) seria uma interferência, pois o casal se basta, não necessitando e não desejando a companhia de outros. O foco volta-se unicamente para a relação, para o casal:

Fernanda: Existem coisas assim que seriam permitidas e proibidas na relação de vocês?

Adriana (CM): (...) não declaradamente. (...) a gente assim tem assim praticamente um código dentro da nossa cabeça, porque a gente pensa muito igual. (...) não é que eu proíba, mas eu não gosto que ele vá pra barzinho só com amigos. Ele também não gosta que eu vá pra barzinho só com as amigas. Então a gente não vai. (...) Mas a gente se conhece tanto que a gente procura fazer de que forma, eu sei o que ele gostaria que eu fizesse, assim como ela pensa da mesma forma (...). A gente não meio que se proíbe (...). Cada um tem seu livre arbítrio, sua livre consciência, e cada um procura tá sempre pensando um no outro na hora que vai fazer alguma coisa (...) a gente sempre costuma sair junto e as pessoas que se adaptam.

Rodrigo (CM): Eu acho que no namoro da gente não tem regra. Assim, eu acho que cada um sabe até onde pode ir e até onde pode chegar. É a questão do respeito. Acho que o problema maior em si é em relação a sair. Não que eu a impeça de sair sozinha ou que ela me impeça de sair sozinho. Eu sei pra onde eu posso sair e ela sabe pra onde ela pode sair. (...) Eu tento me colocar no lugar, se fosse eu não ia gostar (...) Então rola estresse, então eu deixo de fazer. (...)

Essas falas referem a necessidade de autocontrole, pois a regra não vem de fora, do outro, ela está internalizada, o que faz com que eles nem percebam que elas existem. A maior regra é não ter regras, pelo menos não explícitas, uma vez que estão introjetadas.

Dentre as regras acordadas pelo casal existem aquelas que não podem ser flexibilizadas no namoro e sua quebra causaria o fim do relacionamento. Neste ponto, a questão da traição aparece na maior parte das entrevistas.

Célia (GP): Proibidas, eu acho que seria questão de traição (...) sou uma pessoa muito insegura. (...) tinha muito isso na minha cabeça que ele podia estar interessado em outras pessoas. (...) A questão de você trair aí tudo isso se desmonta. Porque quando você trai, toda essa cumplicida,de todo esse bem comum se acaba. (...).

Euclides (CM): Eu creio que é traição. (...) eu não ia parar de gostar dela, eu ia, não sei se terminar, eu creio que sim, não ia ser um corno manso ((risos)) (...) o amor é mais profundo e entender essa perspectiva de perdão, mas também, perdão é independente do que aquela pessoa venha a fazer. (...) eu perdoaria, isso aí com certeza, mas isso não significa manter a relação (...).

Quando os(as) interlocutores(as) destacam a traição como algo inaceitável referem-se tanto à sua própria traição quanto à traição do outro.

Emílio (CM): (...) Traição, seria uma coisa muito forte (...). Mesmo que (...) existisse assim, (...) uma traição oculta, que não dissesse, que ninguém realmente soubesse que aconteceu isso, mas você ter feito, sabe. (...) vai ficar na cabeça (...) Se você tem princípios você não vai fazer. (...).

Em oposição à postura de que a traição não é aceita por ambas as partes, aparece a fala de Fábio, o qual apresenta o discurso hegemônico de masculinidade, em que trair é inerente à condição de ser homem. Revela que não aceitaria que a namorada o traísse, embora já a tenha traído. Justifica, contudo, que a traição é inerente ao homem, sendo por esse motivo justificada, até certo ponto, revelando uma prática sexista, na qual o homem pode tudo e a mulher não tem espaço.

Fábio (GP): (...) a maioria dos homens (...) ta com a companheira dele, mas às vezes dá as avoadas dele (...) pra maioria dos homens acho que é normal né? Agora pra mulher (...) pode ficar falada e tal, não sei. Acho que é chato também, é errado também, porque se ta namorando com ela é ela. (...). Mas sei lá, pro homem acho que num cai muito feio (...) pra mulheres é feio, sei lá. O pessoal fala né? (...) Agora você vê uma mulher botando gaia o povo comenta logo né? (...). As vezes é da fraqueza, coisa da carne ta naquela pressão, acho que sei lá, é difícil de sair.

Fernanda: Você acha que pra mulher é mais fácil cortar? Fábio: É isso aí. Agora pro homem eu acho difícil. (...)

Fernanda: Mas a mulher não pode?

Fábio: Sei lá, certo que direito são iguais né, mas homem acha assim que não pode não. (...).

Outro fator que seria inaceitável e que também aparece com peso na relação é a mentira, pois leva à quebra de confiança, o que é indispensável na relação.

Marcela (GP): Mentira. (...) acho que as outras coisas eu acho que consigo suportar, mas mentira não. (...) uma traição, por exemplo (...) acho que consigo perdoar, é muito difícil, mas se falar a verdade, eu entendo, eu acho que mentira é a pior coisa (...).

As regras no namoro aparecem como o “manual de conduta” do mesmo. Não só como forma de balizar a relação, mas também como forma de controle do outro. Essa forma de conduta é estabelecida através de embates, ameaças de término da relação, declaradamente ou não, tensões, pressões, submissão e resistência.

Para garantir o cumprimento das regras, os jovens também limitam seus próprios comportamentos, pois assim o outro terá que fazer o mesmo sacrifício ao qual se submetem.

Fernanda: E como é que é assim, você falou que ele não sai, mas ele não sai, você acha que é porque ele não quer ou não sai pra você não sair?

Carla (GP): Justamente eu acho que deve ser isso. Acho não, com certeza. (...) Ele não sai que é pra eu não sair também. (...) Porque assim se ele sair eu também vou ter o direito de sair. Ele falou pra mim também uma vez. (...) Se ele saísse para um lado eu iria sair pro outro e isso ele não queria.

Fernanda: Tem alguma coisa que você deixou de fazer pra ele também não fazer?

Cláudia (GP): Tem né? A questão de você sair com as amigas né? Já não saio pra não dar motivo dele sair.