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III – O ARTIGO 1829 DO CÓDIGO CIVIL E SUA INTERPRETAÇÃO

3.2. Interpretação Jurisprudencial

A divergência de posições doutrinárias, não é exclusividade quando se trata da concorrência entre cônjuge e descendentes, jurisprudencialmente também não existe uma uniformidade de decisões.

Com relação a concorrência do cônjuge casado sobre o regime da comunhão universal de bens, temos em conformidade com o entendimento doutrinário o seguinte posicionamento jurisprudencial:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES. INVENTÁRIO E PARTILHA. Sucessão do cônjuge. Casamento pelo regime da comunhão universal de bens. Sucessão deferida aos descendentes, sem concorrência com o cônjuge sobrevivente. Art. 1829, i, do código civil. O cônjuge sobrevivente que era casado com o falecido pelo regime da comunhão universal de bens não concorre na sucessão com os descendentes, uma vez que já lhe tocará a meação sobre a universalidade do patrimônio deixado pelode cujus. Inteligência do art. 1.829, inc. I, do código civil. Deram provimento. Unânime. (ai. Nº. 70057067142 (nº. Cnj 0431341- 28.2013.8.21.7000) rel. Luiz Felipe Brasil Santos tj/rs, data de julg. 30/01/2014).

Dessa forma, fica evidente que em se tratando do regime da comunhão universal de bens, não existem divergências de entendimento, visto que, o patrimônio é partilhado na meação, não existindo razão nenhuma para que o cônjuge sobrevivente concorra com os herdeiros do de cujus.

Já em relação a concorrência no regime da separação de bens, temos que:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PARTILHA. REGIME DE BENS. INEXISTÊNCIA DE MEAÇÃO SOBRE BEM CLAUSULADO. REGIME DE SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS. HERANÇA. CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA DO CÔNJUGE VIVO COM OS DESCENDENTES DO FALECIDO SOBRE OS BENS PARTICULARES DEIXADOS. No casamento realizado pelo regime da separação total de bens, com pacto antenupcial, há a incomunicabilidade total dos bens anteriores e posteriores ao matrimônio. O bem doado com cláusula de incomunicabilidade não integra a meação do cônjuge, seja qual for o regime de bens. Ademais, o gravame que incide sobre o bem o torna bem particular, afastando-o da meação, admitindo-se, contudo, que sobre ele concorra na sucessão o cônjuge sobrevivente com os herdeiros descendentes, na esteira do que dispõe o artigo 1.829 inc. I do Código Civil. Agravo desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70021504923, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 11/12/2007).

Vale ressaltar, que embora a jurisprudência acima, fale de concorrência entre cônjuge e herdeiros no regime da separação total de bens, encontramos também decisão contrária a isso, portanto, em jurisprudência mais recente, já em conformidade com as decisões do STJ, temos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVENTÁRIO - REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS - RECONHECIMENTO DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE COMO HERDEIRA PELO JUIZ INVENTARIANTE - QUESTÃO DE DIREITO - POSSIBILIDADE - ART. 1829, I, CC - INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E SISTEMÁTICA DO DISPOSITIVO - CONCORRÊNCIA NA HERANÇA - IMPOSSIBILIDADE - DECISÃO REFORMADA. 1 - Conforme artigo 984, do Código de Processo Civil, caberá ao juiz do inventário decidir todas as questões de direito, remetendo às vias ordinárias apenas aquelas de alta indagação ou que necessitem de provas novas. 2 - Da interpretação teleológica e sistemática do art. 1.829, inciso I, do Código Civil extrai-se que o regime de separação convencional de bens exclui o cônjuge supérstite da concorrência na herança, sob pena de subverter a livre manifestação de vontade dos nubentes, ao decidirem sobre os seus bens. (AI CU 1.0024.09.566202-9/005 0533009-39.2012.8.13.0000 (1) rel. Des. Teresa Cristina da Cunha Peixoto TJ/MG data de julgamento 23/06/2013).

E por fim em relação a comunhão parcial de bens, onde encontramos a maior controvérsia temos decisões no sentido de que, tendo-se o patrimônio particular, o cônjuge sobrevivente concorre com o herdeiros somente na medida dos bens particulares, já que no patrimônio em comum já recebeu sua meação, nesse sentido temos farta jurisprudência:

Agravo de Instrumento. Inventário. Decisão guerreada que determinou a retificação do plano de partilha na proporção de 50% para a viúva e 50% para o filho. Admissibilidade. Exegese do artigo 1829, I, do CC. Regime de comunhão parcial. Cônjuge sobrevivente que concorrerá com os filhos do falecido, caso este tenha deixado bens particulares. Ausência de bens particulares. Decisão mantida. Recurso desprovido. (AI 2020865-59.2013.8.26.0000, rel. Fábio Quadros, data julg. 17/10/2013).

SUCESSÕES. Inventário e partilha Sentença homologatória. Insurgência dos descendentes do DeCujus quanto à partilha dos bens particulares por ele deixados. Pretensão da exclusão do cônjuge supérstite. Impossibilidade. Aplicação do artigo 1829, inciso I do Código Civil. Direito da viúva quanto à meação dos bens comuns e participação como herdeira nos bens particulares. Sentença mantida. Recurso não provido. (Apelação 0007566-50.2012.8.26.0011, Rel. Vito Guglielmi, data julg. 30/01/2014).

O Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, acerca da temática já assim se pronunciou, conforme se infere da seguinte ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÃO DO CÔNJUGE. ART. 1829, I DO CÓDIGO CIVIL. CASAMENTO SOB O REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. MEAÇÃO SOBRE OS AQUESTOS E DIREITOS HEREDITÁRIOS APENAS SOBRE OS BENS PARTICULARES. Quando casados sob o regime da comunhão parcial de bens, a sucessão do cônjuge defere-se ao sobrevivente em concorrência com os descendentes apenas em relação aos bens particulares, uma vez que sobre os bens comuns, já lhe tocará a meação. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70046234498, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 26/01/2012).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÃO DO CÔNJUGE. ART. 1.829 I DO CÓDIGO CIVIL. CASAMENTO SOB O REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. MEAÇÃO SOBRE OS AQUESTOS E DIREITOS HEREDITÁRIOS APENAS SOBRE OS BENS PARTICULARES. QUANDO CASADOS SOB O REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS, A SUCESSÃO DO CÔNJUGE DEFERE-SE AO SOBREVIVENTE EM CONCORRÊNCIA COM OS DESCENDENTES APENAS EM RELAÇÃO AOS BENS PARTICULARES, UMA VEZ QUE SOBRE OS BENS COMUNS, JÁ LHE TOCARÁ A MEAÇÃO. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70045853652, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lis Elena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 28/03/2012).

EMENTA: INVENTÁRIO - SUCESSÃO LEGÍTIMA - REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS - BENS COMUNS E PARTICULARES - VIÚVA - MEEIRA DE BENS COMUNS - HERDEIRA DE BEM PARTICULAR - ART. 1829, INC. I, CC - SENTENÇA REFORMADA. Sendo o casamento celebrado sob o regime de comunhão parcial, mas deixando o falecido, bens particulares, em relação a estes, a viúva concorrerá com os descendentes, cada um tendo direito a frações equitativas do patrimônio, pois quanto a este o cônjuge sobrevivente não terá direito à meação, enquanto receberá somente a meação dos bens comuns, dos quais não será herdeira. Isto com base no raciocínio de que onde cabe comunhão não é cabível concorrência com descendentes, pois já teria sido beneficiada e vice-versa. (APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.04.463851-8/001- COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS – APELADO(A)(S): P.J.S. ESPÓLIO DE, REPDO P/ INVTE I.A.R.S. - RELATOR: EXMO. SR. DES. NEPOMUCENO SILVA.

Embora não seja decisão pacificada temos decisão no sentido da corrente defendida pela nobre doutrinadora Maria Berenice Dias:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVENTÁRIO. Artigo 1829 I, DO CÓDIGO CIVIL. CÔNJUGE SOBREVIMENTE. BENS PARTICULARES. AUSÊNCIA DE DIREITO SUCESSÓRIO. 1 - A regra do art. 1.829, I, do CC/02, tem interpretação muito controvertida na doutrina identificando-se três correntes de pensamento sobre a matéria: 1°) que a sucessão do cônjuge, pela comunhão parcial, somente se dá na hipótese em que o falecido tenha deixado bens particulares, incidindo apenas sobre esses bens; 2°) que a sucessão na comunhão parcial também ocorre apenas se o 'de cujus' tiver deixado bens particulares, mas incide sobre todo o patrimônio, sem distinção; 3°) que a sucessão do cônjuge, na comunhão parcial, só ocorre se o falecido não tiver deixado bens particulares. 2 - No regime da comunhão parcial de bens, o cônjuge sobrevivente tem direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, mesmo que haja bens particulares, os quais, em qualquer hipótese, são partilhados apenas entre os descendentes (precedentes do STJ). AGRAVO PROVIDO. (AI 335623-46.2011.8.09.0000 REl. Des. Carlos Escher, tj/go data do julg. 22/03/2012)

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INVENTÁRIO. CÔNJUGE SUPÉRSTITE CASADO COM O DE CUJUS PELO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. HERANÇA COMPOSTA DE BENS PARTICULARES E BENS COMUMS. HERDEIRO NECESSÁRIO. CONCORRÊNCIA COM OS DESCENDENTES. ARTS. ANALISADOS: 1.658, 1.659, 1.661, e 1.829, I, do CC/02.1. Inventário distribuído em 24/01/2006, do qual foi extraído o presente recursoespecial, concluso ao Gabinete em 27/05/2013. 2. Cinge-se a controvérsia a definir se o cônjuge supérstite, casado com o falecido pelo regime da comunhão parcial de bens, concorre com os descendentes dele na partilha dos bens particulares. 3. No regime da comunhão parcial, os bens exclusivos de um cônjuge não são partilhados com o outro no divórcio e, pela mesma razão, não o devem ser após a sua mortesob pena de infringir o que ficou acordado entre os nubentes nomomento em que decidiram se unir em matrimônio. Acaso a vontade deles seja ade compartilhar todo o seu patrimônio, a partir do casamento, assim devem instituirem pacto antenupcial. 4. O fato de o cônjuge não concorrer com os descendentes na partilha dos bens particulares do de cujus não exclui a possibilidade de qualquer dos consortes, em vida, dispor desses bens por testamento, desde que respeitada a legítima, reservando-os ou parte deles ao sobrevivente, a fim de resguardá-lo acaso venha antes dele falecer. 5. Se o espírito das mudanças operadas no CC/02 foi evitar que um cônjuge fique ao desamparo com a morte do outro, essa celeuma não se resolve simplesmente atribuindo-lhe participação na partilha apenas dos bens particulares, quando houver, porque podem eles ser insignificantes, se comparados aos bens comuns existentes e amealhados durante toda a vida conjugal. 6. Mais justo e consentâneo com a preocupação do legislador é permitir que o sobrevivente herde em concorrência com os descendentes, a parte do patrimônio que ele próprio construiu com o falecido, não lhe tocando qualquer fração daqueles outros bens que, no exercício da autonomia da vontade, optou – seja por não ter elegido regime diverso do legal, seja pela celebração do pacto antenupcial – por manter incomunicáveis, excluindo-os expressamente da comunhão. 7. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido. (R. E. 1.377.084 STJ Rel. ministra Nancy Andrighi. Data julg. 08/10/2013).

EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVENTÁRIO. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DEBENS. NÃO HÁ CONCORRÊNCIA ENTRE O CÔNJUGESOBREVIVENTE E OS SEUS DESCENDENTES EM RELAÇÃO AOSBENS PARTICULARES DEIXADOS PELO DE CUJUS. ESTESBENS

DESTINAM-SE APENAS AOS DESCENDENTES. INTERPRETAÇÃO DADA AO ART. 1.829, INCISO I DOCÓDIGO CIVIL/02. ALEGAÇÃO DE OBSCURIDADE NADECISÃO RECORRIDA. PREQUESTIONAMENTO E EFEITOMODIFICATIVO. INOCORRÊNCIA DOS VÍCIOS ELENCADOS NOART. 535 DO CPC. EMBARGOS DE DECLARAÇÃOCONHECIDOS E REJEITADOS. (A. I em Embargos de Declaração. 252694-19.2012.8.09.0000 (201292526947) Tj/Go Rel. Des Gerson Santana Cintra data julg. 09/04/2013).

Ministra Nancy Andrighi relatora da terceira turma do Superior Tribunal de Justiça em julgamento de mérito do recurso especial nº. 992.749/MS expõe de maneira bem clara o seu voto como relatora:

Por tudo isso, a melhor interpretação é aquela que prima pela valorização da vontade das partes na escolha do regime de bens, mantendo-a intacta, assim na vida como na morte dos cônjuges. Desse modo, preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, haja ou não bens particulares, partilháveis, estes unicamente entre os descendentes.

Dessa forma, não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meaçãoé previsão diversa no pacto antenupcial, tampouco à concorrência sucessória respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário.

Não há como violentar a vontade do cônjuge – o mais grave após sua morte, concedendo a herança ao sobrevivente com quem ele nunca quis dividir nada, nem em vida. Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do regime matrimonial de bens post mortem, ou seja, com o fim do casamento pela morte de um dos cônjuges, seria alterado o regime da separação convencional de bens de exclusiva propriedade do autor da herança, patrimônio ao qual recusou, quando do pacto antenupcial, por vontade própria.

Assim, não existe em nosso ordenamento, decisões pacificadas a respeito.Temos decisões que tem ocorrido com uma maior frequência em julgamentos mais atuais, sendo esse o entendimento de julgamentos do STJ, ainda que não unanimes.

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