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Após considerar as ideias trazidas pelos teóricos que foram anteriormente citados, é preciso fazer um breve exame de quais foram as contribuições que cada um deles trouxe para os estudos da intertextualidade. Primeiramente, é importante ressaltar que, por mais que esse a ideia apresentada por esse subcapítulo no geral seja relacionada aos textos escritos, não é possível, assim como já assinalado, deixar de levar em conta aquilo que está ao redor do texto, aquilo que faz com que a interação intertextos seja realizada de maneira satisfatória. Por mais que a ideia seja fazer uma “separação” entre o texto escrito de Sandman e o texto visual, é importante relembrar que, no momento da concepção da obra, esses textos se complementam, se constroem em conjunto e não separadamente.

Bakhtin é, mesmo sem utilizar o termo intertextualidade, um dos primeiros que apresenta uma obra que comporta múltiplas referências. Apesar da ideia de imitação já estar presente nos escritos de Platão e Aristóteles, ambos filósofos não se aprofundam nessa ideia de correlação entre textos, já que essa concepção ainda não rondava os estudos teóricos da época. A imitação descrita por Aristóteles e Platão é apresentada como a forma como os artistas criam suas obras, ou seja, a imitação daquilo que era considerado “real” é o que constrói uma obra artística, seja ela relacionada as Artes Visuais (como pintura, escultura, etc.) ou a Literatura, principalmente no que tange as obras canônicas apresentadas por Aristóteles em seus escritos para caracterizar gêneros literários como comédia e tragédia.

A partir da ideia de imitação, Bakhtin apresenta em Problemas da Poética de Dostoiévski dois conceitos-chave para o desenvolvimento dos estudos intertextuais: o

dialogismo e a polifonia. Essas duas ideias expostas pelo filósofo russo tratam exatamente da

ideia de referenciais dentro da Literatura. Por mais que Bakhtin (assim como afirma Bezerra) não se prenda somente no estudo do texto per se, ele trata de uma obra escrita, de um romance que se liga a outros romances, por meio do dialogismo entre aquilo que lhe é externo e a

polifonia que trata da intersecção e conjunção de vozes distintas no momento da criação literária.

Julia Kristeva veio, depois, com o intuito de utilizar aquilo que havia sido destacado por Bakhtin a fim de trazer à luz a ideia de intertextualidade. Por mais que existam algumas discordâncias no que tange a maneira como Kristeva interpretou Bakhtin é possível ver, inclusive no caso de uma (talvez) interpretação errônea, a forma como a intertextualidade se configura, como ela é apreendida por aqueles que a cercam. Kristeva assinala exatamente a modificação que uma palavra pode ter ao ser lida: no texto, ela é somente uma palavra, que possui um significado para seu escritor, porém, ao entrar em contato com aquilo que a rodeia e, principalmente, com aqueles que a leem, essa palavra pode tomar diferentes significados e esse fato se deve, principalmente, ao contexto e a bagagem que o leitor traz consigo.

Em todos os casos, se a noção de intertextualidade parece de tal modo fecunda, é que ela se interpõe sempre entre o texto e o comentário, da mesma maneira que há sempre livros vêm consciente ou inopinadamente ao espirito daquele que escreve ou daquele que lê. Como todas as artes, a literatura se elabora como uma parte artesanal de bricolagem; e se seu material é a linguagem, é mais frequentemente linguagem já colocada em forma na literatura existente (o que vai contra a ideia da literatura como trabalho sobre a linguagem abstrata, no sentido jakobsoniano dos estruturalistas). A citação, a re-escritura, a transformação e a alteração, qualquer que seja a relação do autor – melancólica, lúdica ou desenvolta – com o já dito, só destacam o trabalho comum e contínuo dos textos, sua memória, seu movimento (SAMOYAULT, 2008, p. 145)

A fortuna crítica que a intertextualidade evoca é extensa e complexa, que está cercada de diversas abordagens diferentes. É possível encontrar teóricos relacionados a Linguística, a Literatura, a Arte Visual, a Filosofia, entre outros, que destacam a intertextualidade como parte constituinte da maioria das produções artísticas. É possível encontrar a intertextualidade sendo aplicada em diversas teorias como teorias da recepção, análises estilísticas, na crítica genética e na sociocrítica. Todas essas retornam ao que foi proferido nos tempos que precederam Cristo, nos escritos filosóficos gregos. A intertextualidade também pode ser revisitada quando se trata da memória, daquilo que a obra evoca como sua rememoração daquilo a precedeu e, neste sentido, é importante salientar que, mais uma vez, a relação intertextos é apresentada.

Contudo, as duas principais vertentes que dominam as teorias da intertextualidade têm constantemente reafirmado a si mesmas e provado sua interligação à medida que passamos das origens dos termos até suas adaptações posteriormente. Quer isso seja baseado em teorias pós-estruturalistas ou Bakhtinianas, ou em ambas, a intertextualidade nos lembra que todos os textos são potencialmente plurais, reversíveis,

abertos às pressuposições do próprio leitor, carecendo de limites claros e definidos, e sempre envolvidos na expressão ou repressão das 'vozes' dialógicas que existem na sociedade. Um termo que continuamente se refere a impossibilidade da singularidade, unicidade e, assim, de autoridade inquestionável, a intertextualidade mantém-se uma ferramenta potente em qualquer vocabulário teórico do leitor. Através dessa mesma lógica, porém, ela também se mantém uma ferramenta que não pode ser empregada por leitores desejando produzir estabilidade e ordem, ou desejando reivindicar autoridade sobre o texto ou de outros críticos. Essa é talvez a razão, visto que o debate cultural nunca cessa, de que a intertextualidade promete ser um conceito tão vital e produtivo no futuro como tem sido no passado recente30 (ALLEN, 2000, p. 209,

tradução nossa)

Graham Allen conclui seus estudos no livro Intertextuality abrangendo exatamente o todo do que é a intertextualidade, do que ela representa dentro da teoria da Literatura e das Artes em geral. É exatamente essa “definição indefinida” ou, como Samoyault (2008) chama: “uma noção instável”. Essa pluralidade que cerca a intertextualidade em uma razão e ela é simples: a intertextualidade é plural, ela é uma espécie de “manta” de sentidos, de significados e de referências que fazem o estudo dela ser tão complexo e ramificado.

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