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3 ANÁLISE DE DISCURSO: ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA

3.3 Categorias de análise

3.3.2 Intertextualidade e Interdiscursividade

Fairclough (1995a) aborda as possíveis relações intertextuais de um discurso e com isso apresenta os conceitos de intertextualidade manifesta e intertextualidade constitutiva. Posteriormente, o autor distingue os dois termos denominando intertextualidade as relações entre textos de um mesmo tipo de discurso e interdiscursividade as relações entre textos de diferentes formações discursivas. Dessa maneira, ele sugere relações entre diferentes campos discursivos, não somente em marcas linguísticas expressas explicitamente, mas também em marcas que podem ser observadas em relação aos contextos situacionais de cada discurso. Todos esses aspectos referem-se à maneira como os contextos de produção podem determinar os sentidos de um discurso.

Com isso, abordamos em nossas análises dimensões da prática discursiva que focalizam a produção do texto, isto é, os processos de intertextualidade e interdiscursividade. Em relação à intertextualidade, buscamos desvelar quais outros textos possivelmente influenciaram a constituição do texto analisado e de que maneira. Em relação à interdiscursividade, procuramos identificar quais tipos de discurso podem estar demarcados ou presentes de forma implícita nos textos em foco.

Intertextualidade

Fundamentada no conceito de ordens de discurso, a ADC volta-se para as transformações que os textos sofrem por meio de práticas discursivas. Com isso, todo processo de construção textual pode ser compreendido como uma referência a outros textos já aceitos pela cultura e pela sociedade. Trata-se do processo de intertextualidade que evidencia as relações de poder existentes nos discursos. Pela intertextualidade, referências de um texto em outro podem acionar o conhecimento do leitor em relação a valores de um tipo de paradigma particular (FOWLER, 1991).

A noção de intertextualidade analisa os textos historicamente, estudando o passado – convenções, textos e conhecimentos anteriores – no presente. Diferentes tipos de discursos tendem a transformar formas particulares de uso de convenções e textos já existentes em rotinas naturais. Fairclough (2001, p. 28), cita que “[...] os textos são construídos por meio da articulação de outros textos de modos particulares, modos que dependem de circunstâncias sociais e mudam com elas”. Ou seja, a intertextualidade refere-se à presença, explícita ou implícita, de outros textos em um texto.

Intertextualidade é basicamente a propriedade que têm os textos de serem cheios de fragmentos de outros textos, que podem ser delimitados explicitamente ou mesclados e que o texto pode assimilar, contradizer, ecoar ironicamente, e assim por diante. Em termos da produção, uma perspectiva intertextual acentua a historicidade dos textos: a maneira como eles sempre constituem acréscimos às ‘cadeias de comunicação verbal’ existentes. [...] não é apenas ‘o texto’, nem mesmo apenas os textos que intertextualmente o constituem, que moldam a interpretação, mas também os outros textos que os intérpretes variavelmente trazem ao processo de interpretação (FAIRCLOUGH, 2001, p. 114).

De acordo com essa concepção de intertextualidade, é possível refletir que em alguns textos (principalmente jornalísticos) é fácil identificar a que tipo de posicionamento o discurso é essencialmente direcionado como, por exemplo, textos com caráter político, econômico, ideológico ou cultural (FAIRCLOUGH, 2001).

Interdiscursividade

A diversidade de sentidos possíveis em um mesmo discurso evidencia as relações e confrontos discursivos existentes em uma mesma enunciação. Segundo Fausto Neto (1991), todo discurso é construído com referência a outro discurso e, embora pertença a um campo específico, todos os tipos de discursos estabelecem ligações com outros campos. Esse aspecto corresponde ao processo interdiscursivo de construção de discursos.

Fairclough (2001, p. 29) define a interdiscursividade como “[...] a constituição de um texto com base numa configuração de tipos de textos ou convenções discursivas”. O autor também aponta que, ao contrário da intertextualidade, a interdiscursividade é um processo que ocorre de forma implícita, não manifesta.

Como exemplo, citamos o jornalismo que é constituído por uma multiplicidade de discursos que dão origem e configuram o campo discursivo jornalístico, ou seja, o discurso do jornalismo é construído pela conexão com diversos outros discursos que o circulam. Dessa forma, o discurso jornalístico se estabelece como mediador das informações coletivas ou, mais precisamente, dos discursos sociais (BACCEGA, 1998).

Ramalho e Rezende (2011b, p. 66) apontam outro aspecto da interdiscursividade: “a hibridização de discursos que pode servir a fins ideológicos”. Segundo as autoras, em um determinado discurso podem existir traços implícitos de outros discursos a fim de sustentar ideologias e relações de poder.

Alguns textos mesclam diferentes tipos de discurso e, por isso, são mais difíceis de serem analisados. Esse tipo de texto cria barreiras para que, assim, o leitor não perceba, ao menos de imediato, o direcionamento que o locutor programou para a mensagem. Dessa forma, em um só texto é possível encontrar ideias e características de diferentes discursos, produzindo, consequentemente, diversas formas de sentido (FAIRCLOUGH, 2001).

3.3.3 Personalização

A personalização orienta a construção do discurso para ênfase nos atos e qualidade de determinados indivíduos sociais. Segundo Fowler (1991), a personalização é uma tendência presente no discurso jornalístico. O ato de relacionar um acontecimento (ficção ou fato) a um indivíduo específico ou a um determinado grupo de pessoas transforma o caso em uma espécie de história noticiosa que desperta maior interesse do grande público, acostumado culturalmente a se identificar com narrativas e personagens.

Assim, o discurso jornalístico busca contar histórias por meio da fusão indireta entre linguagem jornalística e estilo literário, como apontado por Bell (1998, p. 64):

As histórias que as pessoas contam são o núcleo de suas identidades sociais. [...] Os jornalistas não escrevem artigos, eles escrevem histórias com estruturas, ordem, pontos de vista e valores. Então, os acontecimentos diários de nossa sociedade são expressos nas histórias que nos contam na mídia.

Ponte (2005) aponta a personalização como um valor-notícia do jornalismo, justificado por sua influência social e cultural em diferentes níveis:

A personalização é um recurso poderoso no trabalho jornalístico. A obsessão com pessoas serve de paliativo para contornar discussões sérias dos fatores sociais e econômicos subjacentes, atuando como um aspecto de uma ideologia hegemônica de representação. [...] Não basta que existam pessoas, é preciso que correspondam e se adéquem ao molde cultural com que são pensadas (PONTE, 2005, p. 213).

Estabelecer e fixar um indivíduo como um exemplo de um fato é uma tentativa de simplificar as categorias já existentes no discurso do próprio jornalismo. “Trazer uma pessoa para mídia” ou “apresentar um indivíduo para a sociedade”, com características familiares e facilmente aceitas pelo público, serve para atestar e atribuir credibilidade aos conteúdos jornalísticos. Essa representação de comportamentos previsíveis intensifica os estereótipos sociais. Com a influência dos termos (palavras, frases, predicados) que o jornalismo utiliza

para encaminhar seu próprio discurso, o público “toma conhecimento”, “vê’ e “aceita’ os personagens sociais (indivíduos integrantes da sociedade destacados, estereotipados, categorizados e personalizados por conceitos midiáticos) (FOWLER, 1991). Dessa maneira, identificar as marcas no discurso jornalístico que evidenciam esse processo de personalização pode ajudar a revelar o “mundo ideológico” representado por um veículo de comunicação.