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2. Perspetiva histórica da Intervenção Precoce

2.1 Intervenção Precoce na Europa

Como pode verificar-se ao longo do ponto 1, muitos foram os trabalhos de origem norte americana dedicados exclusivamente à Intervenção Precoce. Estes influenciaram em muito a implementação da Intervenção Precoce no nosso país.

De acordo com Pimentel (2005) quando comparado o número de trabalhos especificamente dedicados à Intervenção Precoce percebe-se que existe um menor número de trabalhos de origem europeia comparativamente com os de origem americana. Muitas têm sido as divulgações não só relacionadas com os modelos e fundamentos teóricos destas disciplinas como também relacionadas com trabalhos empíricos alusivos à implementação desses modelos, à avaliação do impacto dos programas, à perceção dos pais e profissionais sobre os serviços e da satisfação parental. Não admira por isso que vários autores refiram a enorme influência dos modelos e práticas dos Estados Unidos.

Mas antes da breve abordagem à perspetiva histórica da Intervenção Precoce na Europa parece de todo pertinente mencionar que, Simeonsson (2009) defende que o enquadramento filosófico da Intervenção Precoce está constituído na Convenção dos Direitos das Crianças Esta prevê, no ponto 1 do artigo 23º, que criança mental e fisicamente deficiente tem “o direito a uma vida plena e decente em condições que garantam a sua dignidade, favoreçam a sua autonomia e facilitem a sua participação activa na vida da comunidade” (UNICEF, 1989, p. 16) e que por isso têm direito de beneficiar de cuidados especiais, os quais estão previstos no ponto 2 do artigo 23º. O Estado deve por isso garantir que “tenha efectivo acesso à educação, à formação, aos cuidados de saúde, à reabilitação, à preparação para o emprego e a actividades recreativas,” (pp. 16-17) e que além disso “beneficie desses serviços de forma a assegurar uma integração social tão completa quanto possível e o desenvolvimento pessoal, incluindo nos domínios cultural e espiritual” (p. 16-17).

Além deste documento salientamos também um outro de igual importância que, embora não tenha criado direitos, veio reafirmá-los. Trata-se da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Organização das Nações Unidas [ONU], 2007) a qual prevê no ponto 1 do artigo 7º que “Os Estados Partes tomam todas as medidas necessárias para garantir às crianças com deficiências o pleno gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais em condições de igualdade com as outras crianças” e no ponto 2 prevê que “Em todas as acções relativas a crianças com deficiência, os superiores interesses da criança têm primazia”. No ponto 3 está previsto ainda que aos Estados Partes cabe a tarefa de assegurar que às crianças com deficiência é assegurado “o direito de exprimirem os seus pontos de vista livremente sobre todas as questões que as afectem”.

Em 1988, foi formado, numa conferência em Roterdão, um grupo de trabalho, a European Association on Early Childhood Intervention (EAECI) constituído por especialistas ligados a universidades, peritos de várias disciplinas e representantes de associações de pais de vários países da Comunidade Europeia, envolvidos em Intervenção Precoce para crianças em risco ou com alterações de desenvolvimento (EURLYAID, 2015; Pimentel, 2005). Os vários países membros ao partilharem informações, “tem como principal objectivo a criação de legislação e de linhas orientadoras comuns que assegurem o melhor atendimento possível a todas crianças deficientes dos seus estados membros” (Pimentel, 2005, p. 196) por forma a desenvolver e qualificar o trabalho da Intervenção Precoce (EURLYAID, 2015).

Em 1991, data do seu primeiro “Manifesto”, a EURLYAID considera “que a intervenção precoce se destina a crianças em risco ou apresentando desvios no seu desenvolvimento, desde o momento do diagnóstico prénatal até ao momento em que a criança atinge a idade de escolaridade obrigatória” (Pimentel, 2005, p. 196). Acrescenta ainda que se trata de um processo de apoio que abrange quatro fases: a identificação, a deteção, o diagnóstico, a educação e o apoio.

Pimentel (2005) também indica que, em 1996, a EURLYAID concebeu um questionário acerca da organização dos serviços de Intervenção Precoce que foi respondido por instituições de diversos países e do qual se conclui que existem imensas desigualdades na organização dos serviços dos vários países, quer relativamente às estruturas de atendimento, sua dependência em termos organizativos, financeiros e constituição das suas equipas, quer relativamente ao tipo e idades das crianças atendidas. Ainda nesse mesmo ano este grupo de trabalho elaborou um outro questionário desta vez relacionado com formação em Intervenção Precoce. Deste pode concluir-se que à exceção da Alemanha, Áustria e Finlândia, que oferecem, desde logo na formação inicial, formação específica com caráter interdisciplinar, todos os outros países que responderam não referem nada a este nível. Desta forma a formação dos técnicos é feita por iniciativa própria, em seminários e conferências organizadas por diferentes entidades públicas e/ou privadas.

Desde então tem vindo a ser realizados vários estudos no âmbito da Educação Especial e da Intervenção Precoce. A European Agency for Development in Special Needs Education [EADSNE] (2005) baseando-se nos resultados dos debates e nas conclusões elaboradas após análise de documentação dos vários países europeus que participaram no estudo, além de identificar diferentes modelos de Intervenção Precoce na Europa também faz recomendações para os decisores políticos, para os profissionais de IP bem como para os profissionais que estão a receber formação para esta atividade. As recomendações estão organizadas tendo em conta cinco caraterísticas comuns a todos os países que participaram neste estudo designadamente disponibilidade, proximidade, viabilidade financeira, interdisciplinaridade e diversidade de serviços e coordenação (EADSNE, 2005).

No que diz respeito à primeira caraterística, a disponibilidade, os programas dos países envolvidos no estudo, têm como objetivo comum a intervenção o mais precoce possível quer com as crianças quer com as famílias. Nesse sentido em Intervenção

Precoce na Infância. Análise nas Situações da Europa. Aspetos-Chave e Recomendações,

a EADSNE (2005) recomenda a existência de legislação que garanta a IPI como um direito, em que a colaboração entre os profissionais e as famílias bem como a implementação deste tipo de respostas seja promovida. Também recomenda a disponibilização de “informação exaustiva, clara e precisa sobre os serviços e respostas da IPI” (p. 46) bem como a definição clara dos grupos alvo recomendando que esta definição seja feita da competência dos políticos os quais devem ter em conta a opinião dos profissionais da área.

Para a proximidade, a segunda caraterística comum, a agência recomenda a descentralização dos serviços e recursos indicando que estes devem estar o mais próximo das famílias por forma a que ocorra em diferentes locais e sem sobreposição e procedimentos que possam ser enganosos. Além disso também aponta para a necessidade de ir ao encontro das necessidades quer das famílias quer das crianças sugerindo que se implementem práticas centradas na família e que se recorra a um plano individualizado e elaborado conjuntamente pela família e pelos profissionais (EADSNE, 2005).

Relativamente à viabilidade financeira o mesmo estudo apresenta, de acordo com Gronita (2014), duas recomendações designadamente a garantia da gratuitidade dos serviços bem como a garantia dos padrões de qualidade legislados quer para os serviços gratuitos quer para os que são financiados pelas famílias.

A quarta caraterística comum neste estudo diz respeito à interdisciplinaridade sendo recomendada em primeiro lugar a cooperação entre os profissionais e as famílias cabendo aos profissionais a tarefa de dar início à cooperação mantendo atitudes abertas e de respeito, promover reuniões com as famílias por forma a partilhar informações e em conjunto definirem conjuntamente um plano de intervenção no qual são estabelecidos objetivos, estratégias, responsabilidades, procedimentos e avaliações; em segundo lugar, a construção de um trabalho em equipa, de forma interdisciplinar, i.e., o profissional contribui com o seu conhecimento específico; e, por último, a estabilidade dos membros da equipa por forma a que o trabalho seja realmente de qualidade (EADSNE, 2005).

Por último, a diversidade, está relacionada com a partilha quer da responsabilidade quer do envolvimento por parte dos setores da saúde, educação e serviços sociais. Nesse sentido recomenda uma adequada coordenação não só entre os diferentes setores bem como de recursos comunitários (EADSNE, 2005).

Cinco anos mais tarde a mesma agência dá conta dos progressos desde 2005 salientando o aumento quer do número de países quer do número de especialistas participantes incluindo responsáveis políticos (EADSNE, 2010).

Neste estudo pode verificar-se que nos países europeus, a IPI destina-se prioritariamente a crianças entre os 0 e os 3 anos de idade havendo, no entanto, alguns países que acompanham crianças até aos 6 anos. A organização da IPI é da responsabilidade de cada país, mas de uma forma geral estão dependentes de vários ministérios: saúde, educação e segurança social. O mesmo estudo baseado nos relatórios de 25 países europeus mostra que, desde o último estudo datado de 2005, foram e estão a ser implementadas várias medidas políticas e de reforma (EADSNE, 2010).

Baseando-se no relatório de 2005, este parecer tem em consideração três prioridades nomeadamente a necessidade de abranger o grupo-alvo da IPI, i.e., todos os países participantes, devem intervir o mais precocemente possível junto de todas as crianças e famílias que necessitem do apoio da IPI; a necessidade de garantir iguais padrões de qualidade, i.e., devem ser definidos claramente os padrões de qualidade quer para os serviços quer para os recursos da IPI; e a necessidade de respeitar os direitos e as necessidades das crianças e das suas famílias, i.e., existe alguma urgência em conceber serviços centrados na família, que trabalhem em prol das crianças e das famílias e que abarquem os pais em todos os níveis desde o planeamento ao desenvolvimento dos serviços de IPI (EADSNE, 2010).

Mais concretamente este relatório recomenda que as três prioridades anteriormente descritas sejam complementadas por quatro propostas concretas designadamente: a necessidade de implementar mas também acompanhar as medidas legisladas por cada país; o papel-chave dos profissionais envolvidos nos diferentes níveis os quais têm um papel muito importante na maneira como a informação é prestada às famílias e também os programas de formação existentes para habilitar os profissionais a trabalhar em equipa multidisciplinar, a partilhar critérios e objetivos comuns e a trabalhar realmente com as famílias; a necessidade de haver, entre os vários serviços, um coordenador da IPI; e melhoria da coordenação entre e dentro dos sectores (EADSNE, 2010).

Vinte e cinco anos após a publicação do Manifesto, a EURLYAID apresenta um relatório o qual demonstra uma visão global das condições para o estabelecimento de Intervenção na Primeira Infância em 15 países europeus (Bélgica, Bulgária, Croácia, Chipre, Dinamarca, França, Grã-Bretanha, Alemanha, Grécia, Holanda, Noruega, Portugal, Roménia, Espanha e Suécia) baseando-se nas respostas a um questionário, o qual foi elaborado tendo em conta as recomendações apresentadas no Manifesto, em 1993 (EURLYAID, 2015).

Este relatório começa por insistir na importância da troca de informações básicas, i. e, a importância de descrever as necessidades, por forma a melhorar os sistemas de IP em todos os países. Afirma ainda que ao longo deste tempo houve consideráveis mudanças nomeadamente no que diz respeito ao direito e acesso à Early Childhood Intervention (ECI), termo usado em inglês para Intervenção Precoce, através da

relação à cooperação entre diferentes profissionais e diferentes disciplinas quer em relação aos paradigmas das práticas centradas na família (EURLYAID, 2015).

O mesmo documento reitera que, para uma melhoria dos sistemas de IP, cada um dos países deve basear-se na CIF-CY (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde para Crianças e Jovens) da OMS, na Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 e na Convenção sobre o Direitos das Pessoas com Deficiência de 2006, documentos chave que reforçam a conceção atual da IP (EURLYAID, 2015).

Mais especificamente o documento apresenta nas suas conclusões três aspetos fundamentais. O primeiro está relacionado com os desafios políticos para a garantia dos direitos humanos no qual se refere que, apesar da existência de legislação relativa à IP nos vários países, a realidade mostra que na prática estes países estão longe de pôr em prática as necessidades descritas nas convenções anteriormente mencionadas. O segundo aspeto está relacionado com a incapacidade de fazer uma abordagem sistémica e transdisciplinar, i. e., os profissionais não podem encarar a deficiência como um diagnóstico médico, mas sim devem basear-se na CIF-CY, a qual pela sua linguagem comum, pode ser aplicada nas várias disciplinas promovendo a cooperação interdisciplinar e a pesquisa. Em terceiro lugar enfatiza a necessidade das práticas de IP serem centradas nas apenas na criança, mas sim na família, princípio este que também é reiterado na Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (EURLYAID, 2015).

Pode então perceber-se que ao longo dos anos foram imensas as mudanças nesta área da Intervenção Precoce. Fariñas (2011) e Viloria (2011) destacam alguns planos e iniciativas que impulsionaram a evolução desta designadamente o Manifesto do Grupo EURLYAID, o Guia Europeu da Boa Prática para a Igualdade de Oportunidades das Pessoas com Deficiência (Helios II), o Plano de Ação Europeu 2008-2009, o Programa Daphne, o Projeto Measuring Health and Disability in Europe (MHADIE), a Iniciativa Europeia (2007-2010) para a Inclusão Digital, o Plano de Ação do Conselho da Europa (2006-2015) e o Grupo EURLYAID.