• Nenhum resultado encontrado

Parte II: Estudo Empírico

3. Introdução ao estudo empírico

"A ciência está longe de ser um instrumento perfeito de conhecimento. É apenas o melhor que temos."

(Carl Sagan, 1996)

A revisão teórica apresentada nos capítulos da Parte I abre-nos diferentes opções de investigação que podem ser seguidas em torno dos AI, como recursos pedagógicos, e do papel das BE no trabalho colaborativo, a nível do currículo. Essas possibilidades variam, naturalmente, em função dos objetivos, das questões e dos contextos de investigação, bem como das posições dos investigadores relativamente aos vários paradigmas de investigação.

Nesta parte, referir-nos-emos, assim, ao problema e às questões que constituem o cerne do estudo empírico, às opções metodológicas seguidas, ao desenho da investigação, ao processo de identificação e seleção dos participantes e aos instrumentos e procedimentos de recolha de informação.

3.1 Contexto do estudo

Na génese deste trabalho esteve a influência de alguns AI que se impuseram pelo formato estranho (por exemplo, Moi, J'attends, de Serge Bloch & Davide Cali), pela ilustração sui generis (Where the Wild Things Are, de Maurice Sendak) e pela singularidade da mensagem tão condensada em termos de texto, mas tão ampla quando interdependente da ilustração (Selma, de Jutta Bauer). Descobrimo-los na secção infantil das livrarias e em ações de formação de literatura que tinham em vista um público infantil. Trabalhávamos como PB num Agrupamento de Escolas com cerca de 1800 alunos, distribuídos desde o pré-escolar até ao 3.º CEB. A cada leitura ou releitura desses AI surgiam pormenores que não tínhamos visto antes, de tal modo que, podemos dizê-lo, cada abordagem era sempre diferente. O prazer destes momentos era tal que, sem intenção, acabávamos por fascinar e contagiar outros com estas obras que se

66

Parte II – Capítulo 3

tornaram prendas frequentes entre adultos. Através de breves conversas e da leitura verbal e visual de algumas páginas, captávamos o interesse de amigos e colegas de trabalho das mais diversas áreas. Mais tarde, já em contexto de biblioteca, utilizámos AI com pequenos grupos de alunos de 5.º ou 6.º anos, pouco recomendados pelo seu comportamento perturbador, e o resultado era tão compensador que acreditámos que este tipo de obra tinha um não sei quê de enigma e fascínio que não deixava ninguém indiferente. Tivemos, ainda, a oportunidade de ir a uma escola secundária, ao longo de dois anos consecutivos, realizar quatro sessões sobre ilustração para alunos de artes do 11.º e do 12.º anos. Como a receção das obras apresentadas foi tão boa, acabando por influenciar a produção de trabalhos que os alunos apresentaram publicamente, acreditámos que poderia ser desenvolvido um trabalho de investigação junto de um público menos próximo da infância.

Perry Nodelman (2011, p. 140) assume a posição de David Lewis que refere que há dois tipos de abordagem nos estudos sobre AI: um implica ouvir pacientemente o que as crianças dizem sobre o que leem e outro implica uma descrição cuidadosa de cada obra. Relativamente a esta última abordagem, encontrámos muita bibliografia, boa parte dela produzida pelo próprio Nodelman, alguma de matriz nacional nas obras e artigos publicados por Ana Margarida Ramos (2007), Rui Veloso (2005) e outros. Porém, são estudos orientados para a mediação da leitura com um público infantil, o que não se ajusta idealmente aos nossos objetivos que visam leitores adolescentes.

Ao nível da primeira abordagem sugerida por Lewis, a tal vertente que se pode situar nos estudos de caso e que envolve um caminho de cuidado e paciência junto dos leitores, encontrámos algumas dissertações de mestrado ou de doutoramento que refletem esse interesse pelo estudo do AI em sala de aula. A tese de Carina Rodrigues (2009), realizada na Universidade de Aveiro, Palavras e imagens de mãos dadas: A arquitetura do álbum narrativo em Manuela Bacelar, analisa as repercussões práticas, num estudo de caso, do contacto precoce das crianças do pré-escolar com o AI, mais concretamente ao nível da aproximação da criança ao universo plástico e literário. Cláudia Santos (2011), na sua tese de mestrado, desenvolve um estudo de caso numa escola do 1.º CEB com objetivos de animação da leitura, debruçando-se sobre uma exploração verbal e visual de AI nacionais e estrangeiros que culminaram com atividades plásticas. Mónica Oliveira (2007), também através de um estudo de caso, procurou compreender o trabalho desenvolvido pelos educadores de infância, no que concerne à educação artística, mais concretamente, na utilização da ilustração como

recurso pedagógico. Sandra Mourão (2011) realizou uma abordagem qualitativa através de várias sessões de leitura repetida em voz alta e em inglês e de sessões de recontos trabalhados em três grupos de crianças portuguesas de educação pré-escolar, tendo concluído que os AI selecionados permitiram às crianças direcionar as suas respostas para as ilustrações, usando-as como apoio na construção de significado.

Nos estudos de investigadores consagrados, já referimos as produções de Janet Evans (1998) ou Arizpe e Styles (2003) que continuaram a investigação através do trabalho de três estudantes (Kate Cowan, Louiza Mallouri e Mary Anne Wolpert) em escolas inglesas, geograficamente dispersas, dando continuidade ao projeto Children Reading Pictures Project. Todos estes estudos versaram as respostas de crianças à exploração de AI pós-modernos. Entre os estudos de caso com crianças mais velhas, destacamos aquele que foi desenvolvido por Evelyn Arizpe (2008, p. 207), na Universidade de Glasgow, a partir do AI (pós-moderno) de Oliver Jeffers, O incrível rapaz que comia livros, envolvendo jovens de onze anos, imigrantes, numa perspetiva bilingue.

Procurando trabalhos no âmbito das produções literárias de potencial receção juvenil, não encontrámos referências no campo dos AI. Maria da Conceição Tomé e Glória Bastos (2013), da Universidade Aberta, apresentaram um artigo internacional – Imagens da Amazônia na literatura juvenil portuguesa contemporânea – onde analisam a ilustração em três obras, mas onde esta assume, por vezes, uma posição marginal em relação ao texto.

Neste contexto, e apesar da existência de escritos, dissertações e documentos avulsos sobre ilustração e AI extremamente valiosos, o nosso objeto de estudo surge num caminho particular e inovador de investigação. Por ser uma temática relativamente recente, não nos pudemos socorrer de produções científicas afins que nos permitissem trilhar com mais segurança o caminho da nossa investigação, apesar de termos reunido estudos e documentos da mais variada natureza, extraindo deles pistas e conclusões preciosas que nos permitiram desenhar uma investigação, a partir de diferentes peças de um complexo puzzle. Ao correlacionarmos três variáveis jamais problematizadas juntas – o AI como recurso educativo interdisciplinar, em contexto curricular, em articulação com a BE, junto de jovens dos 14 aos 17 anos – não podemos deixar de reclamar um cunho inovador na presente investigação, apesar do tema não ser um exclusivo nosso. No mínimo, encetámos uma aventura que merecerá, certamente, muitos reparos, mas

68

Parte II – Capítulo 3

relativamente à qual esperamos ser capazes de imprimir o nosso cunho crítico, reconhecendo incertezas, limites e possibilidades de desenvolvimento.