• Nenhum resultado encontrado

Parte I: Enquadramento Conceptual

1. Repensar o conceito de literacia: o lugar da literacia visual

1.3 O Álbum Ilustrado

1.3.1 O Álbum Ilustrado para um público juvenil

Sempre que se coloca uma fronteira à volta de um item com a intenção de beneficiar ou proteger um determinado público, pode-se cair no erro de privar esse público de ir mais além, à procura de novidades. A história da literatura infantil tem sido, na perspetiva de Philippe Ariès (1981, p. 23), um exemplo de construção de cercas em torno daquilo que se considera bom e seguro, afastando aquilo que se tem como perigoso ou inadequado às capacidades limitadas das crianças.

Relativamente aos álbuns ilustrados, a territorialidade tem vindo a desvanecer- -se. Já não se pode escrever ou ler de um único ponto de vista. Maria Nikolajeva já havia sugerido que alguma literatura dita infantil se começava a libertar e a transgredir as fronteiras convencionalmente impostas, concluindo que “sooner or later, children’s literature will be integrated into the mainstream and disappear (apud Nodelman, 2008, p. 10). A reação de editores, autores/ ilustradores e mediadores de leitura face à rigidez das faixas etárias indicadas nos livros decorre desta tendência contemporânea marcante, onde o livro ilustrado se impõe e rompe a barreira das idades. Ler é construir significado. Assim sendo, o que se destina a um público pode voltar-se para outro, pois a leitura de um livro depende sempre do que se vê, do que se lê e do que se vive e cada leitor tem diferentes experiências. Como diz Chartier (1999, p. 77), “Apreendido pela

7

Citação de comentário feito em fórum, no contexto da unidade curricular Literatura para crianças e

leitura, o texto não tem de modo algum – ou ao menos totalmente – o sentido que lhe atribui o seu autor, o seu editor ou os seus comentadores”.

Os bons livros, mesmo aqueles com destinatários bem definidos pelo seu autor, no limite, não têm idade. A evolução do AI tem-se dirigido para um público cada vez mais vasto e heterogéneo. Essa tendência tende a crescer proporcionalmente ao grau de sofisticação das linguagens textual e imagética que esses livros assumem, bem como a uma alteração nos hábitos do público adulto, mais aberto e menos preconceituoso face ao livro infantil.

Dolores Prades (2012) refere-se a este género de publicação como livros sem idade pelo facto de ampliarem o seu universo de destinatários graças às qualidades tanto formais como de conteúdo que sobrevivem à volatilidade do mercado e atraem leitores de todas as idades.

Perry Nodelman analisou, com alguma ironia, os critérios que têm presidido à atribuição dos “ALA Awards” que contemplam separadamente a categoria dos picture books8 da restante literatura para crianças. Nodelman estranha que o grande prémio da ALA9 – a “Newbery Medal” (“The author of the most distinguished contribution to American literature for children”) não possa ser atribuída ao autor/ilustrador de um picture book: “I can say from experience that trying to compose a short text with the idea that it will appear accompanied by pictures that don’t yet exist but that will later reveal the depths of meaning and emotions that the text already, presumably, contains and implies is not an easy thing to do” (2008, pp. 3- 4).

Afinal de contas, o ilustrador já não é um profissional contratado para guarnecer com desenhos uma história alheia. Ele tem o mesmo peso do escritor, cria com ele ou é mesmo o único autor do livro.

Também a atribuição da “Caldecott Medal” que distingue, anualmente, “the artist of the most distinguished American Picture book for children”, lhe merece uma crítica, uma vez que apenas contempla o ilustrador.

Porém, não deixa de elogiar a atribuição da Caldecott Medal a The invention of Hugo Cabret, uma obra que não corresponde à ideia comum de picture book – “a fairly short book – usually thirty-two pages – intended for younger children.” (Nodelman, 2008, p. 4). Não é colorido, exceto na capa, é enorme, mistura ilustração com

8

Nodelman prefere o termo composto por duas palavras. 9 American Library Association

32

Parte I – Capítulo 1

fotografias e desenhos antigos que podem ocupar uma página, uma dupla página ou várias páginas seguidas sem texto.

Os prémios britânicos e australianos são mais arrojados. Desde 2007 que o vencedor do “Printz”, na Austrália, merece uma nota indicativa no sítio do CBCA (“Children’s Book Council of Australia’s Award”), no sentido de informar o público de que estes livros também são aconselhados para um público mais velho. Afinal, como afirma Nodelman cheio de convicção: “Good Picture-book texts are tiny Works of genius, as deceptively simple as a Shakespearean sonnet” (2008, p. 4).

Sipe (2008) e Pantaleo (2008) isolam, como subgénero, um tipo de álbum ilustrado que designam como “postmodern”. De seguida, vamos averiguar o que o distingue dos AI clássicos.

Bette Goldstone, inspirando-se em Sylvia Pantaleo, defende que “it is the nature of postmodern picturebooks to continue to experiment: break boundaries, question status quo, challenge the reader/viewer, reflect technological advances, and appeal to the young” (2008, p. 117).

Embora pensados para um público jovem, os álbuns ilustrados são criados e aprovados pelos adultos e, por essa razão, possuem cambiantes que atraem um público mais maduro. Têm, portanto, um duplo destinatário pelo que se transformam num fenómeno interessante em sessões de leitura em bibliotecas, convidando adultos e jovens a pronunciar-se sobre temas transcendentais universais ou contemporâneos com níveis de síntese e de intertextualidade, mais ou menos evidentes, mais ou menos subtis consoante o background cultural e literário de cada um dos públicos. Afinal, “Todos nos inclinamos a juzgar ilustraciones por lo que sabemos más que por lo que vemos” (Gombrich, 1966, p. 387).

Os álbuns pós-modernos subvertem as convencionais utilizações da cor, do texto ou da forma. O álbum assume-se, pois, como objeto artístico, cujas particularidades da criação são, muitas vezes, fruto de quatro autores – o escritor, o ilustrador, o designer e, por vezes, o editor – que concebem um projeto que conjuga ilustração, texto, design e edição.

Para concluir, citemos uma passagem do manifesto do “CJ Picture Book Festival”, que se realiza na Coreia do Sul:

Picture books, in the present era, enjoy a status as a culture form to be enjoyed by people of all ages. It is a precious and versatile art that has already left the

confines of paper behind, shattering the boundaries of its own genre and fusing with various other forms of art and imagery. The creation of this new aesthetic has earned a place for picture books as one of the most prominent cultural icons of the 21st century.”10

1.3.2 O álbum ilustrado e as implicações da interação texto/ilustração