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1.2 Celso Furtado: elementos de seu pensamento para a compreensão do Brasil e

1.2.1 Introdução

Seria Celso Furtado um demiurgo do Brasil? Oliveira afirma que a obra de Celso Furtado tem uma forte significação na história brasileira, principalmente seu livro mais célebre: Formação Econômica do Brasil. Nessa obra, o autor apresenta uma grande explicação sobre a transição da economia cafeeira para a industrial, principalmente após a Segunda Guerra Mundial. Isso o coloca no hall seleto dos demiurgos da nação brasileira proposto por Antônio Cândido, ao lado de Casa-

grande & Senzala de Gilberto Freire, Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de

Holanda e Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Júnior. Porém, para Oliveira, a obra de Furtado vai além, não pelo fato de ser teoricamente superior. Longe disso. Enquanto os outros demiurgos construíram o Brasil do passado, Furtado e sua obra construíram o Brasil de seus dias, pois “era contemporâneo de sua própria construção” (OLIVEIRA, 2003, p.19).

Consciente da situação de dependência econômica brasileira em relação aos recursos estrangeiros, em agosto de 1948 Celso Furtado aceitou o convite que o Prof. Otávio Bulhões lhe fez para trabalhar na edição da revista Conjuntura Econômica, até hoje publicada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Nela, se reuniam os mais diversos economistas e estudiosos, grande maioria deles contrários à política econômica adotada pelo governo Dutra (CASTRO, 2004, p.54-55). Marques Ribeiro destaca que o governo Dutra foi o grande marco do desenvolvimentismo no Brasil, já que foi a partir dele que se pensou na formulação de estudos mais profundos para a atração de capitais do exterior, tendo em vista as exigências do Banco Mundial e do FMI. As missões se transformam em comissões de ajuda mútua. A Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, já no segundo governo Vargas, foi a primeira a propor estudos para o desenvolvimento econômico nacional em vistas as exigências das grandes agências internacionais, através da associação entre o capital público e o privado. A Comissão Mista BNDE-Cepal, liderada por Celso Furtado, seguindo esta lógica, tece um estudo-base para propor caminhos

para o desenvolvimento econômico do Brasil, que serviu de base para a criação do Plano de Metas de J.K (MARQUES RIBEIRO, 2011). 20

Nos corredores da redação da FGV, Furtado soube que buscavam um economista para servir em uma nova organização das Nações Unidas, em vias de ser criada. Ela se instalaria na cidade chilena de Santiago. A entidade viria a se chamar Cepal – Comissão Econômica para a América Latina. Em 1950, Celso Furtado foi nomeado diretor da Divisão de Desenvolvimento. Em 1953 Furtado assumiu a presidência do grupo misto BNDE-CEPAL para estudar a aplicação de técnicas de planejamento elaboradas pela CEPAL no Brasil.21 A postura econômica abraçada por Vargas de enxergar a industrialização como a única forma de superar o subdesenvolvimento favoreceu a fixação de uma equipe da CEPAL que trabalhasse em concordância com os ditames governistas. A idéia era fornecer subsídios para a formulação de um amplo programa de desenvolvimento econômico e social autônomo livre dos ditames ortodoxos do FMI, que, naquela época, havia começado a ganhar força em vários meios acadêmicos brasileiros. O relatório final do grupo misto foi editado em idos de 1955, servindo, posteriormente, para formar as bases do Plano de Metas, já no governo Kubitschek (BIELSCHOWSKY, 2000).

Com a criação da Sudene – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste –, através da lei n. 3.692 de 15 de dezembro de 1959, Furtado pôde desenvolver de fato a proposta de uma política pública para promover o desenvolvimento da região nordestina. Jânio Quadros e João Goulart, presidentes que sucederam a Kubitschek antes do golpe de 1964, também apoiaram Furtado e suas propostas políticas de desenvolvimento do Nordeste, e deram-lhe amplos poderes para pô-las em prática. A grande inovação da Sudene foi que todos os governadores da região nordestina formariam uma espécie de conselho administrativo-deliberativo, decidindo em conjunto as decisões a serem tomadas. Ademais, um projeto de desenvolvimento

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As ideias de Marques Ribeiro são preciosas para compreendemos a presidência do Gal. Eurico Gaspar Dutra. Foi o momento em que se passou a dar uma sistemática ao planejamento enquanto um instrumento para a “superação do atraso”, além de advogar a necessidade do capital privado como mecanismo de desenvolvimento. Para ver mais: MARQUES RIBEIRO, Tiago Reis. Das

Missões à Comissão: ideologia e projeto desenvolvimentista nos trabalhos da “Missão-Abbink”

(1948) e da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (1951-1953). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011. 234 f.

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Sobre o impacto das ideias cepalinas no Brasil ver: BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento

Econômico Brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. 4º ed. Rio de Janeiro:

para a região nordestina foi criado, pois foi fomentado um programa de bolsas de estudos nas áreas de agronomia e engenharia para criar-se mão-de-obra especializada e preparada para pôr em prática as ações e o projeto piloto da Sudene, além de vários incentivos fiscais para que indústrias se instalassem na região. Esse projeto serviu de inspiração ao governo Kennedy, que criou a Aliança para o Progresso. Era um programa que apoiava, via empréstimo ou doação de dólares, políticas públicas de emprego, industriais e de renda, além da reforma agrária. O objetivo era fazer reformas sem a necessidade de revoluções estruturais profundas que dessem margem para que novos regimes influenciados pela Revolução Cubana surgissem e que contestassem a hegemonia norte-americana na América Latina (VIZENTINI, 2004).

O objetivo desse capítulo é entender como alguns aspectos teóricos do pensamento de Celso Furtado, principalmente quando ele atuou como um burocrata dentro do aparelho de Estado, entre as décadas de 1950 e 1960, podem ser utilizados para a compreensão das principais características políticas, econômicas e sociais do Brasil e do Espírito Santo entre 1950 e 1980, principalmente no que concerne à Questão

Nordestina e à importância dos benefícios fiscais; à Teoria do Subdesenvolvimento;

à necessidade do planejamento econômico; e à perspectiva histórica do desenvolvimento político e econômico do Brasil, bem como o surgimento de um estado de interesses pelas elites.

As concepções teóricas de Celso Furtado nos ajudam a compreender partes da história da política e da economia do Brasil no século XX. Não queremos assim entender unicamente sua época através da história de sua vida, mas sim relacionar suas concepções teóricas às políticas públicas destinadas ao crescimento econômico do Brasil e do Espírito. Nas palavras de Jacques Revel, a escolha de um indivíduo como objeto de análise nos possibilita estabelecer uma abordagem diferente de nossa sociedade, cabendo ao historiador destacar, ao longo de sua análise, como a complexa rede de relações na qual o personagem selecionado se circunscreve pode ser relacionada com seu mundo, dando a ele condições de identificar os laços que prendem o indivíduo à macro-história (REVEL, 1998). Schayder dirá que ao se investigar a biografia de um homem, o historiador não faz apologias ao individualismo metodológico e teórico, como é de costume de muitos

historiadores convencionais. Os últimos, ao ignorarem as esferas da realidade social (política, economia, sociedade, mentalidade etc.) atribuem poderes sobrenaturais a muitos personagens históricos, como se eles sozinhos pudessem mudar o destino de seu mundo. O ator social não está deslocado da realidade; sua narrativa faz parte de um conjunto de narrativas que se interligam, capazes de gerar a força motriz primordial para a mudança histórica (SCHAYDER, 2011).

Mas devemos concordar com Luckas quando ele diz que a “história é feita não por pessoas individuais, mas por condições sociais específicas e forças econômicas subjacentes” (LUCKAS, Apud SCHAYDER, 2011, p.25). Em outras palavras, o indivíduo, por si só, nunca é capaz de mudar seu mundo, mas ele pode subverter a ordem vigente através da análise crítica de sua realidade. Podemos concordar com Ginzburg quando ele diz que os “extraordinários homens comuns” têm a força, muito vezes ignorada pela sociedade, de subverter a ordem estabelecida, coisa que Celso Furtado fez com maestria com sua obra (GINZBURG, 2012). Le Goff acredita na “independência relativa dos indivíduos”, ao salientar que cada qual “constrói-se a si próprio e constrói sua época, tanto quanto é construída por ela; e essa construção é feita de acasos, de hesitações e de escolhas” (LE GOFF, 1987, p.180). E a vida de Furtado foi repleta de escolhas. A principal delas foi pensar em um país independente política e economicamente, livre das arestas do imperialismo internacional, integrado regionalmente e sem diferenças sociais gritantes. Porém, como bem salienta Schayder, o grau de liberdade dos agentes históricos muitas vezes tem limitações, não coroando com êxito seus atos e projetos. “As limitações interpostas às ações dos indivíduos comportam inúmeras variáveis” (SCHAYDER, 2011, p.106). No caso de Furtado, a própria conjuntura de sua época o traiu. Acusado pelo regime militar de subversivo e de comunista, ele viveu por anos no exílio no exterior, utilizando sua obra para denunciar os efeitos deletérios da política econômica do Regime Militar para seu país.

1.2.2. A criação da Sudene: a importância dos incentivos fiscais para a