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1.3. Fernando Henrique Cardoso: modernização conservadora, anéis burocráticos e

1.3.2. O empresariado brasileiro e o Estado empresário

Cardoso argumenta que o empresariado nacional está inserido em um ambiente oligopolista, em que a constituição de sociedades anônimas torna-se o melhor mecanismo de competitividade econômica. Para Traspadini, a análise de Cardoso destaca “como o empresário consegue influenciar/intervir na conduta da política econômica efetivada pelo Estado, com vistas a obter maiores vantagens na atuação de suas firmas no mercado competitivo” (TRASPADINI, 2014, p.46-47). Tal perspectiva se dá dentro de um contexto de internacionalização do capital, mediante formas de desenvolvimento dependente de tecnologia e associada.

Desenvolvimento dependente e associado, heterogeneidade das classes industriais brasileiras e estruturação econômica foram os pontos cardeais fundamentais de uma proposta e de um projeto de desenvolvimento industrial no Brasil a partir dos anos 1930, no qual uma burguesia de Estado, aliando-se a setores conservadores ou não, busca o comando do aparelho de Estado com o propósito de fomentar uma plataforma política e econômica de dominação. O Estado é o local onde os diferentes grupos hegemônicos buscam conciliar seus interesses. Para Cardoso,

[...] o homem da empresa é hoje, mais do que tudo, um líder no sentido político. Entretanto, esta transformação não se verificou porque o espírito do capitalismo mudou, mas porque o capitalismo, isto é, as condições de inversão, modificaram-se. A […] inovação, que formalmente é função de qualquer tipo dirigente, dependerá, para concretizar-se na atividade capitalista contemporânea, não só do talento inventivo quanto da capacidade de persuasão e pressão política dos chefes de empresa (CARDOSO, 1963, 32-42 passim).

No Espírito Santo, observarmos que a figura de Américo Buaiz, por exemplo, se aproxima do tipo do empresariado descrito por Cardoso. Ele, no comando da Federação das Indústrias do Espírito Santo, foi o responsável, junto a outros empresários e políticos de sua época, pela formulação de ações diversas para a modernização econômica capixaba por meio da industrialização. Para Santos, a importância de Buaiz reluz no fato dele ter sido um grande mentor e incentivador de uma organizada participação política e social dos empresários capixabas. Suas ações impulsionaram o movimento empresarial local a atingir um nível de organização e de consciência de si, fato imprescindível para as discussões da época, além do fato que ele “fundou e dirigiu as primeiras federações de empregadores do estado, que existem e atuam até hoje como órgãos de

representação de empresários e de seu pensamento” (SANTOS, 2011, p.103).

As ações dos empresários capixabas, por meio da intermediação crítica de Américo Buaiz, ganharam novos contornos com a criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico do Espírito Santo, em 1961. Com a criação do Codec, os empresários passaram a ter grande poder de atuação no aparelho de Estado, já que a representação empresarial estaria presente no Conselho por meio de uma cadeira específica, fato que será mais bem discutido ao longo da tese. Tal fato significa afirmar que o empresariado, por meio de articulações, tinha como princípio básico de racionalidade a associação, notoriamente com o capital internacional, caso desejasse ser mais competitivo em escala mundial, fato melhor percebido no Brasil após o golpe cívico-militar de 1964. É claro que tal proposta de dominação hegemônica não desconsidera o poder de atuação daquela parcela industrial que almejava, por meio da política nacionalista, o desenvolvimento de indústrias que necessariamente não se desenvolveriam por meio da associação com o capital internacional, já que, para Traspadini, o empreendedor de Cardoso “é um agente que une sua destreza gerencial à conduta política, intervindo nas diretrizes a serem seguidas pelo Estado” (TRASPADINI, 2014, p.53).

De acordo com Oliveira, os empresários capixabas, por meio da Findes, tiveram grande importância para a indicação do nome de Arthur Carlos Gerhard Santos para a governadoria do Estado. A entidade, que havia sido importante para o planejamento e execução do governo de Christiano Dias Lopes Filho, adquiriu grande importância nas arenas decisórias do Executivo, em detrimento dos antigos grupos agroexportadores, tendo inclusive grande contribuição na formulação e execução dos Grandes Projetos de Impacto, cujo norte era a associação com o grande capital internacional (OLIVEIRA, 2013).

A representação empresarial aproveita-se das conjunturas econômicas para levar adiante seu projeto de hegemonia, principalmente por meio da circulação no Estado, após a crise dos anos 1960, que permitiu às economias subdesenvolvidas uma nova forma de desenvolvimento, notoriamente por meio da associação com o grande capital: “Com a crise no mercado internacional e, automaticamente, com a desvalorização dos produtos exportados pela economia brasileira, o Estado teve que criar salvaguardas, objetivando diminuir os impactos da crise no interior da

economia” (TRASPADINI, 2014, p.64). A conclusão é a alta heterogeneidade do setor industrial no Brasil, uma vez que atuam nesse meio empresários tradicionais e modernos.35 Se para Schumpeter não é possível haver desenvolvimento sem revolução nos meio de produção ou na mentalidade da classe empresarial36, para Cardoso, ao contrário, o caráter contraditório do empresariado brasileiro se transluz na questão de seu projeto de desenvolvimento para o país. Sobre a questão, diz Traspadini que,

os grupos [de acordo com Cardoso] divergem também quanto à proposta de desenvolvimento para o país. Enquanto uns são nacionalistas e acreditam no desenvolvimento econômico independente/autóctone, sob a égide das empresas nacionais, outros acreditam que o desenvolvimento econômico tende a ser aquele expresso através dos caminhos seguidos pelas economias centrais, e o fundamental é a relação/associação da economia nacional com o resto do mundo (TRAPADINI, 2014, p.72).

As escolhas da classe política é que norteiam os anseios dos grupos empresariais. Sobre essa questão, diz Oliveira que a gestão do governador Arthur Carlos Gerhard Santos(1971-1975) foi marcada pela mudança na natureza do processo de industrialização iniciado nos anos anteriores, dado que sua plataforma política buscava superar a visão que colocava as atividades industriais tradicionais, de pequeno e médio porte,

[...] bem como por empreendimentos de exportação em trânsito (majoritariamente minério de ferro), como as principais alternativas para proporcionar um salto qualitativo no desenvolvimento econômico capixaba. Desse modo, firmou-se a convicção de que a superação da histórica dependência do café, na visão do novo governo, deveria ser construída a partir de premissas bem mais ousadas no que tangia à inserção do Espírito Santo no processo de desenvolvimento econômico nacional e internacional (OLIVEIRA, 2013, p.411-412).

A parceria entre o empresariado nacional com o internacional seria a tônica de tal realidade, ao promover a modernização através do avanço qualitativo da mentalidade empresarial, principalmente por meio da modernização conservadora. Porém, em nível de Brasil, o marco desse fenômeno começou a ser percebido a partir dos anos 1950, quando as empresas tradicionais, ou seja, aquelas cujas

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De acordo com Cardoso, a expansão do capitalismo no Brasil não eliminou o setor tradicional da esfera decisória. Tais grupos, na realidade, foram deslocados do setor chave da economia, chegando ao ponto dos primeiros manterem uma forma associada e ou subordinada com últimos, comprovando assim a heterogeneidade da classe industrial no Brasil. Ou seja, a burguesia brasileira é uma classe heterogênea, de origens heterogêneas, frágil e desintegrada na ação, uma vez que ela de se acomoda à dominação tradicional, ao clientelismo e a privilégios. (CARDOSO, 1975).

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Sobre o papel do empresariado para Schumpeter, ver: SCHUMPETER, Joseph Alois. Capital,

estruturas de gestão eram, grosso modo, permeadas por formas de gestão familiar, começam a promover formas empresarias por meio da criação e consequente disseminação de sociedades anônimas (S/A). Isso fez com que grande parcela do empresariado tradicional repensasse seu modelo de gestão, pelo fato da concorrência oligopolística internacional gerar o risco delas serem destruídas, caso elas não passassem por um processo interno de modernização. Para Traspadini, um exemplo dessa realidade foi a formação das empresas de economia mistas, em que o capital nacional se associaria ao internacional para se reenquadrar na nova realidade de mercado (TRASPADINI, 2014). O Estado também precisou se modernizar, assumindo funções empresariais, fato que será devidamente discutido ao longo desse estudo.

Para Mendonça, o Estado, através do planejamento econômico, criou meios para se associar com o capital privado oligopolista. Com o Plano de Metas, originário dos diagnósticos do grupo Cepal-BNDE, reformulou-se qualitativamente as relações entre a economia e o Estado no Brasil. Integraram-se, pela primeira vez sob o controle governamental, as atividades do capital público e do privado (nacional e estrangeiro) por meio de um planejamento econômico, que definiu as prioridades dos investimentos e as estratégias para dirigir recursos privados para setores chaves da economia. 37 Para a autora, esse momento marca um contexto em que o

[...] o Estado adquiria novas funções e esferas de atuação econômica que passavam desde a sua definição como banqueiro do capital privado (por meio das agências públicas de financiamento e crédito industrial), até o seu papel de proprietário. Ocorria neste momento uma “estatização formal” da economia que tinha por fundamento um Estado importante produtor direto nos setores estratégicos e controlador indireto de faixas expressivas de decisão privada (MENDONÇA, 1998, p.59).

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Sobre os diagnósticos feitos pela comissão na época, bem como a influencia da Cepal nas políticas públicas dentro do recorte temporal da tese, ver: BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento

Econômico Brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. 4º ed. Rio de Janeiro:

Tal fenômeno, em última instância, resultou numa melhora tecnológica do parque industrial brasileiro e a consequente articulação de novas alianças de poder em torno do progresso técnico introduzido. Demais, ao romper com a leitura etapista do desenvolvimento econômico de Rostow38, Cardoso afirma que

[...] no caso do desenvolvimento capitalista originário, a expansão do capitalismo industrial explica, na dinâmica do circuito econômico de produção, como a burguesia se constituiu em um grupo empresarial e camada dominante de cada sociedade local e, ao mesmo tempo, numa classe de conquistadores (CARDOSO, 1963, p.78-79).

Sendo uma “classe de conquistadores”, o modelo de desenvolvimento dependente- associado adotado pelo Brasil beneficia a burguesia local e promove a expansão de suas atividades, propiciando condições para que elas se associem ao capital internacional ou fiquem “enfeudadas” às corporações multinacionais e ao Estado. Mesmo com tais limitações, a burguesia nacional continuou a desempenhar um papel ativo na dominação política e no controle social das classes submetidas, principalmente após o golpe cívico-militar de 1964. Para destacar a burguesia nacional e dos empresários, dentro do projeto da modernização conservadora, Cardoso utiliza o termo burguesia de Estado. Nas palavras do autor:

No caso do papel da “burguesia de Estado”, procuro destacar (embora com reserva que não disponho de pesquisas conclusivas) que se está se formando uma camada de dirigentes de empresa que não é burocrática em sentido estrito. Ou seja, cujos âmbitos de decisão ultrapassam o quadro interno da empresa e cuja política (e isto é decisivo) talvez permita a emergência de uma solidariedade de grupo e decorra de uma ideologia (o

expansionismo estatal) que define objetivos relativamente autônomos,

para este setor de classe [...]. Quero destacar que se formou um setor

de classe no conjunto dos interesses “burgueses” – ou seja, capitalistas – que passou a disputar a hegemonia do bloco de poder formado pela classe dominante (CARDOSO, 1975, p.17-18. Grifos

nossos).

Isso significa dizer que essa burguesia via no Estado a maneira mais eficaz de legitimar seus interesses. Através de anéis, conforme será posteriormente discutido neste capítulo, esse grupo, que não era necessariamente burocrata, utilizava o aparelho de Estado para nortear os conflitos existentes entre os vários grupos que buscavam impor sua hegemonia, como técnicos, tecnocratas, empresários de outros

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Rostow acreditava na perspectiva etapista do desenvolvimento econômico capitalista, apontando a existência de alguns pressupostos básicos a serem seguidos por todos os países que almejam o crescimento econômico, tais quais aqueles vivenciados pelos países centrais. Para ver mais: ROSTOW, Walt Whitman. Etapas do desenvolvimento econômico. 4ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.

setores etc. Tais burguesias internacionalizadas, incluindo aí tanto os setores locais dos oligopólios internacionais como os empresários nacionais a eles associados ou “enfeudados”, demonstra a importância do setor empresarial para a acumulação capitalista. Cardoso afirma que a penetração das empresas multinacionais numa determinada economia leva os estados locais a uma política expansionista. No caso brasileiro,

De igual modo, a participação do setor público na formação do capital fixo era, em 1960, de 38,2%, o das empresas estatais de 8% e o setor privado de 53,8%, sendo de destacar que as empresas estatais haviam passado de 3,1% em 1956 para 8% em 1960. Em 1973, a participação do setor público na formação do capital fixo alcançou cerca de 65%. Metade desta parcela correspondeu às empresas do Estado (CARDOSO, 1975, p.45).

A forma capitalista dependente-associada permitiu ao Estado brasileiro ser o promotor do crescimento econômico, principalmente durante os anos 1970, no contexto do milagre econômico, principalmente por meio da associação com o capital internacional. Para Cardoso, o capitalismo brasileiro, cuja feição final foi a forma dependente-associada dos anos 1970, se fez por meio de uma

[...] divisão da área de atuação que, sem eliminar a expansão dos

setores controlados pela burguesia local, desloca-os dos setores

chaves da economia ou, quando a burguesia local consegue manter-se neles é de forma associada e subordinada. Ao mesmo tempo, cresce a base econômica do setor estatal que se endereça aos setores de infra- estrutura, e assegura-se às empresas multinacionais especialmente o controle de bens de consumo duráveis (automóveis, eletrodomésticos etc.), bem como parte importante no controle da produção e exportação de produtos primários, brutos ou semi-industrializados (CARDOSO, 1975, p.47. Grifos nossos).

O setor nacional se associa e funciona de modo “enfeudado”, tendo ora o Estado, ora as multinacionais, como clientes e ou fornecedores quase exclusivos. Tal modelo, aprofundado nos anos 1970, se caracterizou a partir de dois eixos, provocando um deslocamento quanto à forma preferencial de associação. Para Cardoso, tal modelo baseia-se na

[...] produção de insumos industriais (tipo produtos petroquímicos ou laminados de aço) e de produtos minerais industrializados (manganês e ferro, especialmente). Para conseguir a massa de capitais necessárias à produção destes produtos e para assegurar mercados consumidores (bem como para alcançar vantagens tecnológicas), a associação privilegiada passou a ser a relação direta entre empresas estatais e consórcios internacionais (CARDOSO, 1975, p.47-48).

A nova fase da economia brasileira, calcada num modelo dependente-associado, sem que, contudo, haja prejuízo ao mercado interno, que se beneficia e se diversifica devido à expansão econômica, “acarreta a redefinição do antigo modelo exportador que passa a basear-se na produção associada a capitais estrangeiros e na exportação de produtos industrializados” (CARDOSO, 1975, p.48). Por outro lado, como são as empresas estatais que passam a ganhar posições estratégicas no novo modelo, busca-se uma autonomia relativa do capitalismo internacional. Para Cardoso, tal autonomia se baseia

[...] na pressuposição de que a capacidade reguladora de um estado cada vez mais forte limitará a ingerência interna das multinacionais, na diversificação da origem nacional dos capitais externos (japoneses, alemães, suecos etc., ao lado dos capitais americanos) e na crença de que, apesar da vantagem que as empresas estrangeiras possuem no controle dos mercados externos, na introdução de novas tecnologias e na disposição de recursos financeiros, a forte decisão de criação de uma grande potencia sob a édige do Estado nacional garantirá os riscos do futuro (CARDOSO, 1975, p.48).

Com a expansão da economia nacional por meio da associação com o capital internacional, houve também crescimento do mercado interno e diversificação produtiva. De acordo com Rocha e Morandi, as atividades econômicas mais rentáveis no Espírito Santo encontraram clima propício para grande crescimento e diversificação entre os anos de 1950 e 1980. Excluindo aqueles serviços que eram considerados monopólios estatais na época, como a energia elétrica, água e telefonia, o capital local, não associado ao capital internacional, encontrou um amplo campo de atuação. Houve grande diversificação das atividades econômicas ligadas ao setor terciário (comércio, serviços, transportes etc.). Assim,

[...] praticamente todos os grupos locais, que atualmente já diversificaram suas atividades, tiveram origem em segmentos diversos do setor terciário, tais como: comércio e exportação de café (Dadalto, Coser, Tristão, etc); transporte de passageiros (Itapemirim, Águia Branca, etc.); transporte de cargas (Cheim, Colatinense, etc.); supermercados (Neffa, Boa Praça, etc.); hotelaria (João Dalmácio, Neffa, etc.) (ROCHA; MORANDI, 1991, p.145).

Sola dirá que o “efeito de desalojamento”39 provocado pelo deslocamento dos setores destituídos seria rapidamente atenuado pela possibilidade de atender os diversos interesses, principalmente aquele do setor emergente. Isso permitiu às

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Sola define “efeito de desalojamento” como uma espécie de tolerância dos setores ditos tradicionais que “varia [...] com as flutuações da atividade econômica, cujas conseqüências são mais dramáticas nos países em desenvolvimento” (SOLA, 1998, p.57).

elites tradicionais terem mais tolerância no novo cenário, já que a distribuição da renda também ocorreu “em seu detrimento – e menor propensão a opor-se a algumas reformas empresarias justamente durante os períodos de crescimento mais intenso” (SOLA, 1998, p.57). A afirmação é relevante, principalmente para o caso capixaba. Villaschi dirá que o “boom” industrial dos anos 1970, calcado na grande indústria de base, permitiu ao setor tradicional, notoriamente no setor de alimentos, vestuário e laticínios, se desenvolver e se expandir, principalmente no mercado extra-estadual. Em outras palavras “outros setores têm encontrado no mercado local seu principal objetivo e na competição com marcas nacionais e internacionais neste mercado o mais importante fator dinamizador de suas respectivas estratégias competitivas” (VILLASCHI, 1999, p.22). Em resumo, observa-se que a industrialização capixaba atendeu aos interesses do setor moderno da economia e do tradicional, permitindo a expansão das atividades econômicas locais a outras regiões do Brasil.