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PARTE II – PANORAMA DA ESQUERDA NO BRASIL E A

CAPÍTULO 3 FRAGMENTAÇÃO DA ESQUERDA: PARTIDOS

3.1 INTRODUÇÃO

Os anos 1960 marcaram um período de forte fragmentação na esquerda e, portanto, de fim do monopolitismo pecebista, pois, até aquele momento, o Partido Comunista tinha praticamente o monopólio da representação dos comunistas do Brasil. Mas, com o golpe de 1964, uma série de outras organizações são formadas como alternativa a este partido.

Este processo foi desencadeado por uma conjunção de fatores. Gostaríamos de destacar três deles.

Primeiro, a derrota política da esquerda e das possibilidades de reformas de caráter democrático foram atribuídas, pela maior parte dos comunistas, à incapacidade do PCB em avaliar a situação objetiva e de propor ações que pudessem travar o movimento golpista. A insistência em uma aliança com a burguesia seria uma das maiores demonstrações desta incapacidade. Outro sinal de debilidade do Partido Comunista era visível no fato de que a ascensão de um governo militar, sustentado por um amplo movimento popular, em especial a classe média, representou a mais absoluta surpresa para os pecebistas.

Para termos uma ideia dos erros de avaliação cometidos pelo PCB, basta lembrarmos que diante de algumas vitórias do movimento popular “democrático”, com greves, pressão sobre o parlamento para aprovação de medidas consideradas progressistas etc., o partido, que estava na linha de frente destas movimentações, superestimou sua influência a ponto de afirmar, nas palavras de Luís Carlos Prestes, que “os comunistas estavam no governo, mas não eram governo”.

Meses depois os militares tomam o poder de assalto.

Antes de prosseguirmos com os fatores que determinaram a desagregação da esquerda pós-64, gostaríamos de fazer duas observações acerca deste ponto.

I – Acreditamos que, de fato, a linha política do PCB não correspondia, naquele instante (início dos anos 1960), às necessidades do movimento dos trabalhadores colocadas pela realidade objetiva. E, neste ponto, concordamos com Mazzeo, quando aponta que,

[...] a linha implementada pelo PCB, de caráter democrático-reformista – que, em sua concepção,

deveria estar sendo desenvolvida juntamente com outros segmentos sociais, e com frações da burguesia – objetivamente, obstaculiza qualquer tentativa de construção de espaços políticos populares que permitissem a desarticulação do polo autocrático-burguês, na medida em que, segundo essa visão, as tarefas democráticas deveriam estar sendo capitaneadas não pelo proletariado, mas pela burguesia “progressista” (MAZZEO, 1999, p. 140).

Aqui chegamos ao segundo ponto.

II – Não concordamos com a ideia de que os erros da esquerda, sobretudo do PCB, foram os principais responsáveis pela vitória dos golpistas em 1964. Ao contrário, entendemos que determinações objetivas relacionadas ao processo de reprodução do capitalismo mundial, somadas a uma necessidade de “reordenamento da dominação política burguesa” no âmbito nacional, estão na raiz da ascensão do governo militar instaurado no Brasil. Segundo Coutinho, “esse regime foi a forma política de que em determinada conjuntura, valeu-se o grande capital (nacional e internacional) para consolidar definitivamente o modo de produção capitalista no país” (COUTINHO, 1992, p. 49).

Por sua vez, Mazzeo, discutindo os problemas enfrentados pela burguesia nacional, afirma que:

As transformações externas do capitalismo mundial e do imperialismo aprofundam ainda mais as dificuldades dessa burguesia, forçando-a a entender que ela não podia reintegrar o Brasil no quadro da economia mundial sem romper também com a utopia da democracia burguesa em um país de tradição colonial – e com a ilusão de um nacionalismo burguês –, dada a subordinação estrutural da economia brasileira aos polos centrais do capitalismo (MAZZEO, 1999, p. 137). Por outro lado, é importante lembrarmos que a fração da burguesia nacional não ligada ao capital externo encontrava-se alijada da participação no poder político no período pré-64. E, por isso, manifestava-se favorável à ampliação dos direitos democráticos. Esta é a base da aliança, defendida pelo PCB, com esse setor da burguesia considerado “progressista”.

Mas, na medida em que a legalidade burguesa abre espaços para uma maior participação popular na vida política do país e, consequentemente, intensifica-se a pressão ao governo (na época J. Goulart) por maiores reformas, a mesma burguesia “progressista” sente- se ameaçada e abandona o governo Goulart. A partir daí, consolida-se o “bloco político burguês” que apoia e torna possível a instauração de um regime autoritário.

Verificamos, então, que mais do que erros de avaliação ou de condução política do PCB as causas do êxito do golpe militar têm suas raízes mais profundas nas necessidades do desenvolvimento capitalista no país.

Para concluirmos nossa análise deste primeiro fator que influenciou a fragmentação da esquerda, é importante colocarmos mais uma questão.

Com os eventos de 1964 e com o descontentamento de muitos comunistas que acusavam a política adotada pelo PCB de “diretista” e a apontavam como uma das causas da fragorosa derrota da esquerda, seguiu-se certa desilusão com o tipo de organização política predominante até aquele instante e com qualquer tipo de discussão teórica. E o que se constatou, a partir de então, foi a propagação de um praticismo com forte viés empiricista9 que caracterizará as formulações teóricas e as ações práticas da esquerda em todo este período.

O segundo ponto importante para a compreensão da desagregação da esquerda foi o impacto das experiências internacionais de luta armada.

China e Cuba tornam-se modelos de ações revolucionárias bem sucedidas. Tenta-se aplicar seus princípios à realidade brasileira. Neste embalo, a luta armada é postulada como único meio de enfrentamento ao capitalismo. E a não consideração deste fato representaria um grave “desvio de direita”.

Por fim, é importante destacar a própria repressão desencadeada pelo regime militar, que praticamente impossibilitava a realização de encontros, reuniões e discussões mais amplas, e obrigando as organizações comunistas a agirem na clandestinidade e em pequenos grupos sem ligações entre si.

Diante de tudo isso, a esquerda socialista foi dividida em grandes blocos no decorrer dos anos 1960/70. Estes, por sua vez, subdividiam-se em uma infinidade de organizações. Havia os que ainda acreditavam que a revolução deveria ser encaminhada a partir das

9 Voltaremos a essa questão mais adiante.

brechas nas estruturas democráticas existentes com o apoio da burguesia nacional, sendo, portanto, uma revolução nacional-democrática conduzida de maneira pacífica.

Outras tantas organizações e partidos surgidos neste período entendiam que somente com a luta armada poderia se chegar à etapa nacional-democrática da revolução.

Alguns, ainda, defendiam a necessidade de se efetivar uma revolução socialista sem passar por nenhuma (ou passando muito rapidamente) etapa de transição. Também para estes grupos o processo revolucionário só poderia ser levado adiante por meio da luta armada.

Há, dessa forma, um embate, uma verdadeira batalha ideológica por corações e mentes dos comunistas, trabalhadores, estudantes etc. entre estas concepções aparentemente antagônicas.

Dentre aqueles que pregavam a luta armada e, com esta intenção, a formação de guerrilhas havia, ainda, uma subdivisão: A) para uns a guerrilha urbana era a mais apropriada para a revolução no Brasil; B) para outros, sob a influência da Revolução Chinesa, o ideal era o cerco das cidades pelo campo; C) já os entusiastas do processo revolucionário liderado por Fidel e Che Guevara queriam aplicar, em solo brasileiro, a concepção do foco guerrilheiro.

3.2 MUDANÇAS NA FORMA; CONTINUIDADE NA ESSÊNCIA