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PARTE I – QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

1.3 CENTRALIDADE DO TRABALHO, ESTADO E POLÍTICA

1.3.2 Trabalho e prática política

Antes de seguirmos adiante, retomemos algumas ideias que foram expostas anteriormente.

Marx e Engels formulam uma nova interpretação para a relação sujeito-objeto. Identificam nela uma determinação reflexiva em que a objetividade ocupa o papel de momento predominante, e apontam para o fato de que somente com a interação entre elas é que o mundo social pode existir.

A articulação interativa entre estas duas esferas do real se dá por meio do trabalho, sendo este, por isso, a categoria ontológica central da sociabilidade humana. Inferiu-se daí que transformações radicais na sociedade apenas podem acontecer na medida em que as relações de produção modificarem-se de forma igualmente radical.

Dessa perspectiva filosófica6 decorre que para a instauração de uma nova forma de sociabilidade (o socialismo) os trabalhadores serão a força política mais importante. Em outras palavras: o postulado da centralidade ontológica do trabalho na realidade social implica a centralidade política dos trabalhadores como principais agentes na

transformação radical da ordem social vigente. A esse respeito lemos nos Manuscritos Econômico-Filosóficos que

[...] a emancipação da sociedade quanto à propriedade privada, à servidão, adquire a forma política da emancipação dos trabalhadores; não na acepção de que somente está implicada a emancipação dos últimos, mas porque tal emancipação inclui a emancipação da humanidade como totalidade, uma vez que toda servidão humana se encontra envolvida na relação do trabalhador com a produção [...] (MARX, 2004, p. 121).

Marx está apontando que os trabalhadores correspondem à única classe que, se libertando, libertará a sociedade inteira. Isso porque o trabalho alienado é a base de toda alienação (desumanidade) existente na sociedade. Quando a vida produtiva do homem for livre e conscientemente dirigida, a alienação deixará de ser uma dimensão presente em todos os aspectos na reprodução social.

Por isso, no Manifesto comunista, tem-se que: “de todas as classes que ora enfrentam a burguesia, só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária”. E, em um pouco adiante, Marx e Engels colocam, ainda: “os proletários não podem apoderar-se das forças produtivas sociais senão abolindo o modo de apropriação que era próprio a estas e, por conseguinte, todo modo de apropriação em vigor até hoje” (MARX; ENGELS, s/d, p. 30).

Também Lênin, em O Estado e a revolução, defende a centralidade política dos trabalhadores no processo revolucionário. Nesse sentido, afirma que: “a derrocada da dominação burguesa só é possível pelo proletariado, única classe cujas condições econômicas de existência a tornam capaz de preparar e realizar essa derrocada.” (LÊNIN, 2007, p. 48). Em outra passagem, diz ainda que:

Em virtude do seu papel econômico na grande produção, só o proletariado é capaz de ser o guia de todos os trabalhadores e de todas as massas que, embora tão exploradas, escravizadas e esmagadas quanto ele, e mesmo mais do que ele, não são aptas para lutar independentemente por sua emancipação. (LÊNIN, 2007, p. 48).

O papel político central do proletariado na superação da ordem social capitalista se deve, exclusivamente, à posição que ocupa no processo produtivo e não a um fator numérico, intelectual, ou de qualquer outra ordem. Assim, os próprios trabalhadores devem tomar o poder político e impor-se como classe dominante, executando assim as tarefas negativas de destruição e dissolução da velha ordem para, só então, eles mesmos realizarem a construção de uma nova forma de produção e reprodução da vida. Só os trabalhadores podem derrubar a ordem burguesa, de maneira consciente, porque são eles que a sustentam com seu trabalho.

Sobre este ponto, afirma Lênin:

O derrubamento da burguesia só é realizável pela transformação do proletariado em classe dominante, capaz de dominar a resistência

inevitável e desesperada da burguesia e de organizar todas as massas laboriosas exploradas para um novo regime econômico. (LÊNIN, 2007, p. 49, grifo do autor).

Vemos que o autor afirma a necessidade de tomar o poder político, mas indica como horizonte a ser considerado, de forma prioritária, a construção de um “novo regime econômico”. Só dessa maneira é possível instaurar efetivamente o socialismo. O momento político é necessário, mas não suficiente para tal empreitada.

Nesta ascensão do proletariado à classe dominante, ao poder estatal, vários órgãos políticos podem ser adotados para organizar os trabalhadores nesta trajetória. O partido político é um deles.

Mas o partido que pode conduzir a classe trabalhadora em suas lutas pela emancipação deve apresentar algumas características específicas. Antes de tudo, deve se apoiar nas concepções dos mais importantes teóricos do socialismo, Marx e Engels. Isso porque, em primeiro lugar, estes autores desenvolveram, a partir de uma perspectiva ontológica, toda uma concepção a respeito do ser social, tendo como referência para isso o ponto de vista do proletariado. Em segundo lugar, porque produziram uma explicação dos fundamentos da sociedade capitalista que possibilita conhecer esta formação social em sua essência e, assim, guiar ações práticas que venham a ter algum sucesso em seu interior.

Assim, o partido que pretenda organizar os trabalhadores em sua luta pela superação do capital deve apresentar-se como “instrumento

de mediação política da atividade social conscientemente transformadora, que assume a potência regencial da lógica do trabalho e a este como protoforma de toda prática social.” (CHASIN, 1989, p. 143).

Tal partido, podemos observar, enfatiza a prioridade ontológica da atividade produtiva frente à política. Por isso, não defende, simplesmente, uma transformação social com um conteúdo, uma alma, meramente político. Ao contrário, aponta para o fim da alienação, ou seja, a emancipação humana e a superação da política. Marx e Engels, no Manifesto de 1848, afirmam que a teoria do partido comunista poderia ser resumida em uma frase: abolição da propriedade privada na sua mais desenvolvida expressão – a burguesa. Se considerarmos o texto da Ideologia alemã, em que os mesmos autores propõem que o Estado “só existe por causa da propriedade privada”, entenderemos por que o partido, que tem como horizonte o socialismo, deve praticar “uma política orientada pela superação da política, fazer uma política que desfaça a política, pois seu escopo é a reconversão e o resgate das energias sociais desnaturadas em vetores políticos.” (CHASIN, 1995, p. 369).

Em suma, a organização política que vislumbre a emancipação humana deve ter como fio condutor de suas ações a perspectiva da centralidade ontológica do trabalho e, consequentemente, o reconhecimento da centralidade política dos trabalhadores e a clareza do caráter onto-negativo da politicidade.