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3. Gestão da demanda e as políticas públicas no setor de transportes

3.1. Introdução

A partir da década de 1950, a importância do automóvel particular aumentou consideravelmente para a sociedade. A partir de então, o espaço urbano foi se moldando a ele, sem, contudo, haver controle na distribuição das atividades e nos níveis de adensamento do sistema viário, de modo a garantir os padrões de geração e atração de viagens adequadas (LANDMANN, 1994, apud CRUZ, 2006). A partir da década de 1970, o número relativo de viagens por automóvel cresceu acentuadamente em detrimento de viagens realizadas por ônibus, como consequência da prioridade das políticas de circulação que beneficiavam o transporte individual, que oferece maior flexibilidade e comodidade aos seus usuários, em relação aos meios de transporte coletivos (CRUZ, 2006).

O número de veículos em circulação está aumentando rapidamente, proporcionalmente ao aumento da população, aumento da riqueza, crescimento da atividade comercial, e provavelmente com a influência do estilo de vida internacional, no qual o automóvel é um elemento essencial.

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Na maioria dos países em desenvolvimento, a taxa de crescimento da frota de veículos motorizados apresenta-se de forma acelerada (IEA, 2008b). Com isto, em grandes cidades dos países em desenvolvimento, os tempos de viagem são crescentes e a acessibilidade ao destino dentro de um tempo limite é decrescente (GAKENHEIMER, 1999).

No Brasil, a rápida expansão da frota veicular pode ser justificada por alguns aspectos, como estabilização econômica, mudanças na estrutura social, adoção de um planejamento baseado no transporte rodoviário e falta de investimentos em transporte coletivo (VIANNA et al., 2004).

Como diversos estudos mostram, o crescimento da procura por mobilidade pessoal (carros, principalmente) em cenários tendenciais supera o potencial de redução de GEE através de soluções tecnológicas (WBCSD, 2004; IEA, 2008b; WWF, 2008). As medidas de melhoria da eficiência energética dos veículos geram economia de combustível e trazem benefícios líquidos para os veículos leves da frota. Contudo, o potencial global de mitigação torna-se reduzido, em razão do grande volume de veículos novos vendidos anualmente e também da influência de outras considerações dos consumidores, como motores mais potentes e modelos maiores repletos de “opcionais”. Não se espera, portanto, que as forças de mercado sozinhas, incluindo entre elas o aumento dos custos dos combustíveis, promovam reduções significativas de emissões de GEE no setor de transportes (IPCC, 2007b).

Vários autores enumeram os principais impactos negativos causados pelo amplo uso de veículos automotores em geral em áreas urbanas (BLESSINGTON, 1994; JONES & HERVIK, 1992; MAY, 1986, apud CRUZ, 2006): congestionamentos; acidentes de trânsito; poluição sonora; poluição atmosférica; aquecimento global; degradação da paisagem; degradação da qualidade de vida; desagregação comunitária e rompimento nos relacionamentos sociais; utilização de espaços públicos prioritariamente por veículos; desconforto geral no uso dos espaços públicos pelo pedestre; dentre outros.

Os problemas do uso do automóvel citados anteriormente são agravados pelo fato do automóvel ser o meio de transporte que mais prejudica o desempenho de toda a rede viária. É o

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veículo com menor capacidade de transporte e maior grau de ocupação dos espaços de circulação. Com o aumento da participação dos automóveis no número total de viagens, inicialmente aumenta a densidade de automóveis nas vias principais e, posteriormente, nas vias locais (POYARES, 2000; WOOTTON 1999, apud CRUZ, 2006)26, causando longos congestionamentos. Considera-se que, na maior parte das grandes e médias cidades, a capacidade viária não aumentará o suficiente para suportar os crescimentos atuais da frota de veículos (CRUZ, 2006). Isso ocorre pois os investimentos na ampliação do sistema viário possuem vida útil curta, uma vez que tais medidas atraem cada vez mais automóveis para a nova via (WOOTTON, apud CRUZ, 2006). Desta forma, as condições de tráfego e, consequentemente, o consumo de energia do setor de transportes pode e deve ser mitigada, aplicando-se medidas de gestão da demanda (POYARES, 2000).

A gestão da demanda por transporte engloba uma vasta gama de medidas com o objetivo de promover mudança significativa no modo, horário, rota ou destino final, resultando na redução do número total das viagens realizadas (MAY, 1986 apud CRUZ, 2006).

Envolve medidas de incentivo ao uso do transporte público, em detrimento ao uso ao transporte individual, (WOOTTON, 1999 apud CRUZ, 2006), incluindo medidas de incentivo ao transporte compartilhado e técnicas de restrição ao trânsito (POYARES, 2000). A gestão da demanda envolve também planejamento urbano e o fornecimento de informações e técnicas educacionais (que podem reduzir o uso de carros e promover um estilo eficiente de direção) (IPCC, 2007b). Essas medidas, em conjunto, possuem força suficiente para promover tanto a conservação de energia quanto a mitigação das emissões de GEE e de poluentes do setor de transportes (IPCC, 2007b), além, é claro, de diminuir os congestionamentos (POYARES, 2000).

26 O resultado de uma pesquisa realizada pelo National Travel Survey, do Reino Unido, mostra que famílias que não

têm acesso ao automóvel fazem em média 2,5 viagens por dia, enquanto famílias com um automóvel fazem em média 6,4 viagens. Isto implica a geração de 3,9 novas viagens por família. Quando a família adquire dois ou mais automóveis a mudança é ainda maior, uma vez que a média de viagens sobe para 8,7 por dia. “... parece pouco razoável admitir que as viagens resultantes de novas atividades geradas pela aquisição de um automóvel possam ser absorvidas pelas formas existentes de transporte público. As novas viagens representam 60% das realizas por automóvel e não existiam quando o transporte público era mais eficiente do que no presente” (WOOTTON, 1999

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Muitas das opções de mitigação das emissões de GEE do setor de transportes, analisadas nesse Capítulo, no que tange à gestão da demanda por transportes, estão relacionadas, diretamente ou indiretamente, com uma maior fluidez do tráfego. Isso decorre do fato que, quanto maiores os níveis de congestionamentos, maiores serão os níveis de consumo de combustíveis (em unidade de energia por km percorrido) e, consequentemente, maiores serão as emissões de GEE (MAY, 1986, apud CRUZ, 2006).

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