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O século XIX foi, para o Brasil, caracterizado por eventos políticos, sociais e econômicos de intensidade tamanha que a historiografia sobre o período se estende desde o século XIX até o século XXI. Apesar da vasta historiografia nacional, para a compreensão de onde situo o meu trabalho, destaco a Introdução do livro organizado por Izabel Andrade Marson e Cecília Helena L. de Salles Oliveira, intitulado Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860,

Pode-se considerar que durante muitas décadas a história do Império no Brasil foi pensada a partir de duas grandes temáticas: a revolução liberal, enquanto projeto 'inacabado', e a escravidão, ambas interpretadas segundo paradigmas do ideário liberal constituídos no século XIX e, posteriormente, (re)configurados a partir de tendências políticas diversas pelos intérpretes do país no século XX. Referimo-nos aqui mais precisamente ao argumento 'Antigo regime, feudalismo, latifúndio, servidão, escravidão', que serviu de referência para interpretações matriciais da experiência monárquica brasileira (MARSON; OLIVEIRA, 2013, p. 9).

Segundo as autoras citadas, a historiografia nacional, até meados do século XX, apresenta a história do Império partindo de ideias como uma "herança" latifundiária, monocultora e escravista, justificando assim a dificuldade de se constituir "um liberalismo autêntico" tal como em nações como "Inglaterra, França e Estados Unidos". Elas afirmam que "a partir da segunda metade do século XX", a historiografia mostra novas "leituras sobre a história política do Império", propondo a análise e consideração de novos agentes históricos, partindo de novas fontes ou até mesmo de fontes já trabalhadas."(MARSON; OLIVEIRA, 2013, p. 10).

A partir de tais perspectivas considero importante inserir o manuscrito encontrado no contexto político e social com o qual dialogava. Para tanto, é importante destacar a historiografia atual que trata do período imperial, mas também não descartar completamente as produções historiográficas anteriores por trazerem dados importantes. O manuscrito, apesar de não estar datado e assinado, faz parte da coleção Francisco Adolfo de Varnhagen, do Arquivo Histórico do Itamaraty, e trata de assuntos sobre a administração do Brasil, defendendo a monarquia constitucional. Portanto, um estudo sobre a construção da monarquia constitucional consolidada efetivamente por D. Pedro II, é fundamental para compreender o contexto em que o manuscrito se insere.

a. Da Revolução do Porto ao fim do Período Regencial

Em Portugal em 1814, a derrota napoleônica fez surgir a necessidade de resolver pendências consideradas básicas por parte dos portugueses, como a recuperação do "monopólio do mercado brasileiro e de voltar a fazer da metrópole a sede da monarquia" (BONIFÁCIO, M.; 2010, p. 22). Porém, esta situação não fora logo revertida. Portugal continuava sem a presença da corte portuguesa e sob a tutela de oficiais britânicos. E para completar, D. João VI, elevou, em 1815, o Brasil a Reino Unido de Portugal. Diante desta realidade, Maria de Fátima Bonifácio explica que "Portugal tinha de encontrar forma de voltar a 'impor a supremacia da pátria europeia' e tinha de encontrar novas modalidades de inserção nas relações de comércio internacionais" (BONIFÁCIO, M.; 2010, p. 22).

Em 1820, "conspiradores civis do clube Sinédrio, fundado em 1818 no Porto," (BONIFÁCIO, M.; 2010, p.23) se juntaram aos chefes militares e "anunciaram a formação de uma junta Provisional do Governo Supremo do Reino e a convocação das Cortes para se fazer uma Constituição" (BONIFÁCIO, M.; 2010, p. 23). Encurralado, D. João VI retornou para Portugal. Porém, deixou seu filho, D. Pedro, como príncipe regente, "pelo Decreto de 22 de abril de 1821". A partida de D. João VI, "deu início a um período muito conturbado para o governo do Brasil, que permanecia indefinido, e acentuou impasses político-administrativos no seio do Império português". Em Portugal, apesar de D. João VI jurar a Constituição, "as cortes não reconheciam sua autoridade". No Brasil, "diferentes lideranças digladiavam-se (...) em torno de projetos diferenciados" (BITTENCOURT, 2013, p. 140). Nas palavras de Varnhagen,

(...) os que no Brasil se ocupavam de política se viviam então mui desconformes em opiniões. Em uns predominavam os sentimentos em favor da Monarquia pura, em outros da constitucional, não faltando já alguns que se inclinavam à democracia e republicanismo (...) (VARNHAGEN, 1957, p.77).

As divergências entre os grupos políticos no Brasil se iniciaram por volta de 1820 e se estenderam por todo o século XIX. Ou seja, havia grupos que defendiam a Monarquia pura (sem respeitar uma constituição), outros a Monarquia Constitucional e muitos defendiam a democracia e até mesmo a República. As pressões da metrópole sobre a colônia aumentavam, causando grande insatisfação. Os ideais da Revolução Francesa, da independência das Treze Colônias e dos movimentos de independência carregados de ideais republicanos na América assombravam a elite nacional, temerosa de perder seus privilégios e poder político. Uma manobra política deveria ser feita para garantir uma transição para país independente sem provocar uma revolução.

Em meio à este contexto de divergências, na possibilidade do advento da república e na tentativa de conquistar apoio político, D. Pedro fez uma viagem, passando por regiões em Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Ao chegar em Pindamonhangaba e Taubaté, a recepção que lhe foi dada atestou a força de seu apoio em detrimento de seus opositores. Para Bittencourt, a "chegada de D. Pedro a São Paulo viria a ser lembrada posteriormente como o marco da separação de Portugal, simbolicamente materializado no 'grito do Ipiranga' "(BITTENCOURT, 2013, p. 160). De acordo com Varnhagen, não havia mais outra saída que não fosse a proclamação da independência por parte do príncipe regente e

(...) não tardou nem mais um instante: e passou a lançar, dessa mesma província que depois conceituava de agradável e encantadora, dali mesmo, do meio daquelas virgens campinas, vizinhas da primitiva Piratininga de João Ramalho, o brado resoluto de Independência ou Morte!” (VARNHAGEN, 1957, p. 138).

A parte romanceada na narrativa do historiador que escrevia sobre um personagem seu contemporâneo, com o qual havia lutado lado a lado nas batalhas contra d. Miguel em Portugal quando ainda rapaz e seguindo um projeto de construção de uma história patriótica e de heróis, deve ser cuidadosamente

interpretada. A manobra política havia sido concluída. Nas palavras de Bittencourt (2013, p. 161),

(...) a gênese da Monarquia constitucional no Brasil ainda intriga. Acompanhar a atuação desses grupos em sua relação com D. Pedro revela um intrincado movimento político que afasta, quase que de forma definitiva, a ideia de 'adesismo' ou 'rendição', ou seja, a ideia de que essas forças socioeconômicas tivessem se colocado ao lado do príncipe por temor de que a Revolução constitucional gerasse desorganização social incontrolável ou por mero apego às tradições monárquicas.

Uma aliança era necessária para que se afastasse os ideais republicanos e se mantivesse uma monarquia constitucional sob o poder de um descendente da Casa de Bragança. Essa aliança garantia, naquele momento, que os aliados do príncipe regente pudessem manter seus privilégios, bem como a manutenção de uma tradição monárquica. Esse jogo político é importante para compreender a construção da monarquia constitucional, como diz Bittencourt em sua obra.

Foi criada uma Assembleia Constituinte em 1823 no intuito de elaborar um projeto de Constituição. Sérgio Buarque de Holanda escreve que “a Constituinte era a pátria, a casa comum de tudo o que se forjara de melhor no país e não só nos idos de 21 e 22. Coroava, por outro lado, esse interregno de luta e confiança. Inaugurou-se, contudo, sob o signo da incerteza.” E continua, “tal como nascera, viveria: prestigiada por muitos, desmoralizada por outros.” Acrescenta que, “ao tornar-se imperador, D. Pedro devia jurar a Constituição a ser elaborada pela Assembleia porque somente os representantes eleitos da soberania popular é que teriam o direito de estruturar o Estado” (HOLANDA, 1962, p. 239). Ou seja, a Assembleia estava se formando para que a primeira carta constitucional brasileira fosse elaborada pelos constituintes e jurada pelo imperador.

Na sessão de 3 de maio de 1823 da Assembleia Constituinte, Pedro I fez um discurso aos representantes da nação brasileira. É interessante notar o quão repleto de entusiasmo é seu discurso e que já neste primeiro discurso da Assembleia, a ideia de englobar os interesses de toda a Nação, mostra a preocupação com a integração territorial, projeto político defendido pelos "construtores da nação".

He hoje o dia maior, que o Brasil tem tido; dia, em que elle pela primeira vez começa a mostrar ao Mundo, que he Imperio, e Imperio livre. Quão grande he Meo prazer, Vendo juntos Representantes de quasi todas as Provincias fazerem conhecer umas ás outras seos interesses, e sobre eles basearem uma justa e liberal Constituição, que as rêja! (Diário da Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa do Império do Brasil - 1823, 2003, p.15)

As discussões para a elaboração da carta constitucional de 1824 aconteceram ao longo de meses em 1823. A Assembleia Constituinte aprovou um projeto que viria a questionar o papel do imperador perante as leis aprovadas por ela.

A constituinte, que também era legislativa, jogou a malha longe e acabaria por aprovar um projeto apresentado a 12 de junho, pelo qual as leis de sua autoria dispensavam a sanção do Imperador (HOLANDA, 1962, p. 244).

A Constituinte levantou a discussão sobre o poder do imperador de sancionar ou não leis, colocando D. Pedro I, em um papel secundário na Monarquia Constitucional, o que levou a desconfiança entre o imperador e a Constituinte.

A Assembleia Constituinte não conseguiu estruturar a ordem política, de modo a conciliar, organicamente, o imperador ao país. O soberano, segundo o modelo tradicional de Avis e Bragança, queria ser a cabeça do Estado, defensor de seus interesses e sentimentos, sem a intermediação dos órgãos representativos (FAORO, 1975, p. 289).

No início de novembro de 1823, os irmãos Andradas, representantes da Assembleia, foram acusados pelo imperador de o difamarem nos periódicos dos quais eram redatores. O caos foi estabelecido e no dia 12 de novembro de 1823, o imperador mandou lavrar o decreto de dissolução da Assembleia.

No decreto, dizia o Imperador que, havendo convocado a Assembleia Geral Constituinte e havendo perjurado ao solene juramento, que prestara, de defender a integridade e independência do Império e a sua dinastia, a dissolvia e convocava outra, à qual seria por ele apresentado um projeto de Constituição mais liberal que o elaborado (VARNHAGEN, 2010, p. 269).

O caos instalado no fim do ano de 1823 mostrou o quanto as ideias políticas em desenvolvimento no Brasil eram díspares. A atitude de D. Pedro I, ao dissolver a Assembleia Constituinte foi muito questionada em debates políticos ao longo do século XIX, principalmente, no que dizia respeito aos limites do poder moderador.

A elaboração de um novo projeto estava decretada pelo imperador. Era preciso estruturar o quanto antes um novo projeto de Constituição. No dia 13 de novembro, um novo Conselho de Estado foi formado, "composto dos seis ministros de sua Magestade e de mais quatro membros, todos brasileiros natos. Entre eles o nosso conhecido Carneiro de Campos, a quem se atribui a principal autoria da lei magna" (HOLANDA, 1962, p. 253).

O projeto da Constituição estava pronto e no "dia 20 já estava impresso” (VARNHAGEN, 2010, p. 233-234). O novo projeto foi mais generoso com as liberdades de cultos e foi inspirado no publicista e liberal Benjamin Constant. "Foi seu principal organizador Carneiro de Campos, recebendo de Vilela alguns retoques de redação e modificação da ordem de exposição das doutrinas" (VARNHAGEN, 2010, p. 233-234).

Nesta carta constitucional, a primeira brasileira, inaugurava-se o poder moderador, exercido pelo imperador. Inspirado no poder neutro de Constant, este poder foi motivo de muitas divergências e interpretações diferenciadas. Holanda explica que

(...) a essência dessa doutrina reside na divisão do poder monárquico, isto é, na separação entre uma autoridade régia novamente conceituada e um poder executivo também reformulado. Apenas à medida em que este executivo se destaque da Coroa tradicionalmente abrangente, tanto quanto o legislativo e o judiciário já se tinham destacado no início do século XIX, é que

toma importância a novidade do poder neutro ou moderador. (HOLANDA, 1962, p. 257).

Ou seja, inaugura-se no Brasil o poder moderador, peculiar à Constituição Brasileira. Sobre as responsabilidades dos ministros, o historiador diz que “o poder executivo ou 'ativo' será, pois, exercido pelos ministros e não mais apenas através dele, por isso, e somente por isso, os ministros serão responsáveis pelo governo” (HOLANDA, 1962, p. 257). E sobre as responsabilidades do imperador diz que elas

podem-se resumir em dois itens que se completam: 1o. nomear, e 2o. destituir os representantes de outros poderes. Excetuam-se naturalmente do primeiro item as Assembleias eletivas, que, no entanto, poderão ser dissolvidas pelo monarca; e do segundo item excetuam-se o Senado e os magistrados vitalícios. A sanção das leis e o veto apenas completam aquelas atribuições positiva e negativa (HOLANDA, 1962, p. 257).

Em continuidade de sua analise, na relação entre o poder moderador e o executivo, continua dizendo que

O Imperador exerceria efetivamente o executivo, apenas com assistência obrigatória dos ministros. Como estes é que seriam os responsáveis, entende-se que poderiam recusar-se a acompanhar o monarca. Poderiam ou deveriam demitir-se, nesse caso, e não seriam, portanto, meros agentes passivos, dizem os comentaristas. Sem dúvida, mas também não seriam os representantes do 'poder ministerial' que deveria surgir emanado mas desligado do poder régio, isto é, da pessoa do monarca – para que este pudesse de fato encarnar a neutralidade e a vigilância de um moderador.

O texto constitucional isentava o monarca de responsabilidades e colocava esta responsabilidade nas mãos dos ministros que podiam recusar-se a acompanhar o monarca ou até mesmo demitir-se. As discussões sobre a Constituição, a centralização do poder, o poder moderador, entre outras, estenderam-se por todo o período imperial.

D. Pedro I tomou algumas posturas que foram questionadas, além de dissolver a Assembleia Constituinte em 1823, "envolveu-se numa guerra impopular no rio da Prata para manter a colônia de Sacramento (Banda Oriental) que, afinal, perdeu" e também criou outro impasse, ao "defender o trono da filha, d. Maria II, contra a usurpação do irmão, d. Miguel" (CARVALHO, 2012, p. 84). Juntando estas três situações em que Pedro I se colocou, a oposição ganhou forças em 1831. Então, ainda naquele ano

o Congresso improvisou uma reunião para eleger uma regência trina, composta pelo general Francisco de Lima e Silva, o senador liberal Nicolau Vergueiro e o ex-ministro e conservador Joaquim Carneiro de Campos, marquês de Caravelas. D. Pedro I regressou a Portugal no dia 13 na corveta inglesa Warspite (CARVALHO, 2012, p. 84).

De acordo com Carvalho (2012, p. 87), "a saída do imperador e a ausência de um sucessor dinástico capaz de assumir o trono deram início a um período de grande agitação política". Inaugurou-se no Brasil, o período regencial que duraria de 1831 a 1840. Este período pode ser "dividido em duas partes. A primeira, de 1831 a 1837, correspondeu a vitória do liberalismo moderado" (CARVALHO, 2012, p. 87) e no segundo momento, "de 1837 a 1840, foi marcado pela reação conservadora"(CARVALHO, 2012, p. 87).

Em 1834, a Constituição "foi reformada por um Ato Adicional, votado pela Câmara, que recebera para isso mandato especial dos eleitores" (CARVALHO, 2012, p. 90). É importante destacar que o Ato foi considerado "federalista", na medida que dava maior autonomia para as províncias, apesar dos presidentes continuarem a ser escolhidos pelo governo central (CARVALHO, 2012, p. 90). Porém, para entendermos melhor essa tendência federalista do Ato

com o aumento da participação representativa com a criação das assembleias provinciais (...), é lícito considerarmos que ele acompanhava a reivindicação por maior participativo aos cidadãos. Não os cidadãos médios, mas aos grupos dirigentes que, alcançando maior projeção provincial, precisavam ser acomodados no poder. (...) Diante das sucessivas desvalorizações da moeda

brasileira, o número de votantes e eleitores sofreu um sensível aumento, de modo que a base eleitoral teria passado a compreender um número maior de pequenos produtores, lavradores e trabalhadores urbanos (HORNER, 2013, p. 235).

Entre outras mudanças, o Ato Adicional "também aboliu o Conselho de Estado e retirou da Regência uma das principais atribuições do Poder Moderador, a de dissolver a Câmara". Em contrapartida, foi mantida a "vitaliciedade do Senado" (CARVALHO, 2012, p. 90), agradando a ala conservadora. Também "decretou a eleição popular de um regente único em substituição à regência trina"(CARVALHO, 2012, p. 90), conferindo-lhe, como defendem muitos historiadores, um caráter republicano. Porém, a descentralização política viabiliza "surgimento de um novo tipo de revolta" (CARVALHO, 2012, p. 90), a revolta federalista, algumas populares e outras separatistas.

Em 1835, o regente único havia sido eleito, o liberal Padre Antônio Feijó, que sofreu inúmeras pressões por parte da Câmara e nada podia fazer, pois não podia dissolve-la (CARVALHO, 2012, p. 90). Sofrendo oposição diante de tantas revoltas insurgentes e temendo a fragmentação do país, "Feijó decidiu renunciar. Seu substituto legal, o ministro do Império Pedro de Araújo Lima, futuro marquês de Olinda, era um político experiente vindo do Primeiro reinado (...), era opositor declarado da descentralização introduzida pelo Ato Adicional. Submetendo-se a eleição popular, Araújo Lima foi eleito. Foi o início do movimento que ficou conhecido como regresso conservador" (CARVALHO, 2012, p. 95). Em 1840, os conservadores reagiram e fizeram

aprovar no Parlamento uma interpretação do Ato Adicional que reduzia sensivelmente os poderes dos presidentes de província. (...) Os liberais, temendo outras reformas, tentaram preveni-las recorrendo a uma causa popular, embora mais próxima dos conservadores, qual seja, a antecipação da maioridade do imperador que, pela Constituição, só se daria em 1843. (...) Consultado sobre a antecipação, d. Pedro, então com 14 anos, aconselhado por seu tutor e mestres, concordou. Em meio a grandes festas, a maioridade foi formalmente sancionada pela Assembleia Geral. Em

reconhecimento, os liberais foram chamados ao governo (CARVALHO, 2012, p. 96-97).

Os liberais se mantiveram no poder por apenas um ano. Em 1841, os conservadores assumiram e aprovaram duas leis de caráter centralizador: "a recriação do Conselho de Estado abolido pelo Ato Adicional" (CARVALHO, 2012, p. 97) e a "reforma do Código de Processo Criminal de 1832, considerado excessivamente liberal" (CARVALHO, 2012, p. 97). Os liberais, então, apoiados por frações da Guarda Nacional e proprietários rurais, lideraram revoltas em São Paulo e Minas Gerais. Lutavam por maior participação política e acabaram sendo derrotados por forças do exército. (CARVALHO, 2012, p. 97).

Em 1840, Francisco Adolfo de Varnhagen fez uma viagem pelo interior do Brasil. O historiador defendia que a viagem tinha como um dos objetivos resolver sua cidadania brasileira, que teria sido perdida por lutar no exército português ao lado de d. Pedro contra d. Miguel, entre 1831 e 1834. Varnhagen ficou no Brasil até 1841, mas não conseguiu resolver a questão da cidadania. Apenas em setembro de 1841, saiu o decreto que em fevereiro de 1842 garantiu que o historiador retomasse a cidadania brasileira. Varnhagen conseguiu a demissão do exército português e iniciou a carreira como diplomata brasileiro do Império. Ou seja, o historiador vivenciou a agitação política que surgiu no Brasil entre 1840 e 1842.

O manuscrito que proponho trasncrever neste trabalho defende a centralização do poder nas mãos de um monarca inspirado na Constituição, o que coloca o autor mais próximo das ideias conservadoras. Mas, devido a incerteza de consolidação do poder conservador, visto que entre 1831 e 1837, os liberais estavam no poder, o autor do manuscrito temia que o federalismo reinasse novamente. Acredito que o manuscrito está inserido neste contexto político e foi, provavelmente, escrito entre 1840 e 1842. Considero que Varnhagen apenas o terminou em 1842, após conseguir a cidadania brasileira, pois ao fim do texto, faz a seguinte colocação:

Trabalho modesto, que por- não ser assumpto de brazileiros de parcialidades, é assumpto de Brazileiros, e que por não ter grande brilho porêm sim muita utilidade, se avem com o genuino

espirito do seculo, tão pouco afficcionado á van palestra, como disposto a admit- tir e engrandecer todo esfôrso que con- duza a resultados positivos, especie de culto tributado pelo desengano á verda- de de volta de illusões!12

O historiador defende seu trabalho, atribuindo sua importância por ser assunto de brasileiros. O historiador só escreveria como brasileiro após 1842, quando teve a cidadania restaurada e pode se considerar de fato brasileiro. Varnhagen, como brasileiro, escreveu uma memória defendendo como deveria ser a administração no Império. Porém, não publicou esta obra e a deixou guardada entre seus papeis pessoais. Por que o historiador não a publicou? Talvez não se sentisse ainda intelectual reconhecido entre seus pares? Isso não seria verdade, porque em sua viagem ao Brasil, conseguiu se tornar sócio do IHGB. Acredito que o historiador não publicou a obra, porque não havia mais o "perigo" de regresso ao federalismo liberal dos anos anteriores. A partir de 1842, os conservadores garantem a liderança, não havendo mais nenhuma ameaça liberal aos olhos do historiador.

Sua obra defende a Monarquia Constitucional com a centralização do poder nas mãos do monarca. Portanto, se ele tinha o intuito de ratificar uma posição, diante da ameaça federalista, em 1842 não cabia mais este questionamento. Mas devemos notar que mesmo que a obra do historiador esteja inserida neste contexto e não tenha vindo à luz no período ou mesmo posteriormente, ela dialoga com outras escritas em anos posteriores, como a obra do Visconde do Uruguai. Paulino José Soares de Sousa, o Visconde do Uruguai, faz uma reflexão sobre as questões políticas da época em seu texto Ensaio sobre o Direito Administrativo.

Proponho, a seguir, fazer uma análise comparativa entre esta obra e o

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