• Nenhum resultado encontrado

INTRODUÇÃO

No documento SERGIO LUIZ DA CUNHA (páginas 33-44)

A criança enquanto desenha, canta, dança, conta histórias, teatraliza, imagina, ou até silencia... O ato de desenhar impulsiona outras manifestações, que acontecem juntas, numa unidade indissolúvel, possibilitando uma grande caminhada pelo quintal do imaginário. (DERDYK, 1989:19)

No século XX, já se acreditava que o ponto de partida para a instrução do povo era a educação através da arte, esta expressão foi criada por Herbert Read (1893 - 1968) no ano de 1943 o que quer dizer, segundo Duarte Jr. (2001:12) uma educação

baseada, fundamentalmente, naquilo que sentimos, na verdade, uma educação que partisse da expressão de sentimentos e emoções. Hoje, essa educação através da arte foi abreviada para ensino da Arte3, mas o espírito é o mesmo. A arte possui um papel primordial na formação dos indivíduos, sendo uma ferramenta extremamente eficaz frente à multiplicidade de imagens, sons, gestos, cores, movimentos aos quais estão submetidos. Com a rapidez das informações e o acesso desenfreado às tecnologias é preciso ensinar nossos alunos a decodificarem símbolos e signos novos. Segundo Ana Mae Barbosa, a educação não se trata apenas da transmissão de conteúdos, mas visa

ensinar a aprender. Por esse motivo, a arte é fundamental, pois leva pessoas a aprender a aprender. (BARBOSA, 2000:9)

3

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN – Arte, 1998) propõe um novo marco educacional, ou seja, identificar a área por “Arte” e não mais “Educação artística”. Com isso, a disciplina Arte passa a ser reconhecida como área do conhecimento humano, como disciplina e com seus conteúdos e saberes próprios. Esta terminologia foi adotada pelos elaboradores desses documentos, em referência a área curricular e é grafada em letra maiúscula porque se trata de área de conhecimento.

Para READ, (2001:12) a educação pode ser definida como o cultivo dos modos

de expressão, o que isso quer dizer é que é necessário ensinar a produção em arte, ou seja, que os alunos consigam produzir e criar sons, imagens, movimentos etc.

READ, ainda afirma:

O homem que sabe fazer bem essas coisas é um homem bem educado. Se ele é capaz de produzir bons sons, é um bom falante, um bom músico, um bom poeta; se consegue produzir boas imagens, é um bom pintor ou escultor; se pode produzir bons movimentos, um bom dançarino ou trabalhador [...] (READ, 2001:12)

A educação em nosso país, de um modo geral, tem passado por grandes transformações, a maior delas é a compreensão da diferenciação e da interação entre o processo de ensino e o processo de aprendizagem. Como nos afirma Duarte Jr.:

Isto envolve a conceituação da educação de uma perspectiva mais abrangente que a simples transmissão de conhecimentos. Envolve a consideração da educação como um processo formativo do humano, como um processo pelo qual se auxilia o homem a desenvolver sentidos e significados que orientem a sua ação no mundo. (DUARTE JR, 1994:17)

Vale ressaltar que hoje a aprendizagem está voltada ao desenvolvimento de competências e habilidades a fim de que, tanto o professor quanto os alunos compreendam a busca e a construção do conhecimento. Nesta nova concepção de

ensino e de aprendizagem o aluno é protagonista na construção do seu conhecimento e o professor, um mediador que promove as aprendizagens, considerando as estratégias de aprender, ou seja, os diferentes estilos e ritmos de aprendizagem e o conhecimento prévio já acumulado. Hoje, a concepção que perpassa o ensino vai muito além daquela que o compreende como apropriação de um conteúdo, de uma informação, um conhecimento ou uma atitude. Ensinar implica desenvolvimento, construção, melhoria, sair do senso comum, ir além do avanço cognitivo intelectual, garantir progressos nas questões que envolvem a afetividade, a relação com o outro, o respeito às diversidades, a busca contínua pelo conhecimento.

Dessa forma, a aprendizagem é centrada no aluno. Quando se transfere o foco de atenção do professor para o aluno, há grandes chances de que ocorra uma aprendizagem com maior sentido e abrangência. Sabe-se que a educação sempre será produto da relação entre professor e aluno, porém, nesta concepção, os papéis de cada um são diferentes em relação à construção do conhecimento. É claro que o professor é aquele que ensina, e o aluno quem aprende, mas nada impede que também o professor é aquele que aprende, que divide, que descobre junto, que elabora e produz conhecimento junto com seus alunos.

Outro fator fundamental nesta concepção é a funcionalidade dos conteúdos (fatos, princípios, valores e atitudes), ou seja, o quanto esses conteúdos são significativos e podem ser utilizados nas situações de prática social. A escola, dentro dessa nova concepção, deve proporcionar aos alunos conteúdos e experiências que desequilibrem o que já sabem, (conteúdos previamente organizados ou aqueles que emergem das aulas e projetos) e os instiguem a buscar o que ainda não sabem (ampliação do conhecimento). A arte pode promover o desenvolvimento destas

habilidades e competências e também dos conhecimentos necessários a diversas áreas de estudos.

Já no ensino da Arte, uma das transformações está, em muitos casos, no abandono da concepção da arte como descanso, distração, lazer, ou seja, como mera pausa dos conteúdos tidos como mais importantes.

Hoje já temos a consciência que a arte tem funções muito importantes a cumprir e que favorece ao aluno, relacionar-se criativamente com as outras disciplinas do currículo. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN:

O aluno que conhece arte pode estabelecer relações mais amplas quando estuda um determinado período histórico. Um aluno que exercita continuamente sua imaginação estará mais habilitado a construir um texto, a desenvolver estratégias pessoais para resolver um problema matemático. (PCN-Arte, 1998:19).

A arte só tem significado na escola se tratada enquanto conhecimento.

A Arte é objeto de conhecimento. Através da obra de arte podemos conhecer a leitura de mundo de outra pessoa, com outra história de vida, vivendo outras experiências, outros sentimentos, inserida num outro tempo, num outro lugar, em outra época... Através da obra de arte podemos conhecer como outras pessoas trabalharam com os códigos das várias linguagens artísticas, com as cores, as linhas, as formas, com os sons, os ritmos, as melodias, com os gestos, as palavras, os movimentos corporais,... O confronto entre a Santa Ceia criadas por Leonardo da Vinci e Salvador Dali, com quatrocentos anos de intervalo, são exemplos concretos. (MARTINS, 1992:12)

A arte é também construção de conhecimento, é produto da cultura de determinados contextos históricos, de grupos de pessoas. Pela arte se expressam os sentimentos de um povo, suas visões de mundo, como se organizam, como vivem em seu ambiente e em sua época. É na arte que o homem encontra sentidos, àqueles que não se podem dar de outra forma senão pela própria arte. Portanto, não é lazer, terapia, nem descanso das outras “matérias” do currículo escolar.

A arte tem objetivos, conteúdos e saberes próprios, sendo assim, pode e deve ser uma ferramenta para o trabalho interdisciplinar, pois a interdisciplinaridade garante a interação de duas ou mais disciplinas, ou seja, que os alunos possam utilizar os conteúdos de arte, associados aos de outras disciplinas para resolver um problema concreto, compreender um determinado fenômeno ou período histórico sob diferentes pontos de vista. Tratar os conteúdos de forma interdisciplinar é estabelecer conexões e passagens entre um conhecimento e outro.

É criar condições para que a aprendizagem ocorra de forma motivadora, sem conteúdos estanques e fechados, onde tanto alunos quanto professores tenham liberdade para a seleção de conteúdos que tenham relações mais próximas às suas vidas. A aprendizagem significativa passa por essas questões, onde em cada conteúdo, os alunos se identificam e podem identificar as suas próprias convicções, seus pensamentos e seus conhecimentos. Isso não quer dizer ficar no senso comum, mas sim gerar a capacidade de construir conhecimentos, compreender e intervir na realidade. Propor um trabalho interdisciplinar é partir do pressuposto de que o ensino e a aprendizagem partem de relações dos sujeitos consigo mesmos, com os outros e com o mundo.

Arte não é apenas básico, mas fundamental na educação de um país que se desenvolve. Arte não é enfeite. Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é conteúdo. Como conteúdo, arte representa o melhor trabalho do ser humano. (BARBOSA, 1994:04)

A arte é uma área do conhecimento humano. Tal como a ciência é um conjunto de manifestações simbólicas de uma determinada cultura; é criação e inovação. O ato criador estrutura e organiza o mundo. Contudo podemos afirmar que não existe ciência sem imaginação, nem arte sem conhecimento. Tanto a arte como a ciência são repletas do espírito imaginativo, assim como nos diz o matemático Bronowski:

[...] a arte (e também a ciência) é uma atividade normal da vida humana. O pintor das cavernas não fez nada mais extraordinário quando pintou, do que quando ele ou outro inventou a lança; e as duas proezas do espírito são tão naturais e tão necessárias ao aperfeiçoamento do homem como são queridas e consideráveis [...] Aquilo que o inventor e o pintor estavam a fazer na caverna, era desenrolar o dom do ato inteligente. (BRONOWSKI, 1983:49-50)

Sabemos que a arte é tão antiga quanto a humanidade, sua evolução e sua história estão contextualizadas com a própria história da civilização.

Se o mundo se modifica e se transforma, a arte segue o mesmo processo e caminho. Desde os tempos mais remotos, a arte tem marcado presença em todas as

sociedades e manifestações culturais. O homem pré-histórico, do período Paleolítico Superior4, que desenhou bisões nas cavernas, teve que construir conhecimentos e aprender sobre as técnicas e materiais que utilizou, para comunicar sua idéia. Da mesma forma o ensino da Arte também vem se construindo ao longo da história. São muitos conceitos, crenças e concepções presentes neste ensino. Um deles é que a educação está centralizada nas ciências, ou seja, nas aulas “ditas” mais sérias, como a Matemática, a Língua Portuguesa, e com isso nossos alunos estão com grandes dificuldades de sentir, perceber, refletir, expor e criar idéias, sentimentos e emoções. Tanto a razão quanto a emoção são fatores importantes na leitura sensível do mundo. O trabalho com arte privilegia momentos que envolvem os sentidos, a imaginação, os sentimentos, as idéias e o pensamento humano.

A Educação pode ser o caminho mais eficiente para estimular a consciência cultural de cada indivíduo. Mas, não é só incluindo arte no currículo que se irá favorecer o crescimento individual e transformar o cidadão como construtor de sua própria nação. A questão que nos é colocada hoje, como diz Rubem Alves, é repensar a educação sob

a perspectiva da arte. Educação como atividade estética... (ALVES apud DUARTE JR, 1994:12) Além da presença da arte no currículo escolar é muito importante também refletir e analisar quais as concepções estão por trás desse ensino, ou melhor, como a arte vem sendo ensinada. É necessário refletir sobre a arte como elemento educativo,

4 Paleolítico Superior - a principal característica dos desenhos da Idade da Pedra Lascada é o

naturalismo. O artista pintava os seres, um animal, por exemplo, do modo como o via de uma determinada perspectiva, reproduzindo a natureza tal qual sua vista captava. Atualmente, a explicação mais aceita é que essa arte era realizada por caçadores, e que fazia parte do processo de magia por meio do qual se procurava interferir na captura de animais, ou seja, o pintor-caçador do Paleolítico supunha ter poder sobre o animal desde que possuísse a sua imagem. Acreditava que poderia matar o animal verdadeiro desde que o representasse ferido mortalmente num desenho. Utilizavam as pinturas rupestres, isto é, feitas em rochedos e paredes de cavernas. O homem deste período era nômade. (www.historiadaarte.com.br)

como ela pode contribuir com a formação da sensibilidade humana de forma significadora.

É muito comum observarmos, ainda nos dias de hoje, no espaço das aulas de arte o ensino do desenho geométrico e também o uso da disciplina para a comemoração das festas escolares (juninas, pais, mães, páscoa, natal) ou como livre expressão5.

Uma das funções da arte-educação é fazer a mediação entre a arte e o público. Aqui é preciso abrir um parêntese, de acordo com Duarte Jr.:

arte-educação não significa o treino para alguém se tornar um artista, não significa a aprendizagem de uma técnica, num dado ramo das artes. Antes, quer significar uma educação que tenha a arte como uma de suas principais aliadas. Uma educação que permita uma maior sensibilidade para com o mundo que cerca cada um de nós. (DUARTE JR, 2001:12)

A arte faz parte da vida do ser humano, e seja da forma que for, através dos museus, galerias, exposições, concertos de música, espetáculos, shows, e até mesmo do dia-a-dia de cada indivíduo ou das aulas de arte, é preciso promover a mediação da produção artística e seu público.

A mediação entre arte e público é uma tarefa que, quando criadora, pode ampliar a potencialidade de atribuição de sentido à obra, por um fruidor tornado mais

5 “O método da livre expressão, por exemplo, que a maioria dos nossos professores tidos como

vanguardistas tanto prezam e defendem radicalmente se originou no Child Movement dos Estados Unidos e da Pedagogia Experimental alemã, há quase oitenta anos”.(BARBOSA, 2002:12)

sensível. Como facilitadora do encontro entre arte e fruidor, a mediação precisa ser pensada como uma ação específica. Percebê-la como canal de comunicação permite estudar seu processo, atentando para os ruídos perturbadores, para ênfases desnecessárias ou para a exclusão de aspectos que poderiam tornar esse encontro mais significativo. Não se pode esquecer que mediar implica a presença do sujeito fruidor como um todo. Isso significa não apenas provocar o seu olhar cognitivo, como também conscientizá-lo de todas as nuances presentes na obra ou em sua relação com ela; acima de tudo, promover um contato que deixe canais abertos para os sentidos, sensações e sentimentos despertados, para a imaginação e a percepção, pois a linguagem da arte fala e é lida por sua própria língua. (MARTINS, 1998:76)

Neste sentido, não dá mais para ignorar a importância da arte na vida do ser humano. Assim, a escola tem como função primordial, despertar em nossas crianças interesse e compreensão pela arte, enriquecendo seu entendimento sobre a mesma como objeto de conhecimento. A escola deve tratar a arte de forma equivalente às outras disciplinas do currículo, como trata a língua portuguesa, a matemática, à ciência, pois, segundo Bronowski:

Fazemos muito mal as crianças quando, no ensino, as habituamos a separarem o raciocínio da imaginação, apenas por conveniência do currículo escolar, porque a imaginação não se reduz a explosões esporádicas de fantasia. A imaginação é a manipulação no espírito de coisas ausentes, utilizando em seu lugar imagens, palavras ou outros símbolos. A imaginação é sempre um processo experimental,

quer façamos as experiências com conceitos lógicos quer com a matéria fantasiosa da arte. (BRONOWSKI, 1983:34)

No documento SERGIO LUIZ DA CUNHA (páginas 33-44)

Documentos relacionados