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3. ANÁLISE E COMPARAÇÃO DE DADOS DO INVESTIMENTO CHINÊS NO

3.1 Investimento chinês no mundo

O movimento da internacionalização chinesa é surpreendente, pois o país passou de US$ 1 trilhão em valor acumulado de investimento em pouco mais de uma década. Antes da crise de 2008-2009, o investimento não passou de poucas dezenas de bilhões em apenas alguns países, e após esse período o patamar anual cresce de cerca de US$ 70 bilhões até atingir US$ 177 bilhões em 2017, o recorde da série. Conforme a análise de Gao & Wang (2017) no “China’s Global Investment: Structure, Route And Performance”, em uma análise similar à deste trabalho6, conclui:

The real destination statistics of China’s outward direct investment is different from the official data, and indicates that developed countries/groups such the US and EU are still the main host economies. Besides, the energy sector always dominated China’s outward direct investment during the past decade. The boom of China’s ODI in 2016, dominated by M&A investment, makes China a net investor globally and even in the US and EU. Besides, the

6 Uma análise valiosa da internacionalização chinesa está no livro compilado por Ana

Jaguaribe em 2017, com o título: “Direction of Chinese Global Investments: Implications for Brazil”. Especialmente os quatro primeiros capítulos avaliam a direção e as características do investimento chinês no mundo, e apresentam uma perspectiva ainda mais aprofundada do tema deste trabalho, inclusive pela ótica das finanças e do avanço do renminbi nas operações.

investment went more to “new economy” sectors. (GAO & WANG, 2017, p. 74).

A estratégia de aceleração no pós-crise pode ser percebida tanto no aumento dos fluxos como na diversificação entre as regiões, setores e subsetores. Na tabela abaixo, pode-se verificar a dimensão de investimento em diferentes períodos:

Tabela 3 – Total recebido de investimento chinês por período em milhares de dólares e média anual por período em milhares de dólares

Fonte: The Heritage Foundation (2019). Elaboração própria.

Na fase antes e durante a crise, de 2005 a 2009, a presença das estatais é primordial, e o investimento se concentrou nos setores de energia e metais, e em menor medida, finanças (com aquisições de participação em bancos na África do Sul, Europa e EUA). O foco principal era assegurar segurança energética e de insumos, e ampliar o alcance financeiro e operacional das aquisições. Foram poucas operações, com grande concentração de valores nessas negociações, direcionadas principalmente ao Leste Asiático, EUA e Europa. Grandes operações também foram realizadas na África Subsaariana e no Oeste Asiático nos setores de metais e energia.

Nos anos subsequentes à crise, entre 2010 e 2014, quase todas as regiões experimentam crescimento nos fluxos recebidos de investimento chinês, em especial Leste Asiático, Europa e América do Sul. A entrada de investimento nos setores de metais e energia se aprofunda, porém a América do Sul se torna um dos principais destinos das F&A, em especial nos subsetores de petróleo e energia elétrica, não somente garantindo insumos e energia para a China, como mercado consumidor para as grandes estatais chinesas.

Regiões 2005 a 2009 2010 a 2014 2015 a 2018 Média anual (2005 a 2009) Média anual (2010 a 2014) Média anual (2015 a 2018) Total Geral 172.680 399.890 566.360 34.536 79.978 141.590 Europa 31.730 76.280 234.620 6.346 15.256 58.655 EUA 23.310 53.830 102.860 4.662 10.766 25.715 Leste Asiático 43.020 83.870 99.880 8.604 16.774 24.970 América do Sul 7.980 60.340 43.680 1.596 12.068 10.920 Oeste Asiático 26.250 34.180 36.020 5.250 6.836 9.005 África Subsaariana 21.060 39.890 25.380 4.212 7.978 6.345

América do Norte (exceto EUA) 5.070 40.780 14.310 1.014 8.156 3.578

O Leste Asiático continua sendo um grande receptor nestes dois setores, porém o período inicia a entrada de investimentos para as áreas de logística e transporte, com a inauguração do BRI, consolidando a posição chinesa como líder regional e estreitar as CGV com os países asiáticos. A Europa foi um dos maiores focos de diversificação de investimento e passa a dividir a busca por ativos em indústrias extrativas e com a procura de aumento de valor agregado e conteúdo tecnológico para seus produtos e serviços. Esses movimentos não se iniciam nesse período, podendo ser considerados como parte da estratégia chinesa pelo menos desde os anos 2000, porém são mais destacados nos fluxos de investimento no pós- crise. Como analisado por Nogueira (2012):

A pauta exportadora chinesa total não apenas se tornou mais sofisticada na última década, mas também está agregando mais valor domesticamente. Ao contrário do que sugeria a literatura que trabalhava com dados do início do século XXI, as estimativas mais recentes indicam que o país está ascendendo na hierarquia de agregação de valor, tanto em função da crescente participação das exportações ordinárias em setores e segmentos mais sofisticados, como, em especial, por conta do aumento no valor adicionado das exportações processadas. Segundo Koopman, Wang e Wei (2012), o VA das exportações totais chinesas, que foi de cerca de 54%, tanto em 1997 quanto em 2002, subiu para 60,6%, em 2007. A alta foi puxada pela indústria de processamento, cujo VA passou de 25,4% em 2002 para 37,3% em 2007, e pelo aumento das exportações ordinárias nas exportações totais. (NOGUEIRA, 2012, p. 41).

Após 2015, é inegável a posição de destaque de Europa e EUA como os principais destinos do investimento chinês, contabilizando mais da metade do investimento entre os anos de 2015-2018. A diversificação setorial coloca novas indústrias em foco, com o aprofundamento da estratégia de aumento de conteúdo tecnológico e intelectual nos produtos e serviços e maior integração nas CGV do Leste Asiático, que representa o terceiro maior destino do investimento no período. Setores pouco procurados em anos anteriores passam a receber grandes volumes de investimento, como mercado imobiliário, turismo, entretenimento e tecnologia, principalmente nos países desenvolvidos.

Na classificação setorial, energia sem dúvida é o setor mais importante da estratégia chinesa de internacionalização, com cerca de um terço do total investido no

período analisado. Nos primeiros anos após 2005, o setor energético era mais visado em países em desenvolvimento, com forte participação de investimento greenfield em subsetores de petróleo, gás natural e energia elétrica. Nos anos 2010, a crescente participação de operações de F&A nos EUA e Europa direcionaram a prioridade para grandes empresas do setor elétrico e de energias renováveis, em uma mudança de direção do investimento em segurança energética para a aquisição de ativos estratégicos, de acesso aos mercados dos PD e à tecnologia. A consolidação, por exemplo, dos painéis solares chineses envolve disseminação da tecnologia em mercados maduros, assim como da associação com empresas importantes do setor energético europeu e americano, e que tem sido percebido pela crescente participação dos chineses nas operações de F&A em companhias de energia renovável (BBC, 2018).

Outro setor importante é o de metais, o segundo mais investido. A necessidade de abastecer o intenso processo de urbanização e industrialização na China envolveu quantidades maciças de importação de metais como aço, alumínio, cobre, entre outros, que foram primariamente fornecidos via comércio internacional. Porém, garantir a segurança e estabilidade do fornecimento desses insumos estimulou a internacionalização chinesa nesse setor, e que continua sendo relevante na estratégia. Países em desenvolvimento de todo o mundo foram receptores desse investimento em mineração e metalurgia, porém PD como Canadá e Austrália foram os principais destinos do interesse em F&A no setor, tanto por seus mercados, quanto por sua liderança em tecnologia e inovação na exploração de grandes reservas de recursos naturais. A tabela abaixo demostra o fluxo anual por setor da base CGIT.

Fonte: The Heritage Foundation. Elaboração própria.

Transportes e mercado imobiliário ganharam importância no pós-crise de 2008, com a necessidade de escoar de forma mais eficiente a abundância de produtos manufaturados chineses por meio do investimento no primeiro, e de adquirir ativos imobiliários nos países investidos, principalmente após o estabelecimento do projeto BRI. Os dois setores por vezes se complementam, pois aproximam a China dos países receptores de investimento, tanto pelo escoamento de produtos, quanto na venda de serviços das empresas chinesas, que precisam de novos escritórios e estruturas produtivas nas diferentes regiões investidas.

Outros setores significativos são finanças, agricultura e tecnologia. A compra de participação em bancos e instituições financeiras no mundo inteiro, e principalmente na Europa e EUA, indicam o crescente interesse no setor. O investimento pode estar ligado não só a ganhos financeiros de curto prazo, mas também ao maior poder de acesso à base de clientes e aos principais agentes do sistema econômico do país. A agricultura é representada principalmente pela compra da Syngenta em 2017, porém a empresa está ligada ao estado-da-arte das tecnologias agrícolas, desde a biotecnologia à manipulação genética de espécies

Setores 2005 a 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Total Part.% Total Geral 60.460 56.080 56.140 66.300 69.780 80.060 80.810 102.940 114.960 168.350 177.170 105.880 1.138.930 100% Energia 18.800 22.100 34.480 36.510 36.950 43.040 37.820 28.850 29.490 34.420 21.440 21.090 364.990 32% Metais 15.450 22.220 10.300 11.020 11.000 11.960 7.950 15.430 7.910 5.020 2.830 18.850 139.940 12% Transporte 1.340 6.020 910 5.680 4.150 2.920 2.780 6.240 21.420 15.920 27.440 18.550 113.370 10% Mercado imobiliário 1.450 390 4.880 5.060 3.720 6.000 14.490 16.770 16.410 14.780 13.500 2.120 99.570 9% Finanças 19.470 4.650 3.100 3.030 2.280 2.900 1.020 6.820 12.920 3.080 15.990 7.180 82.440 7% Agricultura 480 340 370 1.580 2.830 3.750 9.640 7.030 2.080 5.610 45.870 2.440 82.020 7% Tecnologia 2.200 1.500 300 1.680 2.440 310 8.390 8.840 22.740 3.270 8.420 60.090 5% Entretenimento 0 100 400 3.170 350 2.110 3.740 22.030 6.900 7.700 46.500 4% Outros 240 350 1.550 970 1.720 900 1.990 1.970 12.250 7.850 11.900 41.690 4% Turismo 0 250 130 2.440 6.500 3.720 24.220 2.420 560 40.240 4% Logística 150 1.610 790 770 800 4.310 330 23.880 100 32.740 3% Saúde 0 360 270 120 980 590 1.420 2.560 5.670 5.370 17.340 2% Químicos 880 1.200 4.190 1.260 620 3.460 730 12.340 1% Utilidades 0 1.120 100 800 730 1.930 110 870 5.660 0%

vegetais, com um alto valor agregado para seus produtos e um alcance mercadológico no mundo inteiro.7

No caso da tecnologia enquanto setor da economia, a entrada mais acelerada no setor a partir de 2014, e coincide com a estratégia de modernização tomando o foco na Europa e EUA. Isso representa um aumento nas operações ligadas às áreas de robotização, automação, tecnologias militares e espaciais, eletroeletrônicos e internet. O aumento da concorrência no pós-2008 em uma economia global com crescimento mais lento incentivou a China a se concentrar cada vez mais em produtos e serviços de maior valor agregado. Uma das formas que possibilitam a maior competição chinesa nesses produtos e serviços é por meio da difusão de padrão tecnológico, que envolve técnicas, sistemas de informação, externalidades de rede com potencial de ampliação e economias de escala/rede. Ao ampliar os mercados para suas companhias, a China intensifica a concorrência pelo padrão tecnológico ao comprar rivais e inundar o mundo com seus painéis solares, seus smartphones, notebooks, máquinas de automação e softwares, entre outros. O investimento contribui tanto para o acesso a mercados, quanto na compra de empresas concorrentes e aproxima os chineses da fronteira tecnológica produzida nos PD.

Outro aspecto a ser considerado na análise do investimento chinês é a forma de ingresso, que se relaciona com os setores mais investidos na região e aos interesses buscados nos países receptores. A seguir, a tabela demonstra a participação de investimento greenfield e não-greenfield por região. A Europa, com pouco menos de um terço de todo o valor investido no período, tem a menor taxa de

greenfield sobre o total: apenas 5%. O investimento greenfield nos EUA, com 16% do

total investido, representa apenas 10% do total. A maioria das operações nessas duas regiões são mais concentradas em F&A, e em menor escala, joint-ventures. Essa participação majoritária de F&A se relaciona com o perfil de setores investidos (alto valor agregado e empresas maduras, em finanças, energia, tecnologia e transportes)

7 Além dessa questão de classificação questionável da Syngenta como empresa de

agricultura, a base do CGIT apresenta outros problemas em relação à sua classificação setorial. Um dos principais é a classificação do setor de metais, que não discrimina a exploração de metais das atividades de metalurgia. Essas questões podem levar a algum subdimensionamento ou sobre dimensionamento setorial. Quando possível, foi destacado estas diferenças no presente trabalho.

e com o interesse buscado na região (acesso a mercados, ativos estratégicos e tecnologia).

Tabela 5 - Tabela 5 - Investimento chinês por região, caracterizado por não-greenfield e greenfield, em US$ milhões

Fonte: The Heritage Foundation. Elaboração própria.

No caso das outras regiões, pode-se considerar dois tipos principais, em que algumas regiões são mais intensas em greenfield, e outras menos. Leste Asiático, América do Norte e América do Sul têm respectivamente 35%, 25% e 26% de

greenfield sobre o total. O Leste Asiático na base CGIT engloba o leste e o sudeste

da região, como Japão e Coreia do Sul, e países ASEAN, como Taiwan e Malásia. Especialmente após a inauguração do BRI, a região tem recebido investimentos em novas plantas, estradas, ferrovias, e outros projetos que aumentam a integração comercial e produtiva com a China, o que aumentou a participação de greenfield na região.

Na América do Norte e do Sul, o interesse em recursos naturais pode não ser percebido pela alta participação de F&A e joint-ventures. No caso da América do Norte, em que só o Canadá tem 89% de todo o valor acumulado, a compra de participações em empresas maduras no setor energético e de metais tem a ver com

Regiões Não-Greenfield (NG) Greenfield (G) Total (NG + G) Part.% de G/Total Part.% no total acumulado Oriente Médio e Norte da África 15.520 19.070 34.590 55% 3% América do Norte 44.860 15.300 60.160 25% 5% África Subsaariana 37.720 48.610 86.330 56% 8% Oeste Asiático 49.060 47.390 96.450 49% 8% América do Sul 83.250 28.750 112.000 26% 10% Leste Asiático 147.620 79.150 226.770 35% 20% EUA 161.990 18.010 180.000 10% 16% Europa 327.120 15.510 342.630 5% 30% Total Geral 867.140 271.790 1.138.930 24% 100%

a intenção de acessar o mercado canadense e a tecnologia de exploração de recursos naturais. Na América do Sul, Brasil, Chile e Peru são os maiores receptores, e o avanço na região se deu em parte pela troca de propriedade de TNC estrangeiras para as grandes empresas chinesas de energia e metais, em que os mercados sul- americanos e o acesso à energia e insumos atraiu o capital chinês para a região.

Nas regiões mais intensas em greenfield, como Oriente Médio e Norte da África, África Subsaariana e Oeste Asiático (que engloba alguns países do Oriente Médio, parte oeste da Ásia, e Rússia), o setor principal é o energético. A exploração de petróleo e gás, e de metais na África, tem levado as empresas chinesas a construir novas plataformas, plantas, e até estradas e ferrovias, principalmente no âmbito do programa BRI. Isso contribuiu para a segurança energética e de insumos, já que as regiões são grandes exportadores para a China. Na próxima seção, será abordado de que forma o BRI surgiu e qual a importância do programa para a análise do investimento chinês.

3.2 O megaprojeto “Belt and Road Initiative” (BRI) e o investimento