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6 – INVESTIMENTO GENÉRICO, UMA QUESTÃO DE POSICIONAMENTO

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 149-158)

Em & % (2006), Maingueneau atenta para a estreita relação que existe entre o posicionamento, a memória intertextual e o investimento em algum gênero; a título de exemplificação, explica que ao

escrever um (gênero poético revelado por . , de Victor

Hugo), Baudelaire, através de sua escolha, explicita sua filiação a Hugo.238 O

pesquisador evidencia ainda que, ao defender um determinado posicionamento, o autor determina que as obras devem investir em certos gêneros e não em outros: “Os escritores naturalistas, por exemplo, não escrevem romances de maneira contigente; seu posicionamento é, na verdade, indissociável do emprego desse gênero.”239

Em sentido estrito, pode&se dizer que o gênero é “um meio para o indivíduo localizar&se no conjunto das produções textuais (…)”240, ou seja,

diferentes modos de expressões textuais possuem organizações discursivas calcadas em certos padrões comunicativos. Assim, todo enunciado se depara, no processo enunciativo, com a inscrição de seu enunciado em um ou mais gêneros, uma vez que “qualquer enunciação constitui um certo tipo de ação sobre o mundo cujo êxito implica um comportamento adequado dos destinatários, que devem poder identificar o gênero ao qual ela pertence. ”241

A escolha de um gênero para um autor, é, portanto, uma forma de se

238MAINGUENEAU, 2006, p. 167. 2397 p. 168.

240CHARAUDEAU, Patrick & MAINGUENEAU. & % . % & . São Paulo:

Contexto, 2004, p. 249.

posicionar no campo literário e a opção genérica determina, de certa maneira, a obra, já que esta se constrói com a consciência da existência de gêneros distintos.

Conhecidos os gêneros aos quais Maupassant se dedicou durante a sua carreira literária, nota&se que o escritor investiu, sobretudo, na produção de contos e crônicas, primeiramente publicados em jornais para apenas depois serem publicados em forma de coletâneas. O que se nota nas crônicas, nas narrativas e nos contos de Maupassant, é que a realidade transposta para o papel se apresenta como um real construído e marcado por situações vividas pelo escritor.

Como apontado no início do presente estudo, Maupassant escreveu mais de cem crônicas, aproximadamente trezentos contos, e apenas sete romances, um volume único de versos e três narrativas de viagem. A disparidade desses números aguçou, portanto, o interesse em refletir acerca do que o teria impulsionado a investir, sobretudo, na produção de contos e crônicas. Assim, serão apresentadas algumas reflexões a partir do que se estudou até agora da trajetória do autor. É preciso esclarecer que para tais reflexões, os dados apresentados no capítulo 4, sobretudo na seção 4.2 intitulada “Maupassant periodista”, foram de fundamental importância. Pensar no investimento de Maupassant em gêneros como o conto e a crônica, portanto, significa pensar em sua carreira de jornalista.

O jornalismo representou para o escritor um bom meio de exercitar sua escrita, além de lhe ter permitido ser conhecido pelo público&leitor da época. Diferentemente de Flaubert, a quem o jornalismo parecia não

agradar, Maupassant parece ter tido certa estima pela imprensa, não desprezando nem os jornalistas e nem o próprio jornalismo, como mostra em « La Politesse », crônica publicada em 11 de outubro de 1881, no : « Mais là ou il faut saisir les habitudes de vie d’un peuple, sa manière d’être habituelle, c’est dans la presse quotidienne, qui représente exactement la physionomie intime du pays. »242 Gérard Délaisement, um dos especialistas

da produção jornalística de Maupassant, afirma que “o romancista, o contador, em Maupassant, é antes um cronista”.243

No que diz respeito às suas crônicas, é possível observar que elas apresentam sempre um tema relacionado à atualidade. As peripécias da vida parisiense ou nacional, a morte de uma pessoa importante da época, são exemplos de temas que ofereciam à Maupassant a idéia para escrever uma crônica. Assim, a morte do príncipe Pierre Bonaparte e a lembrança de um episódio de sua vida constituíram a ocasião de escrever sobre o respeito, na

crônica , publicada em 22 de abril de 1881, no .244 Se

Maupassant zombava, freqüentemente, do “parisianismo” ambiente, dos cronistas e dos “boulevardiers”, para os quais não existia nada fora de Paris, ele sabia que seus leitores eram majoritariamente parisienses. O ponto de partida de seus artigos era, não raro, portanto, um acontecimento, “fait divers” ou incidente da vida parisiense.

242MAUPASSANT, Guy de. « La Politesse ». Disponível em

[http://maupassant.free.fr/chroniq/politesse.html] Acesso em 10 de maio de 2008.

243DELAISEMENT, Gérard. ( 5 ( , Paris : Editions Rive droite, 1995,

p. 25. « [...] le romancier, le conteur, chez Maupassant, est d’abord un chroniqueur »

244MAUPASSANT, Guy de. . Disponível em

Analisando a produção de Maupassant, de 1876, ano de sua primeira crônica, até 1891, ano da última crônica publicada, nota&se que até 1880, ano da publicação de 3 6, que lhe deu visibilidade no campo literário, só foram publicadas três crônicas, todas no periódico ! :

" $ , em 22 de outubro de 1876; 1 A D

(assinado por Guy de Valmont), em 22 de novembro do mesmo ano, e

D 6 ) Q#7 D , em 17 de janeiro de 1877 (também assinado

por Guy de Valmont). Foi, de fato, a partir de 17 de abril de 1880, data da

publicação de 3 6, no volume 3 5 (5 , que

Maupassant passou a contribuir regularmente com periódicos da época. Como se pode notar, antes de obter reconhecimento no campo literário francês, Maupassant se posicionou como um jovem escritor ainda inseguro quanto ao seu talento, preferindo não assinar com seu nome verdadeiro, suas primeiras produções.

Em abril de 1880, 3 6 obteve grande sucesso, mas

Maupassant publicou poucos contos nos meses seguintes. Em 1880,

& - A foi o único conto publicado (no período de

trinta e um de maio a dezesseis de agosto) e apareceu no , contendo como principais temas a crítica social e a política. Todavia, o número de crônicas publicadas no mesmo ano, em 1880, passou de dez, sendo que de agosto a dezembro, as publicações foram mensais. Assim sendo, pode&se aventar a hipótese de que nesse ano, Maupassant não investiu massivamente na escrita de contos, justamente porque enquanto cronista, precisava cumprir prazos para a entrega de suas crônicas, não

dispondo, portanto de muito tempo para a produção de contos, que são textos mais complexos, que demandam uma estrutura de maior densidade e intensidade, pois como afirma Massaud Moisés, “cada palavra ou frase há de ter a sua razão de ser na economia global da narrativa, a ponto de, em tese, não se poder substituí&la ou alterá&la sem afetar o conjunto.”245 Retomando

a questão do uso de pseudônimos, apenas a crônica C foi assinada por

'- e não pelo nome verdadeiro de Maupassant. Como

'- é uma expressão que denomina uma das falésias de

Étretat, talvez a escolha por esse pseudônimo tenha sido apenas para dar mais veracidade a sua história, inserindo o autor em uma mesma topografia.

Já em maio de 1881, foi publicada a novela ( 9 , que

segundo o próprio escritor, em uma carta de janeiro do mesmo ano enviada a sua mãe, “c'est au moins égal à 3 6, sinon supérieur.”246

Paralelamente, Maupassant colaborava com crônicas assinadas com seu

próprio nome, no , e também com o , a partir de 29 de

outubro de 1881, mas assinando com o pseudônimo ( 6 + Segundo Monglond, a explicação para o fato de que Maupassant tenha lançado mão do uso do pseudônimo nas colaborações com o , reside no fato de que o escritor já se encontrava comprometido com o , como foi explicitado no início do presente estudo.

De 1881 a 1885, sobretudo, a produção de contos e novelas é consideravelmente grande, o que evidencia a idéia de que após o sucesso de 3 6 Maupassant passou a se dedicar com mais regularidade aos

245MOISÉS, 2006, p. 41.

contos, posicionando&se, então como um escritor de narrativas breves. A partir de 1885, no entanto, sua produção de contos apresenta uma queda significativa, cedendo espaço para a produção de romances. Tais constatações levam a crer que Maupassant teria realizado durante anos uma espécie de de sua escrita, para que pudesse, enfim, se sentir seguro para publicar romances. Em uma carta escrita em 21 de janeiro de 1878, para sua mãe, Maupassant comenta sobre seu projeto de um romance que Flaubert teria elogiado:

Flaubert, par contre, s'est montré fort enthousiaste du projet de roman que je lui ai lu. Il m'a dit : « Ah ! oui, cela est excellent, voilà un vrai roman, une vraie idée. » Avant de m'y mettre définitivement, je vais encore travailler mon plan

pendant un mois ou six semaines.247

Como explicar, então o começo de um projeto de romance & que seria 8 " ? ainda em 1877, no início de sua carreira literária? Como será constatado a seguir, foi preciso que Maupassant interrompesse por diversas razões a escrita desse romance.

Em outra carta a sua mãe, datada de 15 de fevereiro, ele escreve que espera acabar o romance em janeiro de 1879 e talvez até antes, pois sabe que durante o verão não coseguiria avançar muito. Provavelmente se desligaria do seu romance no verão por ser esta estação providencial para um apaixonados pelo mar e pela canoagem, como era Maupassant:

Je travaille ferme à mon roman et j'espère que j'en aurai un bon bout de fait avant l'été ; car tu sais que je n'avance plus beaucoup une fois cette saison arrivée. Enfin, avec beaucoup

247MAUPASSANT, Guy de. Disponível em

[http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=83] Acesso em 15 de abril de 2008.

de retards, je finirai toujours certainement pour le jour de l'an prochain. Et peut&être aurai&je terminé bien avant.248

Já em vinte e um de março, afirma ter interrompido a escrita do

romance para terminar sua #5 :

J'ai interrompu en ce moment mon roman pour finir ma

#5 , à laquelle je travaille avec violence parce

qu'après la publication de la & D il peut

devenir indispensable que je fasse paraître une pièce nouvelle d'ici à 3 semaines ou un mois.249

Em seguida, ele retoma o romance no verão e no outono, chegando ao sétimo capítulo, mas logo depois, foi preciso que interrompesse durante dois anos a escrita, por conta de sua mudança do Ministério da Marinha para o Ministério de Instrução pública, o que lhe custou um aumento de trabalho e, portanto, menos tempo disponível.250 Em treze de janeiro de 1879, já

desanimado, Maupassant escreve a Flaubert: « Je me sépare de plus en plus de mon pauvre roman : j'ai peur que le cordon ombilical soit coupé. »251

Durante a primavera ele retomou o romance e acredita&se que o rascunho tenha, enfim, terminado por volta de maio de 1882.252 Em vinte e sete de

fevereiro de 1883, então, eram publicadas, em forma de folhetim, as primeiras páginas do romance.

Ainda que tenham existido todas essas interrupções, não se pode negar que esta longa espera para a publicação do romance propiciou a

248MAUPASSANT, Guy de. Disponível em

[http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=a&num=87] Acesso em 15 de abril de 2008

249MAUPASSANT, Guy de. Disponível em

[http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=89] Acesso em 15 de abril de 2008

250Cf. MONGLOND, + ., p. 183.

251MAUPASSANT MONGLOND, . 252Cf. .

Maupassant a possibilidade de exercitar e melhorar cada vez mais a sua escrita. Contudo, poder&se&ia afirmar que Maupassant, mesmo consciente do sucesso que obteve com os seus contos, menosprezava esse gênero em detrimento do romance? Esta foi uma das principais perguntas que nortearam a pesquisa, uma vez que, à medida em que ia tendo acesso aos seus textos e suas cronologias, constatava que foi realmente apenas no fim de sua carreira que Maupassant se dedicou ao gênero romanesco. Para tentar respondê&la, portanto, lanço mão das palavras do próprio escritor, em uma carta escrita em 1891, a um diretor de revista não identificado:

Mon cher confrère,

Depuis que j'ai vu M. de Fleury, j'ai réfléchi et je me suis absolument décidé à ne plus faire de contes ni de nouvelles. C'est usé, fini, ridicule. J'en ai trop fait d'ailleurs. Je ne veux travailler qu'à mes romans, et ne pas distraire mon cerveau par des historiettes de la seule besogne qui me passionne. Je pourrai vous donner, lorsque l'œuvre à laquelle je travaille depuis deux ans sera terminée, quelques récits de voyage mouvementés.

J'ai reçu des masses de propositions. Je n'ai rien accepté. Tout travail futile m'assomme.

Je vous donnerai aussi des physionomies peu connues de Bouilhet et de Tourgueneff. Mais je veux absolument vivre tranquille en ce moment et je quitte Paris pour cela...253

A partir do que nos esclarece Maupassant, a resposta parece ser afirmativa: sim, Maupassant, ao final de sua carreira literária, se mostra cansado da produção de contos e novelas, admitindo já ter escrito demais, além de considerá&los como “historinhas” que o distraíam e acreditar ser rídiculo continuar a se dedicar a esse gênero de narrativas curtas. Ao afirmar que não deseja mais “distrair” seu cérebro com essas historinhas,

253MAUPASSANT, Guy de. Disponível em

[http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=728] Acesso em 15 de setembro de 2008.

Maupassant se posiciona como um escritor que acredita ser o gênero romance um gênero sério, diferentemente do conto e da novela, os quais chega a considerar “fúteis”.

Na verdade, ao se estudar a estética de Maupassant, fundada na busca pela produção de um texto revestido de verossimilhança, capaz de dar ao leitor uma idéia precisa da vida, constata&se que, de fato, a crônica e o conto são os gêneros que melhor corresponderam às ambições financeiras do escritor, no início. No entanto, no final de sua carreira literária, já estabilizado financeiramente e detentor de um significatico capital simbólico, Maupassant passou a investir no que considerava um gênero sério, o romance.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 149-158)