UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Marianna Fernandes de Vasconcellos
MAUPASSANT ENTRE JORNALISMO E LITERATURA
MAUPASSANT ENTRE JORNALISMO E LITERATURA
Marianna Fernandes de Vasconcellos
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós&Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Literaturas de Língua Francesa).
Rio de Janeiro Fevereiro de 2009
Maupassant entre Jornalismo e Literatura Marianna Fernandes de Vasconcellos
Orientador: Professor Doutor Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina.
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós&Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Literaturas de Língua Francesa).
Examinada por:
Presidente, Prof. Doutor Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina
Profa. Doutora Celina Maria Moreira de Mello – UFRJ
Profa. Doutora Maria Cristina Batalha – UERJ
Prof. Doutor Irineu Eduardo Jones Corrêa – F.B.N, Suplente
Profa. Doutora Sonia Cristina Reis – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro
Vasconcellos, Marianna Fernandes de.
Maupassant entre Jornalismo e Literatura. /Marianna Fernandes de Vasconcellos. Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Letras, 2009.
xi, 155f.; 31 cm.
Orientador: Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina.
Dissertação (Mestrado) – UFRJ/Letras/Programa de Pós&Graduação em Letras Neolatinas, 2009.
Referências Bibliográficas: f. 156&161.
Aos meus pais, Ariel e Fernanda, ao meu irmão Leonardo e aos
familiares mais próximos, pela dedicação e apoio constantes nos momentos
mais difíceis e pela confiança que depositaram em mim, dando&me forças
para seguir em frente.
Ao meu noivo João Paulo, pela paciência, pela força e pelo
companheirismo de sempre em todos os momentos.
Aos amigos de pesquisa Marcelo, Edmar, Fernanda e Sabrina por se
mostrarem sempre dispostos a ouvir e discutir questões referentes à minha
pesquisa e, principalmente, por serem amigos presentes.
Ao meu orientador, Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina, por ter me
apresentado o universo da pesquisa, por ter me incentivado de maneira
incansável e constante a não desistir frente às dificuldades que, por vezes,
insistiram em aparecer, pelas leituras sempre atentas dos meus textos e,
sobretudo, pelo empenho admirável em cada orientação.
À Professora Celina Maria Moreira de Mello, pela riqueza de
conhecimentos, pelas indicações de leitura sempre pontuais e preciosas, por
se mostrar sempre solícita e, principalmente, pelas inúmeras palavras de
encorajamento nos momentos mais difíceis.
À Noëlle Benhamou, doutora em Letras, professora na Universidade de
Picardia, França, responsável pelo sítio da revista eletrônica francesa
Maupassantiana, por ter sido meu contato junto à comunidade de
especialistas da obra de Maupassant, desde abril de 2006, facilitando o
À Biblioteca Nacional, ao Real Gabinete Português de Leitura, à
Biblioteca da Maison de France, às Bibliotecas da Faculdade de Letras da
UFRJ e da UFMG, pelo acesso a inúmeras obras importantes e, por vezes,
raras.
À CAPES, pela bolsa que foi muito importante para o custeamento dos
« Qui peut se vanter, parmi nous, d’avoir écrit une page, une phrase qui ne se trouve déjà, à peu près pareille, quelque part ? »
Vasconcellos, Marianna Fernandes de.
Rio de Janeiro, 2009. Dissertação. (Mestrado em Letras Neolatinas, área de concentração Estudos Literários Neolatinos, opção Literaturas de Língua Francesa) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, 2009.
Vasconcellos, Marianna Fernandes de.
Rio de Janeiro, 2009. Dissertação. (Mestrado em Letras Neolatinas, área de concentração Estudos Literários Neolatinos, opção Literaturas de Língua Francesa) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, 2009.
À la lumière des concepts de « trajectoire » et de « champ », du sociologue Pierre Bourdieu et surtout, du concept de « positionnement » proposé par le linguiste Dominique Maingueneau, on examine la trajectoire et le positionnement de l’écrivain français Guy de Maupassant, dans le champ littéraire français de la deuxième moitié du XIXesiècle. On discute le rapport
SUMÁRIO
1 – INTRODUÇÃO ...1
2 – BIO/GRAFIA DE GUY DE MAUPASSANT...5
3 – MAUPASSANT E SUA OBRA ...16
3.1 – A poesia e o teatro ...20
3.2 – O conto e a novela...28
3.3 – A crônica, o ensaio e o prefácio ...39
3.4 – A narrativa de viagem ...48
3.5 – O romance...56
3.6 – A correspondência...64
4 MAUPASSANT, CARREIRA E POSICIONAMENTO ...74
4.1 – Guy de Maupassant e sua trajetória... 80
4.2 – Maupassant periodista ... 85
5 – MAUPASSANT E O NATURALISMO ...99
5.1 – A relação entre Maupassant e Émile Zola ... 105
5.2 – e o Prefácio de ... 119
5.3 – O Naturalismo e seus diferentes gêneros ... 128
6 – INVESTIMENTO GENÉRICO, UMA QUESTÃO DE POSICIONAMENTO...139
7 & CONCLUSÃO ...148
8 & REFERÊNCIAS...156
1 – INTRODUÇÃO
A presente Dissertação de Mestrado resulta de uma pesquisa que se
iniciou ainda durante os primeiros anos do curso de graduação em Letras
Português&Francês, na UFRJ, e cujo objetivo inicial visava, através de um
estudo comparativo, analisar as técnicas descritivas em dois textos de Guy
de Maupassant: a crônica , publicada em 1880, no
periódico francês e a narrativa de viagem , escrita em
1882 e publicada dois anos mais tarde, no periódico francês ! "
" , em janeiro de 1884, segundo informações obtidas na coletânea de
narrativas de viagem # $ (1997).
Embora certas passagens presentes em tenham
sido retomadas por Guy de Maupassant em , aventava&se a
hipótese de que as diferenças genéricas (o primeiro sendo uma crônica e o
segundo, uma narrativa de viagem) e o perfil dos dois periódicos teriam
contribuído para a determinação da importância (caráter qualitativo) e da
extensão (caráter quantitativo) das passagens descritivas nos dois textos que
apresentam como tema central a região da Bretanha.
Contudo, ao longo da pesquisa, descobri que, na verdade, a narrativa
de viagem não havia sido publicada, originalmente, na ! " " , em
1884, e sim no próprio , fato que invalidava parcialmente a
hipótese. Ao mesmo tempo, na busca por informações relacionadas ao
, foi possível notar que Maupassant, além de ter se consagrado como
literato, também teve uma rica trajetória jornalística, já que grande parte de
colunas de jornais ou revistas e, somente depois, em forma de livro.
Mediante essa constatação, fortaleceu&se, portanto, o interesse em estudar a
relação de Maupassant com a literatura e o jornalismo.
Houve, então, uma alteração na base da pesquisa: se antes o objetivo
centrava&se em um estudo comparativo das técnicas descritivas dos dois
textos escritos por Maupassant e pertencentes a diferentes gêneros, a partir
daquele momento, o foco da pesquisa passava a ser a trajetória de
Maupassant no campo literário francês da segunda metade do século XIX,
marcada tanto pela literatura quanto pelo jornalismo.
Assim, visando um conhecimento mais amplo da vida de Maupassant
e de sua relação com a sua própria obra, apropriei&me, no capítulo 2 desse
estudo, do conceito de bio/grafia, proposto pelo analista do discurso
Dominique Maingueneau, em % (1995), atualizado
em & % (2006). Já sobre as informações referentes à biografia
de Maupassant, foram essenciais o “Quid de Guy de Maupassant” dirigido
por Dominique Frémy e com a colaboração de Brigitte Monglond e Bernard
Benech, na edição de ' ! " (1988) e o artigo !
( (1933), de René Dumesnil.
No capítulo 3, ainda orientando&me pelos pressupostos teóricos de
Dominique Maingueneau, retomo algumas de suas principais questões
levantadas em & % : a problemática da enunciação e a
necessidade de se distinguir as três instâncias enunciativas denominadas
pelo pesquisador de , e ; as noções de , )
se falar em ), , parece ser inevitável que se fale dos gêneros
do discurso, proponho uma divisão de seis seções, através das quais
procurei dar conta das produções de Maupassant, desde o início de sua
carreira, quando escrevia apenas poesias e peças de teatro, até a fase final
da mesma (quando escreveu, sobretudo, romances), passando pelo conto e a
novela, a crônica, as narrativas de viagem e os prefácios. Também considerei
a correspondência do autor, rica em pistas para entender sua trajetória.
Já no capítulo 4, a fim de melhor compreender a relação de homologia
existente entre o texto literário e o espaço social em que é produzido, além
das relações de Maupassant com o campo do poder e com outros literatos de
sua época, como Gustave Flaubert e Émile Zola, lancei mão de alguns
conceitos propostos pelo sociólogo Pierre Bourdieu, como os de - ,
campo e trajetória, presentes, por exemplo, nas obras . /
0 % (1996), 12 % / 3
), (1996) 4 2 (1983). Desse modo, para dar conta da
carreira de Maupassant no campo literário francês da segunda metade do
século XIX, optei por dividir esse capítulo em duas seções: na primeira, são
apresentadas reflexões acerca da trajetória de Maupassant – através dos
estudos de Bourdieu – e de seus posicionamentos – desta vez, sob a
orientação dos estudos de Maingueneau &, e na segunda, tendo em vista a
colaboração de Maupassant com os periódicos de sua época, optei por
analisar a trajetória do escritor enquanto jornalista.
No capítulo 5, baseando&me nos estudos de David Baguley em
estética naturalista de Maupassant. Este capítulo constitui&se de três
seções: na primeira, abordo a relação pessoal e profissional entre
Maupassant e Émile Zola; na segunda, procuro dissertar acerca de dois
textos importantes desses autores, 5 (1880), de Zola e
o prefácio ao romance , intitulado (1888), de
Maupassant, a fim de marcar as diferenças entre os princípios estéticos dos
dois autores; já na terceira seção, a partir das questões vistas na seção
anterior e fundamentando&me nos estudos de Baguley, proponho algumas
reflexões sobre a estética naturalista de Maupassant, comparando&a com a
de alguns escritores da época.
No que concerne ao capítulo 6, apresento reflexões acerca da relação
existente entre o posicionamento, a memória intertextual e o investimento
genérico do autor, a partir dos estudos teóricos desenvolvidos por
Maingueneau, em & % .
Nesta Dissertação, foram traduzidos para o português os textos
teóricos e fontes a partir dos quais trabalhamos, mantendo os originais em
notas de rodapé. As passagens dos textos de Maupassant mantiveram&se em
francês. No que diz respeito à sua correspondência, apenas as cartas
escritas pelos destinatários de Maupassant foram traduzidas.
Ao final deste trabalho, encontra&se um anexo constituído de dois
quadros: o primeiro refere&se às crônicas escritas por Maupassant entre
1876 e 1891; o segundo aos prefácios que escreveu a diversas obras, no
2 & BIO/GRAFIA DE GUY DE MAUPASSANT
Segundo Dominique Maingueneau, renomado pesquisador da Análise
do Discurso da escola francesa, a biografia de um autor deve ser investigada
utilizando&se “uma barra que une e separa dois termos em relação instável”.2
Dessa maneira, a vida de um escritor pode ser lida através de uma nova
perspectiva %6 “que se percorre nos dois sentidos: da vida rumo à
grafia ou da grafia rumo à vida”.3
Em % (1995), Maingueneau, para explicar o
conceito de bio/grafia, cita Michel de Montaigne, que estabeleceu em seus
um grande envolvimento entre a escrita e a vida. Para Montaigne, a
feitura de seu livro se dá em cooperação com a vida. Assim, afirma: “não fiz
mais meu livro do que meu livro me fez”.4 A formação do nome de um
escritor se dá, portanto, no trânsito entre a vida (bio) e a obra (grafia),
caracterizando, “um envolvimento recíproco e paradoxal”5, que só se resolve
no movimento da criação.
Refletindo um pouco mais sobre este enlace paradoxal entre a vida e a
obra, reconhece&se que a vida do escritor é constituída igualmente por suas
produções, ao mesmo tempo em que estas são marcadas pela existência
pessoal e social, como se observa também no caso de Guy de Maupassant.
Nascido na Normandia, região francesa onde passou a infância e a
juventude, Maupassant escolheu essa região para constituir a 6 de
2MAINGUENEAU, Dominique. % . São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 46.
37 +
muitas de suas histórias. Neste sentido, em um artigo publicado no
periódico francês ( $ , em primeiro de fevereiro de 1933, o
crítico René Dumesnil, afirma ser “uma sorte para um artista se encontrar,
pelo seu temperamento e seu caráter, em tão perfeito acordo com a região da
qual ele vai tirar a substância de suas obras.”6 Com efeito, em grande parte
de seus textos, Maupassant faz alusão aos costumes locais da região de
Caux, situada na Alta&Normandia, uma das vinte e seis regiões
administrativas da França. A história de sua primeira novela se passa,
sobretudo, nos arredores de Fécamp, no País de Caux. Segundo Fernand
Lemoine, “um passeio por essa região permite recriar a atmosfera de 8
# , [...] nada é mais fácil do que reconhecer os lugares em que se passam
seus relatos.” 7 Assim como 8 # , quarto romance de
Maupassant, também se passa na região da Alta&Normandia, mas em Le
Havre.
No que diz respeito aos seus personagens, Dumesnil evidencia que
“são de uma autenticidade que o tempo não atinge”.8 Nobres, burgueses,
camponeses, marinheiros, pescadores, operários e moças com os quais
Maupassant conviveu são descritos como realmente foram vistos por ele, que
6 DUMESNIL, René. « La Normandie de Maupassant », ( $ , CCXLI, 1er janvier 1933, p. 271.
Disponível em [http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k202152q] Acesso em 13 de junho de 2008.
7LEMOINE, Fernand. ( . Trad. José Manuel Ramos González. Pontevedra, março 2006, p. 6. Un paseo por esa región permite recrear la atmósfera de 8 " , […]Nada más fácil de reconocer que los lugares donde se desarrollan sus relatos.”
Disponível em [http://www.iesxunqueira1.com/maupassant/Libros/biografialemoine.pdf] Acesso em 19 de junho de 2008.
não exalta suas qualidades, nem mascara seus defeitos. São trabalhadores
rudes, " " como o herói de 8 ! , ou o personagem Père
Toine que aparece no início do conto 9 . O misticismo não os atormenta;
a religião existe mais como uma espécie de código social e as jovens
camponesas, geralmente, mantêm relações extraconjugais9. O camponês de
Maupassant é ávido por dinheiro, característica que causou, por exemplo,
em $ , o infortúnio do senhor Hauchecorne, que recolhe do chão um
pequeno pedaço de barbante e morre sendo suspeito de roubo; a avareza
também provocou o crime do senhor Chicot em 6: . Outro traço
constante nas narrativas de Maupassant é a desconfiança em relação ao
estrangeiro e ao que é diferente, como é mostrado em , conto em que
Antoine Boitelle se apaixona por uma jovem negra, mas é impedido de se
casar com ela porque seus pais a achavam “muito negra”.10
Ao mesmo tempo em que descreve fielmente o que vê, evidenciando o
aspecto particular e transitório dos homens, Maupassant dá conta dos
temperamentos específicos e inalteráveis da raça, “dá a cada um deles seu
destaque e seu valor geral, humano.”11 Desse modo, ao se conhecer a obra
de Maupassant em sua trajetória, é possível observar que sua região de
origem, com seus hábitos e tradições, sua vida social, são importantes
elementos de sua história pessoal que constituem intrinsecamente suas
novelas e contos. Para construir seu mundo ficcional, Maupassant lança
9DUMESNIL, 1933, p. 288&289.
10 MONGLOND, Brigitte. Notices et notes. In: MAUPASSANT, Guy de. ' " ;<=>?;<<@ et8 # +Paris: Robert Laffont, 1988, p. 249&258.
mão de sua vivência e do que observa, não se distanciando do que lhe é
familiar.
Assim, ciente de que a doutrina estética de um escritor é constituída
ao mesmo tempo em que a obra se faz, serão apresentados a seguir alguns
dados referentes à vida e à carreira de Guy de Maupassant que constituem a
relação do autor com o meio literário em que vivia, determinando, de alguma
maneira, sua Obra.
Nascido em 5 de agosto de 1850, no castelo de Mirosmenil, em
Tourville&sur&Arques, próximo a Dieppe (comuna francesa na região da Alta&
Normandia), Henri&René&Albert&Guy de Maupassant teve sua formação
educacional orientada pela mãe, Laure de Maupassant, que obteve a guarda
de seus dois filhos, Guy e Hervé, após o fim de seu casamento com Gustave
de Maupassant, em 1858. Durante toda a sua vida, Guy de Maupassant
considerou sua mãe a única confidente e conselheira. Laure, dotada de uma
cultura literária pouco comum e apaixonada pela literatura clássica em
especial, percebendo que seu filho se encaminhava para uma carreira
literária, não hesitou em procurar o amigo Gustave Flaubert para saber se o
filho estava no caminho correto. Desde então, Flaubert tornou&se o grande
- literário de Guy de Maupassant.
Em 1863, aos treze anos, Maupassant começa a estudar no seminário
de Yvetot, onde se revolta por se sentir aprisionado; aí comete seus primeiros
poemas. Cinco anos mais tarde, é expulso do seminário e admitido no
Colégio Imperial de Rouen. Em 1872, já adulto, entra para o Ministério da
literários, orientados por Flaubert. Enfim, três anos mais tarde, é publicado
o seu primeiro conto, A5 -5, no . - de Pont&à&
Mousson. Em 1876, quando se instala em Paris, Maupassant é convidado
para participar do grupo de Médan que se constituía em torno do escritor
Émile Zola. Dois anos mais tarde, graças a Flaubert, é empregado no
Ministério de Instrução pública de Cultos e de Belas Artes.
Entre 1880 e 1890 Guy de Maupassant escreveu mais de cem
crônicas12, aproximadamente, trezentos contos, sete romances, três
narrativas de viagem e um volume de versos, obras publicadas, inicialmente,
em colunas de jornais ou revistas e depois, em forma de livro. Observando&se
as datas em que seus contos apareceram nos periódicos como datas
aproximativas de sua criação, percebe&se que o período compreendido entre
1882 e 1884 é considerado o auge de sua carreira, com uma média de
cinqüenta contos escritos por ano. Entretanto, de 1885 a 1890, o que se
verifica é uma redução significativa de sua produção de contos, já que em
1890 foram escritos apenas vinte e cinco.
No que diz respeito aos romances, a produção se deu de maneira
inversa a dos contos, pois se o período entre 1882 e 1884 é o de maior
produção de contos pelo autor, este é também o de menor produção de
romances. Entre 1880 e 1886, Maupassant escreveu apenas os romances
& - A (1880), 8 # (1883) e ?.
(1885), enquanto que, de 1887 até 1890, foram escritos ( ? (1887),
(1888), $ ( (1889), ! ' (1890), AB
C D (1890) A. 5 (1890&1891), sendo que os dois últimos não
foram terminados.13
Em relação às narrativas de viagem, pode&se afirmar que elas foram
escritas na fase final de produção do autor e se resumem a três obras: .
3 (1884), 3 A (1888) e " (1890).
Maupassant também escreveu oito peças de teatro e mais de duzentos
e cinqüenta crônicas, em diversos periódicos, sobre os principais
acontecimentos sociais e costumes da época, e ainda críticas sobre obras de
alguns colegas e salões de pintura. Escreveu ainda onze prefácios14 que
foram, geralmente, reproduzidos nas edições das crônicas jornalísticas.15
Em 1878, Maupassant foi incitado por Émile Zola a colaborar
regularmente com o periódico francês , por ser um bom meio de
obter êxito financeiro, no entanto, conseguiu publicar apenas um texto, em
19 de março de 1878: & D , que já tinha aparecido em
1876, em 5 +16 Além de se dedicar aos contos,
romances e narrativas de viagem, em 1880, incentivado e orientado por
Gustave Flaubert, Maupassant publica & # , livro dedicado a este
último17, no qual reuniu todos os seus poemas escritos até então. Nesse
mesmo ano, era publicada na coletânea 3 5 (5 , editada por
13Segundo François Tassart (criado de quarto de Maupassant, de novembro de 1883 a julho de 1893), AB C D começou a ser escrito em agosto de 1890. No entanto, no fim deste mesmo ano, Maupassant o abandona para se dedicar ao seu último romance,
A. 5 , também inacabado. Cf. MONGLOND, + +, p. 227. 14Cf. ANEXOS.
15Informações obtidas através da revista eletrônica(
[http://www.maupassantiana.fr/Oeuvre/Prefaces.html] Acesso em 12 de junho de 2008. 16Cf. MONGLOND, + ., p. 29.
Georges Charpentier a novela 3 6, que marcou o início do sucesso
de Maupassant, consagrando&o como escritor de contos.18
Até 1885, na primeira fase de sua carreira literária, Maupassant nem
sempre assinava suas produções com o seu nome verdadeiro. Em uma carta
enviada a sua mãe, em 3 de abril de 1879, expõe algumas condições para
assinar os artigos que escrevia em colaboração com alguns periódicos da
época :
Je ne voudrais pas faire des chroniques régulières qui seraient forcément bêtes, je consentirais seulement à prendre de temps en temps un événement intéressant et à le développer avec des réflexions et des dissertations à côté ... Enfin, je ne voudrais faire que des articles que j’oserais signer et je ne mettrais jamais mon nom en bas d’une page écrite en
moins de deux heures.19
No que diz respeito aos pseudônimos, estes apresentavam diferentes
origens. A sua primeira novela, A5 -5, por exemplo, foi assinada
como Joseph Prunier, pseudônimo que teve sua origem em um apelido dado
pelos amigos Léon Fontaine20 e Robert Pinchon21, que conheceu enquanto
estava em Rouen, por volta de 1868.
Já o poema . A , publicado no jornal 5
, em março de 1876, e os contos A 5 e '
6 , publicados na revista ilustrada semanal ( E ,
respectivamente, em novembro de 1877 e setembro de 1878, aparecem
18Em 1901, as Edições Ollendorff publicaram uma coletânea contendo vinte e uma novelas escritas por Maupassant, entre 1883 e 1884, cujo título era 3 6. Cf. MONGLOND,
+ ., p. 115.
19Citado por MONGLOND, + +, p. 28.
assinados por Guy de Valmont, pseudônimo que não apresenta, até hoje,
sua origem determinada. Cogitam&se três hipóteses: os Maupassant teriam o
hábito de chamar o filho mais velho de Valmont; poderia ser uma alusão à
Normandia, uma vez que Valmont é uma região próxima de Yvetot ou ainda
poderia ser uma associação com o herói amoral de & ,
romance epistolar de 1782, no qual o oficial e escritor francês Pierre
Choderlos de Laclos – admirado por Maupassant – analisa de maneira
incisiva o cinismo e a perversidade.
Outro nome fictício adotado pelo autor – talvez o mais utilizado – é
Maufrigneuse, cuja primeira sílaba faz lembrar o seu próprio nome, além de
ser o nome da heroína da obra ' (1839), de Honoré de
Balzac. Geralmente, Maupassant optava por este pseudônimo quando
escrevia para o periódico . Como Maupassant colaborava há mais
tempo com o jornal e assinava seu nome verdadeiro nas
produções nele publicadas, preferiu adotar um pseudônimo para assinar
seus textos de .22 Existe ainda um outro pseudônimo não muito
difundido, mas também adotado pelo autor: Chaudrons du Diable,
empregado na crônica C , publicada em em 20 de agosto de
1880, e cuja origem se associa às falésias de Étretat.
Em janeiro de 1877, Maupassant começou a apresentar alguns
sintomas da sífilis, que se agravaram em 1880. Além de dores de cabeça
intensas e freqüentes, iniciou&se uma paralisia de acomodação do olho
direito. Apesar de todos esses sintomas, continuou a escrever. No entanto,
22Na verdade, também existem quatro contos assinados por Mauffrigneuse que apareceram
em 1891, o quadro de paralisia geral o impediu de dar seqüência à sua
produção. Dois anos mais tarde, em seis de julho, anunciava&se o
falecimento do autor.
Todas essas informações biográficas de Maupassant se mostraram
significativas para a realização desse estudo, já que se pretende
compreender os posicionamentos do autor durante a sua trajetória no
campo literário, a partir da intrínseca relação entre a sua escrita e a sua
vida, que Maingueneau conceituou como bio/grafia.
Em seu livro & % (2006), Dominique Maingueneau se
debruça sobre a complexidade dos processos de subjetivação que atuam na
criação literária, não tendo retomado diretamente o conceito G 6 ,
mencionado acima+ Reafirma que “não se pode justapor sujeito biográfico e
sujeito enunciador como duas entidades sem comunicação, ligadas por
alguma harmonia preestabelecida.”23 Desse modo, propõe que se distingam
três instâncias: a , que se refere ao indivíduo dotado de uma vida
privada; o , designando o ator que define uma trajetória na
instituição literária; e o , que é “tanto enunciador de um texto
específico como, queira ou não, o ministro da instituição literária, que
confere sentido aos contratos implicados pelas cenas genéricas e que delas
se faz o garante”.24 Maingueneau evidencia, ainda, a relação de
complementação que existe entre essas três instâncias, mostrando que cada
uma delas é atravessada pelas outras, “não sendo nenhuma delas o
23MAINGUENEAU, Dominique. & % + Trad.: Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006, p.136.
fundamento ou pivô.”25 Não se pode, portanto, isolar nenhuma dessas
instâncias das outras pois, “através do inscritor, é também a pessoa e o
escritor que enunciam; através da pessoa, é também o inscritor e o escritor
que vivem; através do escritor, é também a pessoa e o inscritor que traçam
uma trajetória no espaço literário.”26
No caso de Maupassant, nota&se que tanto em suas crônicas como em
suas narrativas de viagem, traz&se à cena “a pessoa” – Maupassant enquanto
um jovem normando, apaixonado pela água e pela canoagem, por exemplo –
sem que se oculte “o escritor” – que apresenta uma trajetória no jornalismo,
na instituição literária, marcada pela sua produção de contos, pela sua
filiação ao princípio da observação minuciosa proposta pela estética
naturalista – nem “o inscritor” – o enunciador que demonstra suas
capacidades estilísticas ao lançar mão, por exemplo, de uma escrita simples,
irônica, sem erudição, inscrito numa tradição oral caracterizada pela
delegação da palavra a narradores de segunda instância.
De acordo com Maingueneau, o regime da literatura no qual há esse
entrelaçamento das três instâncias denomina&se " e se alimenta do
regime " , marcado pela impessoalidade, ou seja, há um
distanciamento do sujeito em relação ao seu discurso, evidenciando&se,
portanto, o efeito de objetividade do texto. Esses dois regimes alimentam&se
um do outro “segundo modalidades que variam a depender das conjunturas
históricas e dos posicionamentos dos diferentes autores.”27 ,
257 +
pode&se dizer que, ao longo de sua trajetória, Maupassant criou,
paralelamente, como será apresentado a seguir, produções delocutivas,
como contos, novelas e romances e elocutivas, como narrativas de viagem,
3. MAUPASSANT E SUA OBRA
A principal proposta desse capítulo é apresentar de maneira
panorâmica a Obra de Maupassant, levando&se em conta os gêneros
discursivos aos quais se dedicou, a fim de apontar o seu caráter
multifacetado.
De acordo com Maingueneau, em & % , a de um
autor é “a trajetória de conjunto em que cada obra singular assume um
lugar”28 e se caracteriza por associar dois espaços considerados
indissociáveis, mas que não se encontram em um mesmo plano: o )
* e o ) .29 O espaço canônico alia&se, em geral, ao
regime denominado " , “em que o autor se oculta diante do mundo
que instaura”; trata&se de um regime “dominante, mas [...] constantemente
afetado pelo regime elocutivo”.30 Já o espaço associado alia&se,
principalmente, ao regime “ " no qual “o inscritor”, “o escritor” e “a
pessoa”, conjuntamente mobilizados, deslizam uns nos outros”.31 Não se
trata, contudo, de “um espaço contingente que se somaria a partir de fora ao
espaço canônico”32. Portanto, há uma permanente negociação entre os
espaços, que se dá em função de cada obra.
As fronteiras entre ) * e ) não podem ser
definidas previamente.33 No entanto, podemos relacionar textos
28MANGUENEAU, 2006, p. 143. 29Cf. 7 .
30Cf.7 p. 139. 317 .
327 , p. 144.
autobiográficos, relatos de viagens, diários, prefácios e correspondências ao
regime elocutivo e ao espaço associado, enquanto que romances, contos e
novelas, pertenceriam ao regime delocutivo e constituiriam, em grande parte,
o espaço canônico da literatura francesa do século XX.
Ao estudar, de maneira geral, a produção de Maupassant, em que se
incluem poesias, peças de teatro, contos, novelas, crônicas, prefácios,
narrativas de viagem, romances e correspondências, nota&se a existência
dessa fronteira 6 & renegociada a cada momento da trajetória &, entre
esses dois espaços que formam a Obra. Há ainda o entrelaçamento das três
instâncias – o inscritor, o escritor e a pessoa – e a dificuldade, portanto, em
se “dissociar as operações enunciativas mediante as quais o
discurso e o modo de organização que ao mesmo tempo o
pressupõe e estrutura.”34 Assim sendo, como lembra Maingueneau, deve&se
observar, ao se construir uma cena de enunciação, a existência de uma
sustentação mútua da legitimação do dipositivo institucional, dos conteúdos
manifestos e da relação interlocutiva.35
Genette considera tudo que envolve o livro, Maingueneau se refere apenas aos textos atribuídos ao próprio autor. Assim, um prefácio escrito por uma terceira pessoa não entra na categoria proposta por Maingueneau. Genette, por sua vez, intitula “índices paratextuais”, os elementos que, em uma obra publicada, mesmo sem pertencerem ao texto em si, cercam&no e contribuem para a sua identificação. Dentre estes índices paratextuais, no caso particular de Maupassant, destaco o título, que em sua grande parte, tanto nas crônicas como nos contos, nas novelas e nos romances, apresentam uma função metalingüística, já que logo de início, trazem a identidade do texto, remetendo ao seu tema. Assim, a título de exemplo, temos a crônica que remete à região da Bretanha, uma vez que o termo “korrigan” designa, na região, os espíritos malfeitores, a novela 3 6, que apresenta como protagonista uma mulher gorda, o conto ! ! H, cuja trama se passa em uma noite de Natal, o romance8 " , que nada mais é que a história de vida de Jeanne, ou ainda o romance cuja trama gira em torno dos irmãos.
Para a Análise do Discurso, a noção de ), é associada
à noção de ), ), . Contudo, ao se falar de
), , parece ser inevitável que se toque na questão dos gêneros do
discurso, uma vez que cada gênero determina um espaço socialmente
instituído e, em sua dimensão constitutiva, instaura seu espaço de
enunciação de acordo com o discurso que será colocado em cena. O gênero
discursivo caracteriza&se por uma , e cada cena requer uma
dramaturgia específica. Assim, a cena não pode ser concebida como um
quadro simples previamente construído do qual emerge o discurso; deve ser
entendida como constitutiva do discurso.
Em & % , Dominique Maingueneau propõe uma análise
da cena de enunciação em três cenas distintas:
5 e 6 +36 A , comumente entendida como um
(político, religioso, literário, publicitário, etc.), é a cena que
sinaliza um estatuto pragmático ao gênero de discurso de onde provém o
texto; a 5 define&se pelos gêneros do discurso e a 6 é a
cena com que o co&enunciador se depara em primeiro plano, já que as cenas
englobante e genérica são deslocadas para o segundo plano.
Ainda no que diz respeito à 6 , esta não é imposta pelo gênero
do discurso, mas instituída pelo discurso, que a determina logo no início e,
no seu desenrolar, busca justificá&la em seu dispositivo. Assim, a 6
é considerada a gênese e a finalidade do discurso; legitima e é legitimada no
e pelo discurso que, por sua vez, estabelece sua 6 específica. Como
evidencia Maingueneau, a 6 não é tão&somente um cenário onde o
discurso aparece no interior de um espaço já construído e independente
dele; ela é a enunciação que, ao se desenvolver, constitui progressivamente –
e paradoxalmente – o seu próprio dispositivo de fala; a cenografia é “[...] ao
mesmo tempo fonte do discurso e aquilo que ele engendra; ela legitima um
enunciado que, por sua vez, deve legitimá&la estabelecendo que essa
cenografia onde nasce a fala é precisamente a cenografia exigida para
enunciar como convém.”37
Maingueneau explicita ainda que a 6 implica em um
momento específico (cronografia) e em um lugar específico (topografia) de
onde o discurso emerge. A determinação da identidade dos parceiros da
enunciação está em estreita ligação com a definição de um conjunto de
lugares (saberes partilhados e mundos possíveis) e de momentos de
enunciação (instante da interação). Dentre as três cenas, a cenografia
aparece como a cena de enunciação mais propícia aos investimentos de
criação do discurso. Trata&se de uma dimensão criativa, na qual se forma o
simulacro de um momento, de um espaço e dos papéis sociais conhecidos e
compartilhados culturalmente.
A partir desses conceitos desenvolvidos por Maingueneau, surgiram,
portanto, algumas reflexões que serão desenvolvidas nesse estudo: haveria
diferença entre o Maupassant que assinava suas produções e o que lançava
mão do uso de pseudônimos? No caso específico de Maupassant, o que faria
parte do espaço associado e do espaço canônico?
3.1 – A poesia e o teatro
O teatro e a poesia foram os primeiros gêneros literários a que Guy de
Maupassant se dedicou. Segundo informações obtidas em uma edição
especial dedicada a Guy de Maupassant da revista francesa ( 1
5 , desde pelo menos 1868, ele já escrevia poemas narrativos, em
geral voltados para a temática amorosa, não raro entremeados de diálogos e
cuja forma é na maioria das vezes clássica, em versos alexandrinos.38 Uma
pequena parte desses poemas foi reunida no volume de estréia do autor,
intitulado & " , de 1880, dedicado a Gustave Flaubert; outros ficaram
dispersos.
A poesia de Maupassant recebeu o incentivo de Louis Bouilhet, poeta
morto em 1869, também amigo de Flaubert. A redação nesse gênero seria
abandonada por Maupassant, sobretudo a partir de 1880, quando começou
a escrever e publicar seus contos com maior freqüência. Há também uma
justificativa da mãe de Maupassant, Laure, de que ele teria deixado a poesia
para se dedicar à prosa devido à morte do primeiro mestre e à influência
literária, de maior peso, do segundo: “Se Bouilhet estivesse vivo, ele teria
feito de Maupassant um poeta [...] Foi Flaubert que fez dele um
romancista”.39
A pouca importância hoje atribuída a essa coletânea de poemas deve
ser relativizada. Deixando de lado os juízos de valor, o mais significativo da
leitura desses poemas, assim como de sua obra teatral, é notar, já nas
primeiras tentativas literárias de Maupassant, a presença de certas
obsessões que se aprimorariam no registro maior que o consagrou, a prosa.
Não se pretende aqui, portanto, analisar a poesia de Maupassant, mas sim
mostrar esses elementos que seriam retrabalhados por ele em seus contos.
Observa&se freqüentemente em seus poemas, além da temática
recorrente do amor ou da desilusão amorosa, tendo ao fundo uma paisagem
natural, o uso de palavras como F 40, o que insere nos
poemas uma situação de reviravolta, tal como ocorre na maioria de seus
contos, que surpreendem o leitor com o inusitado. Nesses poemas, de um
modo geral, a natureza é descrita com bastante lirismo, mas não é vista
romanticamente. Em “Fin d’amour”41, por exemplo, enquanto o rapaz se
prepara para deixar de vez a sua amante que sofre com o fim do
relacionamento, todos os animais estão aos pares, gozando o amor (“L’amour
était partout comme une grande fête”, v. 59), de modo que a moça constata:
“Amour! L’homme est trop bas pour jamais te comprendre!” (v. 113).
Podem&se ainda depreender os temas mais recorrentes nos poemas do
volume, muitas vezes misturados em uma mesma peça: o amor sensual, às
vezes até obsceno.42 Nestes, é freqüente o emprego do termo 6 para
definir a sensação amorosa; a despedida de um amor, terminado por uma
das partes, como ocorre no já citado “Fin d’amour” e também no poema
40 Foi realizada uma contagem sem maiores pretensões e esses dois termos foram encontrados em diversos poemas. Ver, por exemplo, os poemas: “Le mur” (v. 68 e 115), “Un coup de soleil” (v.12 e 18), “Une conquête” (v. 5, 76 e 114), “Envoi d’amour” (v. 24), “ Vénus rustique” (parte VI). MAUPASSANT, Guy de. & " + Disponível em [http://maupassant.free.fr/cadre.php?page=oeuvre] Acesso em 22 de fevereiro de 2008. 417 +
“Sonnet”; a passante que desperta o desejo do poeta, como em “Une
conquête” e “Désirs”; as nuances do amor que culminam com a morte em
“Un coup de soleil”, “Au bord de l’eau”, “La dernière escapade” e “Vénus
rustique”; o medo do desconhecido, em “Terreur”; a ironia do amante contra
o marido oficial, em “Sommation”; as conversas de rua ouvidas pelo eu&lírico,
em “Propos de rues”.
A partir da leitura de seus poemas, já é possível notar o interesse de
Maupassant pelos temas da sedução, do fantástico e da crítica à burguesia,
temas estes que permeiam muitos de seus contos. Em seus poemas, a
mulher retratada é, geralmente, a I , ou a amante, que atrai pela
beleza, pelo perfume, mas que permanece incompreendida pelo poeta. O
amor é quase sempre proibido socialmente, seja pela família dos jovens, seja
pelo casamento.
Leitor de poetas contemporâneos como Victor Hugo, Edgar Allan Pöe,
Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud, conforme se observa nas crônicas e
narrativas de viagem em que os citam, Maupassant abandonou a forma
literária do poema sem, no entanto, deixar de lado a poeticidade em sua
prosa. Tendo em vista que, em seus poemas, Maupassant já tratava das
questões que ocupariam seus textos narrativos, não se pode ignorar essa
parte de sua obra, à qual ele se dedicou durante os primeiros anos de sua
trajetória. A busca de um efeito, para o qual a história converge, e a defesa
dos princípios poéticos simbolistas subjazem às discussões estéticas do
autor. Independente da forma literária escolhida, alguns de seus princípios
Assim como nos poemas, nas peças de teatro de Maupassant, a
temática do amor infiel reaparece, aliada a uma irônica crítica social da
burguesia.
J " , sua primeira peça em versos alexandrinos,
finalizada em 1874 e encenada pela primeira vez em 1879, apresenta&se sob
a forma de um diálogo entre um conde e uma marquesa, ambos em idade
avançada, um pouco deprimidos pelo tempo e pelas lembranças. No início
dessa conversa, a marquesa, como diversas personagens dos contos de
Maupassant, pede ao conde que lhe conte uma história vivenciada, de amor
galante. Há aqui também, portanto, histórias em I . O conde
conta&lhe então algumas histórias até surpreendê&la com uma que lhe diz
respeito: sem que nenhum deles tivesse se dado conta, ele fora o seu
primeiro amor quando ela tinha dezesseis anos e a deixou à espera por toda
a juventude. O contraste da visão feminina e masculina do amor nas falas
do conde e da marquesa sobre a mulher caracteriza um tipo de observação a
que o autor voltaria em sua produção futura, muitas vezes avaliada
simplesmente como machista e pessimista, mas que traduz uma leitura
social da mulher parisiense da segunda metade do século XIX.
A segunda experiência teatral de Maupassant foi feita em colaboração
com outros colegas, em 1875. K 6 ( é uma peça
que foi ultimamente republicada.43 A edição das obras teatrais a que tive
acesso, porém, não traz K 6 nem 5
(também chamada - - ), justificando que
não ofereceriam interesse, uma vez que são tentativas da juventude do
autor.44 Por outro lado, é possível que o caráter pornográfico de K 6
tenha impedido, ainda em 1910, essa publicação.
A intenção desse texto era a diversão do grupo e principalmente dos
mestres Flaubert e Zola, a cuja primeira e única encenação assistiram,
quando o próprio Maupassant representou uma prostituta.45 Como se vê, o
tom naturalista libidinoso interessava ao grupo ao qual Maupassant se
ligara. Os temas ali discutidos seriam retomados, de outro modo, como será
visto, mas já estabelecidos no rol do autor.
Ilustração 1
Capa da edição de 1945 da peçaK 6 ( .46
44MAUPASSANT. " D +Paris: Louis Conard, 1910, p. 246. 45LECLERC, + ., p. 20.
Todos os dramas de Maupassant parecem dedicados à sátira social.
8 5 5 , de 1875, é uma comédia em verso que ironiza a figura do
marido traído. Trata&se de uma peça dentro da outra em que um jovem vai
até a casa de sua coadjuvante, Mme Destournelles, para ensaiar. O amor
platônico que o rapaz nutre por ela vem a ser anunciado ali, diante do dono
da casa e marido, M. Destournelles. Entretanto, este pensa que a confissão
faz parte do texto encenado, numa confusão entre representação e realidade.
Nessa peça, portanto, o jogo feito com a metalinguagem cênica é o elemento
de maior destaque. Com esse procedimento, o discurso inicial de resignação
feminina ao casamento é abandonado pela esposa, uma vez que esta sai
triunfante de cena, enganando o marido. A comédia em um ato não foi aceita
para encenação na época, decepcionando Maupassant, que escreveu em
uma carta ao amigo Robert Pinchon:
Décidément, les directeurs ne valent pas la peine qu’on travaille pour eux. Ils trouvent, il est vrai, nos pièces charmantes, mais ils ne les jouent pas, et pour moi, j’aimerais mieux qu’ils les trouvassent mauvaises et qu’ils les fassent représenter. C’est assez te dire que Raymond Deslandes juge
ma 5 5 trop fine pour le Vaudeville.47
A peça seguinte de Maupassant só seria escrita, e desta vez
representada, em 1891. ( é uma espécie de drama burguês, uma
tragicomédia familiar em três atos. Primeira peça em prosa, feita em co&
autoria com Jacques&Normand, trata&se da adaptação por Maupassant de
um conto de sua autoria, “L’Enfant”, do volume ' + Há em (
uma ação concentrada em um único dia, mas em dois planos – o lar de M.
de Petitpré e o quarto da modelo e antiga amante de Jean de Martinel, a
Musotte. Essa ação, em traços gerais, segue o enredo do conto “L’enfant”: no
dia do casamento, o noivo recebe uma carta que o obriga a abandonar a
esposa, por algumas horas, a fim de trocar as últimas palavras com a antiga
amante, modelo, com quem havia rompido e que está prestes a morrer, não
sem antes lhe revelar o filho recém&nascido.
Ao se comparar o conto e a adaptação para o teatro, nota&se que são
os traços distintivos entre estes que reforçam alguns dos elementos
marcantes da poética do autor. A ironia contra a burguesia e o espírito livre
de Léon – irmão da noiva Gilberte e amigo do noivo – personagem ausente
em “L’enfant”, contribuem para o humor do texto. As personagens são bem
caracterizadas, algumas chegam ao esboço de tipos do quadro familiar, como
a tia mal&amada, o pai advogado e correto, que põe em discussão o tema do
divórcio, controverso na época, e a modelo que morre por amor. O conto por
sua vez, oferece outra esfera de detalhes, caros a essa forma literária em
Maupassant, como o amor à primeira vista de Jacques Bourdillère – no
papel do noivo –, na praia, ao ver sua futura noiva, Berthe Lannis, sair da
água. No conto, a relação com a amante anterior não representa um
relacionamento amigável, nem é esta tão digna quanto Musotte. A descrição
da amante à beira da morte é mais brutalizada, diferindo da versão teatral,
na qual a morte ocorre em cena, mas quase como um suspiro.
Os temas de intriga doméstica, freqüentes em grande parte dos contos
de Maupassant, os tornam passíveis de adaptação. Há contos como “Au bord
du lit”, que traduz em sua forma o - do drama, com as instruções para
destacadas do texto, em itálico. Esse diálogo de “Au bord du lit” é retomado
quase por inteiro na peça em prosa 5 , escrita em 1888 e
representada em 1893, na Comédie Française.48
Há nessa comédia de costumes a representação do casamento de
aparências: marido e mulher mantêm de comum acordo relacionamentos
extraconjugais, mas é conveniente mostrar para a sociedade, e
financeiramente para ambos, a “paix du ménage”. Põe&se em pauta,
novamente, uma discussão da época sobre o casamento e há uma ironia fina
do autor sobre as conveniências burguesas. Nas palavras de Mme de Sallus, a
esposa que quase põe tais regras a perder, o casamento é um direito, um
título de possessão adquirido pelo marido, “une association d’intérêts, un
lien social”49, em que o amor e o afeto não têm lugar e, à exceção de matar a
esposa, o marido tudo pode. O que existe em comum entre o final do
primeiro ato e o conto “Au bord du lit” é a proposta ardilosa da esposa para
servir de amante do marido, em troca do dinheiro que ele daria à melhor de
suas amantes. Essa situação, surpreendente para o marido, acaba de modo
diferente em cada uma das obras: no conto, a mulher pega o dinheiro; na
peça, ela se recusa a dormir com M. de Sallus e joga&lhe a quantia na cara.
Ao se fazer a leitura do segundo ato, descobre&se, então que o interesse do
marido da peça não era de restabelecer o contato com ela, mas de manter o
matrimonial, deixando o caminho livre para a liberdade moral da
48MAUPASSANT.' " +Paris: Gallimard, t. I, 1974, p. 1598. (Bibliothèque de la Pléiade)
49MAUPASSANT, Guy de. 5 + Disponível em
esposa.50 No fim do drama, M. de Sallus sai para ver sua amante, enquanto
deixa o amante jantando com sua esposa.
A leitura dessas obras pouco comentadas propiciou uma melhor
compreensão da trajetória artística do escritor. Elas também ofereceram um
rico material para a discussão de temas polêmicos da estética
maupassantiana, como o divórcio e a liberdade feminina, e de formas
recorrentes, como a estrutura enquadrada e o cruzamento de diversos níveis
diegéticos, sob os quais se oculta o autor, oferecendo maior grau de
verossimilhança aos seus textos.
3.2 – O conto e a novela
Thierry Oswald, refletindo acerca das definições de conto e novela,
assinala que a novela, na verdade, “nasce e procede do conto, que, pouco a
pouco, mas em troca de muitas hesitações, retrogradações, reiterações, dá à
luz laboriosamente a uma forma nova que ele carregava como corpo
embrionário.”51
A problemática desses dois gêneros empenha ainda hoje o interesse de
estudiosos, que perseveram na busca de uma conceituação. Entre
divergências e oscilações, a questão permanece aberta. Assim, diante da
complexidade de se fixar, portanto, uma fronteira entre essas noções, e de
não ser esse o propósito nesse estudo, seguem algumas informações acerca
das novelas e dos contos escritos por Maupassant.
Assim como os poemas, Maupassant começou publicando de modo
disperso seus contos – assinados com pseudônimos – em jornais e revistas
literários.52 Em 1875, publicou “La main d´écorché”, seu primeiro conto. De
1881 até 1890, Maupassant lançou quinze volumes de contos53, deixando
ainda esparsos muitos outros. As edições mais completas perseguem hoje
critérios diversos. A mais especializada, a da 5 , com notas e variantes,
adotou o método cronológico de organização.
Ao se pensar no gênero conto, não raro se pensa no nome de
Maupassant. A maioria de seus contos caracteriza&se por uma denúncia
realista e risível da sociedade burguesa, como será visto adiante. Talvez, a
originalidade de Maupassant resida, portanto, no fato de ele fundar suas
narrativas em acontecimentos cotidianos, aparentemente sem importância.
No que concerne seus contos e novelas, nota&se que sua composição é
caracterizada por uma estrutura que aparece regularmente e que se compõe
dos seguintes elementos: exposição, apresentação dos personagens,
introdução de uma situação banal, aparecimento de um fato inesperado e o
desenlace. Avento a hipótese de que é a introdução de um fato inesperado
que constitui o cerne dessa estrutura, uma vez que é ele o responsável por
52 Como, por exemplo, em A. - ?F?( "
$ ) ( E com os pseudônimos Guy de Valmont e Joseph Prunier.
53 ( 9 (1881), ( $ 6 (1882), ' 5 (1883), '
A (1883), ( J (1884), (1884), N" (1884), ' O
(1885), 9 (1885), ( (1886), (1886), J
dinamizar a ação e conduzi&la ao fim. Este fato dinâmico é a causa da
mudança brusca de uma situação literária cotidiana comum para uma
situação inesperada, tendo uma finalização dramática. Assim, em $
(1883), por exemplo, o fato inesperado é a perda de um porta&moedas: em
Goderville, no país de Caux, os camponeses tinham o hábito de irem a uma
feira, na praça. Econômico, o senhor Hauchecorne recolheu do chão um
pequeno pedaço de barbante, quando de repente, se deu conta que seu
inimigo, senhor Malandain, o observava. Envergonhado de seu gesto, ele
fingiu que estava procurando algo e depois seguiu para a feira e foi almoçar
no albergue. O tambor ressoou: um guarda anunciava a perda de um porta&
moedas. Pouco depois, um oficial foi procurá&lo afirmando que o tinham
visto, pela manhã, pegar um porta&moedas. Ao questionar o oficial da
procedência da queixa, soube que havia sido o senhor Malandain, que o
acusara. Ele negou a acusação com veemência. Uma busca em sua roupa
mostrou apenas o barbante, mas a calúnia contra ele o perturbara tanto que
ficou obcecado com isso e morreu no início de janeiro, jurando inocência, em
delírio, no seu leito de morte.
Segundo Otto Maria Carpeaux, trezentas narrativas sobre um assunto
qualquer poderiam ter levado Maupassant a cair na repetição do mecanismo
da técnica.54 No entanto, Maupassant continuou sendo lido com interesse.
Em sua época, alguns acreditavam que o aspecto regionalista de
Maupassant faria perdurar o gosto por suas narrativas, idéia que ocupou
algumas das discussões apontadas pelos escritores entrevistados por Artine
Artinian, em ( .55
Diversas maneiras de classificação dos contos e das novelas foram já
ensaiadas. Deve&se, no entanto, compreendê&las apenas como instrumento
didático, uma vez que quaisquer tentativas de abordagem prevêem uma
leitura parcial na riqueza representada por cada um dos textos em
particular.
Albert&Marie Schmidt, biógrafo de Maupassant e organizador da edição
das narrativas curtas para Albin&Michel56, seguiu uma divisão em onze
temas: “Drames et propos rustiques”, “Les confinés”, “Les séductions et l’art
d’aimer”, “Le charme des liaisons”, “Le danger des liaisons” (o mais extenso,
com 59 textos), “La cage aux filles”, “Scènes de la vie cléricale”, “Ironie et
horreurs de la guerre”, “Le massacre des innocents”, “Les chemins de la
démence” e “diverses créatures”. O organizador apenas propõe uma ordem
de leitura, e o leitor, dispondo dos textos, tem a possibilidade de lê&los como
preferir. Assim como Maupassant optou por apresentar o texto “La bécasse”
na introdução do seu volume ' 5 , Albert&Marie Schmidt
manteve o mesmo texto, na mesma posição: introduzindo a sua antologia, o
que mostra a importância que o organizador dá, de certa maneira, ao
aspecto estrutural das narrativas do escritor.
O crítico Otto Maria Carpeaux ocupa&se de Maupassant, sobretudo
pelo seu vínculo com a tradição do conto popular medieval francês, os
55 ARTINIAN, Artine. ( / enquête internationale (147 témoignages inédits). Paris: Nizet, 1955.
6 , em que as marcas da oralidade e a função lúdica, de passatempo,
eram centrais. Nesse sentido, os contos enquadrados de Maupassant – ou
seja, aqueles em que há pelo menos dois narradores, um heterodiegético
(externo ao evento relatado) e outro homodiegético (que testemunhou o
evento) ou autodiegético (protagonista do evento), segundo a classificação
greimasiana consagrada57 & correspondem a cerca de metade de sua
produção de contos, segundo informa Jaap Lintvelt58, que realizou uma
análise da relação entre os narradores externo e interno, da reação das
personagens ouvintes e do leitor, nas narrativas de Maupassant, partindo do
conceito de polifonia de Mikhail Bakhtin. Lintvelt cita o conto “Histoire vraie”
em que, apesar de o relato do narrador autodiegético descaracterizar a
personagem feminina em questão, Rose, o narrador heterodiegético, leva o
leitor a compadecer&se dela. Assim sendo, o crítico conclui que essa
estratégia formal complexa é um recurso que expressa o objetivo estético de
Maupassant de sugerir, de compor dubiamente, de maneira que o leitor
busque uma interpretação que não é dada diretamente pelo autor. Essa
teoria está expressa no prefácio de Maupassant a , do qual
algumas passagens vêm citadas no seguinte trecho do artigo de Lintvelt:
A imagem de mulher, fornecida pela narração feminina não difere, portanto, essencialmente da que é dada pelo homem, e a recepção feminina não mostra toda a complexidade de uma narrativa feminina. Cabe sempre ao leitor ter um papel ativo na interpretação ideológica. Este é o objetivo estético de
57Os termos empregados para a classificação dos narradores apresentam&se resumidos em: REIS, Carlos; LOPES, Ana Cristina M. & % . 4ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1994, p. 257&274.
Maupassant, que estima que o romancista deva ‘compor sua obra de uma maneira tão hábil, tão dissimulada’, que seja impossível ‘descobrir suas intenções’, ‘sua visão pessoal do mundo’. O objetivo do romancista é forçar o leitor a
‘compreender o sentido profundo e secreto.59
Quanto aos temas mais discutidos que foram desenvolvidos pelo
escritor em seus contos e novelas, destacam&se algumas questões sobre o
amor. Nas relações amorosas, nem sempre acidentadas, não há apenas a
visão pessimista de Schopenhauer sobre a mulher&armadilha, como discutiu
Besnard&Coursodon em C -5 A "
( / D . Esta autora estuda, nas obras ficcionais do escritor,
as relações ardilosas impostas pela figura feminina por meio do amor, da
natureza e de Deus. Faz um levantamento e analisa a recorrência das
imagens da armadilha nos textos, o que contribui para sua argumentação
em defesa da tese de que Maupassant se divertiu ao tratar de certa
complacência entre o marido e o amante da mulher: desde os romances ?
. (entre Duroy e M. de Marelle) e Mont&Oriol (entre Brétigny e Andermat)
até os contos “Le gâteau” e “La porte”, bem como de certa malícia e sedução
feminina, que nem sempre levavam à fatalidade, como em “Idylle” e “Le
signe”, por exemplo.60
O determinismo e o fatalismo, freqüentes no romancista, se vêem
nuançados pela arte do contista. M. Leras, o protagonista do conto
59« L’image de femme, fournie par la narration féminine ne diffère donc pas essentiellement de celle donnée par l’homme, et la réception féminine ne rend pas forcément toute la complexité d’un récit féminin. C’est toujours au lecteur de jouer un rôle actif dans l’interprétation idéologique. C’est là justement l’objectif esthétique de Maupassant, qui estime que le romancier devra “composer son oeuvre d’une manière si adroite, si dissimulée”, qu’il soit impossible de “découvrir ses intentions”, sa “vision personnelle du monde”. Le but du romancier est de forcer le lecteur “à comprendre le sens profond et caché ”.» LINTVELT, + ., p. 180.
“Promenade” (1884), é um instrumento da ironia e da crítica a uma categoria
profissional que Maupassant já desprestigiava na crônica “Les employés”.
Nessa crônica de 1882, o autor traça o comodismo e a passividade do
funcionário público que teve seu destino como resultado de sua própria
escolha:
L'employé ne quitte point son bureau, cercueil de ce vivant ; et dans la même petite glace où il s'est regardé, jeune, avec sa moustache blonde, le jour de son arrivée, il se contemple, chauve, avec sa barbe blanche, le jour où il est mis à la retraite. Alors, c'est fini, la vie est fermée, l'avenir clos. Comment cela se fait&il qu'on en soit là, déjà ? Comment donc a&t&on pu vieillir ainsi sans qu'aucun événement se soit accompli, qu'aucune surprise de l'existence vous ait jamais secoué ? Cela est pourtant. Place aux jeunes, aux jeunes employés !
Alors on s'en va, plus misérable encore, avec l'infime pension de retraite. On se retire aux environs de Paris, dans un village à dépotoirs, où l'on meurt presque tout de suite de la brusque rupture de cette longue et acharnée habitude du bureau quotidien, des mêmes mouvements, des mêmes actions, des
mêmes besognes aux mêmes heures.61
Certa irreversibilidade das personagens romanescas, que pouco podem
contra o acaso, flexibiliza&se nos contos e novelas: muitas vezes elas fazem
as suas escolhas.
No que diz respeito ao gênero fantástico, nota&se que Maupassant,
desde a sua primeira narrativa publicada, “La main d’écorché”, já era atraído
pelo gênero, sobre o qual tinha as suas próprias teorias, conforme visto em
“Le fantastique”. Enquanto Albert&Marie Schmidt62 atribui o fantástico à sua
doença nervosa, Marie&Claire Bancquart, entre outros críticos, destacou a
61MAUPASSANT, Guy de. « Les employés ». Disponível em
[http://www.maupassantiana.fr/Oeuvre/ChrLesEmployes.html] Acesso em 22 de julho de 2008.
importância em se deixar de observar o fantástico como um produto da
doença terminal do escritor.63 No estudo “Maupassant, un homme
énigmatique”, ela argumenta sobre este ponto de vista:
Mas o leitor francês é tão desconfiado diante do irracional que ele gostaria, de toda maneira, de colocá&lo em uma categoria especial, deixá&lo inofensivo: veja, é um louco que escreve
histórias de loucura; nós podemos lê&las sem sermos
atingidos por elas! Tal asserção não resiste ao exame. Na curta e tão intensa carreira literária de Maupassant, os contos fantásticos estão presentes desde o início (“ Sur l’eau” faz
parte de 9 , “Fou ?” de ( $ 6 M e
conhecem um máximo de freqüência em 1885&1886, no
momento do J , para diminuir, em seguida, como se
Maupassant tivesse precisamente recuado diante de
narrativas que encenassem um destino que ele sentia que seria o seu. Ele não deu um lugar especial aos seus contos fantásticos, que fez aparecer em coletâneas nas quais eles estavam juntos com narrativas ditas “realistas”. E quando os escreveu, ele não estava “louco”. Ele dominava perfeitamente seu assunto e sua escrita; ele se distanciava. O momento em que Maupassant mergulha na loucura é precisamente aquele em que ele pára de interessar à literatura: ele hesita, começa romances que ficaram inacabados; depois não escreve mais nada, toda criação artística dependendo de um controle que ele não é mais capaz de ter. Os contos fantásticos são o
indício de um temperamento sensível, chegando ao
sofrimento; mas para explicar o talento deles, o talento, esse temperamento não saberia servir como fio condutor. Criado nas mesmas condições, atingido pelo mesmo mal, morto no asilo três anos antes de Maupassant, seu irmão Hervé nunca escreveu nada. […] Maupassant baseia suas narrativas
fantásticas nos riscos de alienação constantes de nosso ser.64
63BANCQUART, Marie&Claire. ( 6 +Paris: Minard, 1976.
A ilusão da arte do escritor realista trabalha as soluções racionalmente
viáveis, mas impõe uma impressão do fantástico (uma hesitação) que se
passa dentro de cada um, em que a própria identidade, mesmo que por
alguns instantes, é posta em jogo. Em J , por exemplo, que
apresentou duas versões65, é mostrada ao leitor a complicada relação eu&
outro (feita de oposição e identificação), a luta com o (seu) duplo, com a
sociedade.
Em termos gerais, a primeira versão, de 1886, trata da história de um
homem que vive bem, perto de Rouen, e que começa a ter sintomas
diferentes como insônia, emagrecimento, mau humor. Com o tempo,
acontecimentos estranhos, inexplicáveis, passam a ocorrer com ele e
também com outras pessoas da redondeza. Ele, convictamente, anuncia que
há um ser inserido na sociedade, a quem nomeia como “Horla”.66
Já na segunda versão67, de 1887, apresentada em forma de diário
(numa espécie de registro confessional), o narrador revela a mesma trama,
porém com final aterrador: ateia fogo na casa na esperança de matar o
Horla. Sem a certeza de ter matado o Horla, pensa em cometer o suicídio:
«Mort? Peut&être? [...] Non...non...sans aucun doute, sans aucun doute… il
fil conducteur. Elevé dans les mêmes conditions, atteint du même mal, mort à l'asile trois ans avant Maupassant, son frère Hervé n'a jamais rien écrit.
[…] Maupassant fonde ses récits fantastiques sur les risques d'aliénation constants de notre être. » BANCQUART,( ?' + ( - 5 . Paris: Ministère des Affaires étrangères, 1993, p. 15&17.
65MONGLOND, + + p. 151.
66MAUPASSANT, Guy de. Le Horla (1eversion).' " +Gallimard, 1979, t.II, p. 822&830.
67
n'est pas mort…Alors…alors…il va donc falloir que je me tue, moi !...»68 A
dimensão espacial da narrativa é construída de maneira a informar que o
suposto paciente vive em um lugar aprazível (na segunda versão, há uma
preocupação narrativa ainda maior em dizê&lo) e privilegiado. Não há índices
de ambiente ermo, mórbido, ao contrário: o Sena (rio adorado por
Maupassant) corta sua propriedade. Até esse ponto, o insólito não se
anuncia, mas sim o suspense: o homem internado vai explicar aos médicos o
que o traz ali, embora pareça física e moralmente sadio. É importante que,
também aqui, as personagens secundárias como o cocheiro e a vizinhança
atuem como “confirmadores” daquilo que vive o personagem. Os sintomas
estranhos evoluem na narrativa para acontecimentos estranhos: água e leite
são tomados por alguém que não se identifica; vasos se quebram sozinhos;
páginas viradas sem ação nenhuma, até que o homem atormentado pelo
medo e pelo estranho, julga ver o “ser”: o sobrenatural é explicitado. A sua
existência, e seus atos, é confundida (ou questionada) com a possibilidade
de uma alucinação ou um sonho, mas a dúvida é rapidamente sanada
quando é narrado que, além de seus vizinhos, habitantes da província de
São Paulo também apresentam sintomas semelhantes. Pela memória,
resgata o fato de que um navio brasileiro passara pelo Sena, próximo a sua
casa, o que concatena as suas impressões. Assiste&se, então, a uma história
do pavor, do medo, do suspense. A dúvida, a ambigüidade, nas duas
versões, persiste: na primeira, há a angustiante pergunta do que é a
realidade e do que é a ilusão; na segunda, a existência de um ser que resiste
ao fogo. Essa observação acerca do efeito produzido na trama narrativa
parece estar em consonância com o que considera o próprio autor, no
prefácio do romance /
Le romancier qui transforme la vérité constante, brutale et déplaisante, pour en tirer une aventure exceptionnelle et séduisante, doit, sans souci exagéré de la vraisemblance, manipuler les événements à son gré, les préparer et les arranger pour plaire au lecteur, l'émouvoir ou l'attendrir. Le plan de son roman n'est qu'une série de combinaisons ingénieuses conduisant avec adresse au dénouement. Les incidents sont disposés et gradués vers le point culminant et l'effet de la fin, qui est un événement capital et décisif, satisfaisant toutes les curiosités éveillées au début, mettant une barrière à l'intérêt, et terminant si complètement l'histoire racontée qu'on ne désire plus savoir ce que deviendront, le lendemain, les personnages les plus attachants.69
Nas novelas, merece ainda destaque, além de J e 3 6,
- A , publicada postumamente, em que
aparece a fina ironia de Maupassant. O protagonista, M. de Patissot, é um
funcionário público que se mantém no cargo devido à sua hábil capacidade
de mudar de opinião e fazer os outros acreditarem nisso: em tempos do
Império, veste&se como o imperador, durante a República, mostra
sentimentos de republicano nato. Maupassant extrai humor das diversas
peripécias dominicais desse burguês de Paris, nos dias preenchidos seja com
as festas da República, seja com uma tarde de decepção com uma
prostituta, seja com as sessões públicas de feministas, consideradas
histéricas e inúteis, mas imperdíveis pelo bom burguês. Assim como nesse
texto, em!La Lysistrata moderne”, crônica publicada no em 1880,
Maupassant ridiculariza o movimento feminista: