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– PósGraduação em Letras Neolatinas

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(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Marianna Fernandes de Vasconcellos

MAUPASSANT ENTRE JORNALISMO E LITERATURA

(2)

MAUPASSANT ENTRE JORNALISMO E LITERATURA

Marianna Fernandes de Vasconcellos

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós&Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Literaturas de Língua Francesa).

(3)

Rio de Janeiro Fevereiro de 2009

Maupassant entre Jornalismo e Literatura Marianna Fernandes de Vasconcellos

Orientador: Professor Doutor Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina.

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós&Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Literaturas de Língua Francesa).

Examinada por:

Presidente, Prof. Doutor Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina

Profa. Doutora Celina Maria Moreira de Mello – UFRJ

Profa. Doutora Maria Cristina Batalha – UERJ

Prof. Doutor Irineu Eduardo Jones Corrêa – F.B.N, Suplente

Profa. Doutora Sonia Cristina Reis – UFRJ, Suplente

Rio de Janeiro

(4)

Vasconcellos, Marianna Fernandes de.

Maupassant entre Jornalismo e Literatura. /Marianna Fernandes de Vasconcellos. Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Letras, 2009.

xi, 155f.; 31 cm.

Orientador: Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina.

Dissertação (Mestrado) – UFRJ/Letras/Programa de Pós&Graduação em Letras Neolatinas, 2009.

Referências Bibliográficas: f. 156&161.

(5)

Aos meus pais, Ariel e Fernanda, ao meu irmão Leonardo e aos

familiares mais próximos, pela dedicação e apoio constantes nos momentos

mais difíceis e pela confiança que depositaram em mim, dando&me forças

para seguir em frente.

Ao meu noivo João Paulo, pela paciência, pela força e pelo

companheirismo de sempre em todos os momentos.

Aos amigos de pesquisa Marcelo, Edmar, Fernanda e Sabrina por se

mostrarem sempre dispostos a ouvir e discutir questões referentes à minha

pesquisa e, principalmente, por serem amigos presentes.

Ao meu orientador, Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina, por ter me

apresentado o universo da pesquisa, por ter me incentivado de maneira

incansável e constante a não desistir frente às dificuldades que, por vezes,

insistiram em aparecer, pelas leituras sempre atentas dos meus textos e,

sobretudo, pelo empenho admirável em cada orientação.

À Professora Celina Maria Moreira de Mello, pela riqueza de

conhecimentos, pelas indicações de leitura sempre pontuais e preciosas, por

se mostrar sempre solícita e, principalmente, pelas inúmeras palavras de

encorajamento nos momentos mais difíceis.

À Noëlle Benhamou, doutora em Letras, professora na Universidade de

Picardia, França, responsável pelo sítio da revista eletrônica francesa

Maupassantiana, por ter sido meu contato junto à comunidade de

especialistas da obra de Maupassant, desde abril de 2006, facilitando o

(6)

À Biblioteca Nacional, ao Real Gabinete Português de Leitura, à

Biblioteca da Maison de France, às Bibliotecas da Faculdade de Letras da

UFRJ e da UFMG, pelo acesso a inúmeras obras importantes e, por vezes,

raras.

À CAPES, pela bolsa que foi muito importante para o custeamento dos

(7)

« Qui peut se vanter, parmi nous, d’avoir écrit une page, une phrase qui ne se trouve déjà, à peu près pareille, quelque part ? »

(8)

Vasconcellos, Marianna Fernandes de.

Rio de Janeiro, 2009. Dissertação. (Mestrado em Letras Neolatinas, área de concentração Estudos Literários Neolatinos, opção Literaturas de Língua Francesa) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, 2009.

(9)

Vasconcellos, Marianna Fernandes de.

Rio de Janeiro, 2009. Dissertação. (Mestrado em Letras Neolatinas, área de concentração Estudos Literários Neolatinos, opção Literaturas de Língua Francesa) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, 2009.

À la lumière des concepts de « trajectoire » et de « champ », du sociologue Pierre Bourdieu et surtout, du concept de « positionnement » proposé par le linguiste Dominique Maingueneau, on examine la trajectoire et le positionnement de l’écrivain français Guy de Maupassant, dans le champ littéraire français de la deuxième moitié du XIXesiècle. On discute le rapport

(10)

SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO ...1

2 – BIO/GRAFIA DE GUY DE MAUPASSANT...5

3 – MAUPASSANT E SUA OBRA ...16

3.1 – A poesia e o teatro ...20

3.2 – O conto e a novela...28

3.3 – A crônica, o ensaio e o prefácio ...39

3.4 – A narrativa de viagem ...48

3.5 – O romance...56

3.6 – A correspondência...64

4 MAUPASSANT, CARREIRA E POSICIONAMENTO ...74

4.1 – Guy de Maupassant e sua trajetória... 80

4.2 – Maupassant periodista ... 85

5 – MAUPASSANT E O NATURALISMO ...99

5.1 – A relação entre Maupassant e Émile Zola ... 105

5.2 – e o Prefácio de ... 119

5.3 – O Naturalismo e seus diferentes gêneros ... 128

6 – INVESTIMENTO GENÉRICO, UMA QUESTÃO DE POSICIONAMENTO...139

7 & CONCLUSÃO ...148

8 & REFERÊNCIAS...156

(11)

1 – INTRODUÇÃO

A presente Dissertação de Mestrado resulta de uma pesquisa que se

iniciou ainda durante os primeiros anos do curso de graduação em Letras

Português&Francês, na UFRJ, e cujo objetivo inicial visava, através de um

estudo comparativo, analisar as técnicas descritivas em dois textos de Guy

de Maupassant: a crônica , publicada em 1880, no

periódico francês e a narrativa de viagem , escrita em

1882 e publicada dois anos mais tarde, no periódico francês ! "

" , em janeiro de 1884, segundo informações obtidas na coletânea de

narrativas de viagem # $ (1997).

Embora certas passagens presentes em tenham

sido retomadas por Guy de Maupassant em , aventava&se a

hipótese de que as diferenças genéricas (o primeiro sendo uma crônica e o

segundo, uma narrativa de viagem) e o perfil dos dois periódicos teriam

contribuído para a determinação da importância (caráter qualitativo) e da

extensão (caráter quantitativo) das passagens descritivas nos dois textos que

apresentam como tema central a região da Bretanha.

Contudo, ao longo da pesquisa, descobri que, na verdade, a narrativa

de viagem não havia sido publicada, originalmente, na ! " " , em

1884, e sim no próprio , fato que invalidava parcialmente a

hipótese. Ao mesmo tempo, na busca por informações relacionadas ao

, foi possível notar que Maupassant, além de ter se consagrado como

literato, também teve uma rica trajetória jornalística, já que grande parte de

(12)

colunas de jornais ou revistas e, somente depois, em forma de livro.

Mediante essa constatação, fortaleceu&se, portanto, o interesse em estudar a

relação de Maupassant com a literatura e o jornalismo.

Houve, então, uma alteração na base da pesquisa: se antes o objetivo

centrava&se em um estudo comparativo das técnicas descritivas dos dois

textos escritos por Maupassant e pertencentes a diferentes gêneros, a partir

daquele momento, o foco da pesquisa passava a ser a trajetória de

Maupassant no campo literário francês da segunda metade do século XIX,

marcada tanto pela literatura quanto pelo jornalismo.

Assim, visando um conhecimento mais amplo da vida de Maupassant

e de sua relação com a sua própria obra, apropriei&me, no capítulo 2 desse

estudo, do conceito de bio/grafia, proposto pelo analista do discurso

Dominique Maingueneau, em % (1995), atualizado

em & % (2006). Já sobre as informações referentes à biografia

de Maupassant, foram essenciais o “Quid de Guy de Maupassant” dirigido

por Dominique Frémy e com a colaboração de Brigitte Monglond e Bernard

Benech, na edição de ' ! " (1988) e o artigo !

( (1933), de René Dumesnil.

No capítulo 3, ainda orientando&me pelos pressupostos teóricos de

Dominique Maingueneau, retomo algumas de suas principais questões

levantadas em & % : a problemática da enunciação e a

necessidade de se distinguir as três instâncias enunciativas denominadas

pelo pesquisador de , e ; as noções de , )

(13)

se falar em ), , parece ser inevitável que se fale dos gêneros

do discurso, proponho uma divisão de seis seções, através das quais

procurei dar conta das produções de Maupassant, desde o início de sua

carreira, quando escrevia apenas poesias e peças de teatro, até a fase final

da mesma (quando escreveu, sobretudo, romances), passando pelo conto e a

novela, a crônica, as narrativas de viagem e os prefácios. Também considerei

a correspondência do autor, rica em pistas para entender sua trajetória.

Já no capítulo 4, a fim de melhor compreender a relação de homologia

existente entre o texto literário e o espaço social em que é produzido, além

das relações de Maupassant com o campo do poder e com outros literatos de

sua época, como Gustave Flaubert e Émile Zola, lancei mão de alguns

conceitos propostos pelo sociólogo Pierre Bourdieu, como os de - ,

campo e trajetória, presentes, por exemplo, nas obras . /

0 % (1996), 12 % / 3

), (1996) 4 2 (1983). Desse modo, para dar conta da

carreira de Maupassant no campo literário francês da segunda metade do

século XIX, optei por dividir esse capítulo em duas seções: na primeira, são

apresentadas reflexões acerca da trajetória de Maupassant – através dos

estudos de Bourdieu – e de seus posicionamentos – desta vez, sob a

orientação dos estudos de Maingueneau &, e na segunda, tendo em vista a

colaboração de Maupassant com os periódicos de sua época, optei por

analisar a trajetória do escritor enquanto jornalista.

No capítulo 5, baseando&me nos estudos de David Baguley em

(14)

estética naturalista de Maupassant. Este capítulo constitui&se de três

seções: na primeira, abordo a relação pessoal e profissional entre

Maupassant e Émile Zola; na segunda, procuro dissertar acerca de dois

textos importantes desses autores, 5 (1880), de Zola e

o prefácio ao romance , intitulado (1888), de

Maupassant, a fim de marcar as diferenças entre os princípios estéticos dos

dois autores; já na terceira seção, a partir das questões vistas na seção

anterior e fundamentando&me nos estudos de Baguley, proponho algumas

reflexões sobre a estética naturalista de Maupassant, comparando&a com a

de alguns escritores da época.

No que concerne ao capítulo 6, apresento reflexões acerca da relação

existente entre o posicionamento, a memória intertextual e o investimento

genérico do autor, a partir dos estudos teóricos desenvolvidos por

Maingueneau, em & % .

Nesta Dissertação, foram traduzidos para o português os textos

teóricos e fontes a partir dos quais trabalhamos, mantendo os originais em

notas de rodapé. As passagens dos textos de Maupassant mantiveram&se em

francês. No que diz respeito à sua correspondência, apenas as cartas

escritas pelos destinatários de Maupassant foram traduzidas.

Ao final deste trabalho, encontra&se um anexo constituído de dois

quadros: o primeiro refere&se às crônicas escritas por Maupassant entre

1876 e 1891; o segundo aos prefácios que escreveu a diversas obras, no

(15)

2 & BIO/GRAFIA DE GUY DE MAUPASSANT

Segundo Dominique Maingueneau, renomado pesquisador da Análise

do Discurso da escola francesa, a biografia de um autor deve ser investigada

utilizando&se “uma barra que une e separa dois termos em relação instável”.2

Dessa maneira, a vida de um escritor pode ser lida através de uma nova

perspectiva %6 “que se percorre nos dois sentidos: da vida rumo à

grafia ou da grafia rumo à vida”.3

Em % (1995), Maingueneau, para explicar o

conceito de bio/grafia, cita Michel de Montaigne, que estabeleceu em seus

um grande envolvimento entre a escrita e a vida. Para Montaigne, a

feitura de seu livro se dá em cooperação com a vida. Assim, afirma: “não fiz

mais meu livro do que meu livro me fez”.4 A formação do nome de um

escritor se dá, portanto, no trânsito entre a vida (bio) e a obra (grafia),

caracterizando, “um envolvimento recíproco e paradoxal”5, que só se resolve

no movimento da criação.

Refletindo um pouco mais sobre este enlace paradoxal entre a vida e a

obra, reconhece&se que a vida do escritor é constituída igualmente por suas

produções, ao mesmo tempo em que estas são marcadas pela existência

pessoal e social, como se observa também no caso de Guy de Maupassant.

Nascido na Normandia, região francesa onde passou a infância e a

juventude, Maupassant escolheu essa região para constituir a 6 de

2MAINGUENEAU, Dominique. % . São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 46.

37 +

(16)

muitas de suas histórias. Neste sentido, em um artigo publicado no

periódico francês ( $ , em primeiro de fevereiro de 1933, o

crítico René Dumesnil, afirma ser “uma sorte para um artista se encontrar,

pelo seu temperamento e seu caráter, em tão perfeito acordo com a região da

qual ele vai tirar a substância de suas obras.”6 Com efeito, em grande parte

de seus textos, Maupassant faz alusão aos costumes locais da região de

Caux, situada na Alta&Normandia, uma das vinte e seis regiões

administrativas da França. A história de sua primeira novela se passa,

sobretudo, nos arredores de Fécamp, no País de Caux. Segundo Fernand

Lemoine, “um passeio por essa região permite recriar a atmosfera de 8

# , [...] nada é mais fácil do que reconhecer os lugares em que se passam

seus relatos.” 7 Assim como 8 # , quarto romance de

Maupassant, também se passa na região da Alta&Normandia, mas em Le

Havre.

No que diz respeito aos seus personagens, Dumesnil evidencia que

“são de uma autenticidade que o tempo não atinge”.8 Nobres, burgueses,

camponeses, marinheiros, pescadores, operários e moças com os quais

Maupassant conviveu são descritos como realmente foram vistos por ele, que

6 DUMESNIL, René. « La Normandie de Maupassant », ( $ , CCXLI, 1er janvier 1933, p. 271.

Disponível em [http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k202152q] Acesso em 13 de junho de 2008.

7LEMOINE, Fernand. ( . Trad. José Manuel Ramos González. Pontevedra, março 2006, p. 6. Un paseo por esa región permite recrear la atmósfera de 8 " , […]Nada más fácil de reconocer que los lugares donde se desarrollan sus relatos.”

Disponível em [http://www.iesxunqueira1.com/maupassant/Libros/biografialemoine.pdf] Acesso em 19 de junho de 2008.

(17)

não exalta suas qualidades, nem mascara seus defeitos. São trabalhadores

rudes, " " como o herói de 8 ! , ou o personagem Père

Toine que aparece no início do conto 9 . O misticismo não os atormenta;

a religião existe mais como uma espécie de código social e as jovens

camponesas, geralmente, mantêm relações extraconjugais9. O camponês de

Maupassant é ávido por dinheiro, característica que causou, por exemplo,

em $ , o infortúnio do senhor Hauchecorne, que recolhe do chão um

pequeno pedaço de barbante e morre sendo suspeito de roubo; a avareza

também provocou o crime do senhor Chicot em 6: . Outro traço

constante nas narrativas de Maupassant é a desconfiança em relação ao

estrangeiro e ao que é diferente, como é mostrado em , conto em que

Antoine Boitelle se apaixona por uma jovem negra, mas é impedido de se

casar com ela porque seus pais a achavam “muito negra”.10

Ao mesmo tempo em que descreve fielmente o que vê, evidenciando o

aspecto particular e transitório dos homens, Maupassant dá conta dos

temperamentos específicos e inalteráveis da raça, “dá a cada um deles seu

destaque e seu valor geral, humano.”11 Desse modo, ao se conhecer a obra

de Maupassant em sua trajetória, é possível observar que sua região de

origem, com seus hábitos e tradições, sua vida social, são importantes

elementos de sua história pessoal que constituem intrinsecamente suas

novelas e contos. Para construir seu mundo ficcional, Maupassant lança

9DUMESNIL, 1933, p. 288&289.

10 MONGLOND, Brigitte. Notices et notes. In: MAUPASSANT, Guy de. ' " ;<=>?;<<@ et8 # +Paris: Robert Laffont, 1988, p. 249&258.

(18)

mão de sua vivência e do que observa, não se distanciando do que lhe é

familiar.

Assim, ciente de que a doutrina estética de um escritor é constituída

ao mesmo tempo em que a obra se faz, serão apresentados a seguir alguns

dados referentes à vida e à carreira de Guy de Maupassant que constituem a

relação do autor com o meio literário em que vivia, determinando, de alguma

maneira, sua Obra.

Nascido em 5 de agosto de 1850, no castelo de Mirosmenil, em

Tourville&sur&Arques, próximo a Dieppe (comuna francesa na região da Alta&

Normandia), Henri&René&Albert&Guy de Maupassant teve sua formação

educacional orientada pela mãe, Laure de Maupassant, que obteve a guarda

de seus dois filhos, Guy e Hervé, após o fim de seu casamento com Gustave

de Maupassant, em 1858. Durante toda a sua vida, Guy de Maupassant

considerou sua mãe a única confidente e conselheira. Laure, dotada de uma

cultura literária pouco comum e apaixonada pela literatura clássica em

especial, percebendo que seu filho se encaminhava para uma carreira

literária, não hesitou em procurar o amigo Gustave Flaubert para saber se o

filho estava no caminho correto. Desde então, Flaubert tornou&se o grande

- literário de Guy de Maupassant.

Em 1863, aos treze anos, Maupassant começa a estudar no seminário

de Yvetot, onde se revolta por se sentir aprisionado; aí comete seus primeiros

poemas. Cinco anos mais tarde, é expulso do seminário e admitido no

Colégio Imperial de Rouen. Em 1872, já adulto, entra para o Ministério da

(19)

literários, orientados por Flaubert. Enfim, três anos mais tarde, é publicado

o seu primeiro conto, A5 -5, no . - de Pont&à&

Mousson. Em 1876, quando se instala em Paris, Maupassant é convidado

para participar do grupo de Médan que se constituía em torno do escritor

Émile Zola. Dois anos mais tarde, graças a Flaubert, é empregado no

Ministério de Instrução pública de Cultos e de Belas Artes.

Entre 1880 e 1890 Guy de Maupassant escreveu mais de cem

crônicas12, aproximadamente, trezentos contos, sete romances, três

narrativas de viagem e um volume de versos, obras publicadas, inicialmente,

em colunas de jornais ou revistas e depois, em forma de livro. Observando&se

as datas em que seus contos apareceram nos periódicos como datas

aproximativas de sua criação, percebe&se que o período compreendido entre

1882 e 1884 é considerado o auge de sua carreira, com uma média de

cinqüenta contos escritos por ano. Entretanto, de 1885 a 1890, o que se

verifica é uma redução significativa de sua produção de contos, já que em

1890 foram escritos apenas vinte e cinco.

No que diz respeito aos romances, a produção se deu de maneira

inversa a dos contos, pois se o período entre 1882 e 1884 é o de maior

produção de contos pelo autor, este é também o de menor produção de

romances. Entre 1880 e 1886, Maupassant escreveu apenas os romances

& - A (1880), 8 # (1883) e ?.

(1885), enquanto que, de 1887 até 1890, foram escritos ( ? (1887),

(1888), $ ( (1889), ! ' (1890), AB

(20)

C D (1890) A. 5 (1890&1891), sendo que os dois últimos não

foram terminados.13

Em relação às narrativas de viagem, pode&se afirmar que elas foram

escritas na fase final de produção do autor e se resumem a três obras: .

3 (1884), 3 A (1888) e " (1890).

Maupassant também escreveu oito peças de teatro e mais de duzentos

e cinqüenta crônicas, em diversos periódicos, sobre os principais

acontecimentos sociais e costumes da época, e ainda críticas sobre obras de

alguns colegas e salões de pintura. Escreveu ainda onze prefácios14 que

foram, geralmente, reproduzidos nas edições das crônicas jornalísticas.15

Em 1878, Maupassant foi incitado por Émile Zola a colaborar

regularmente com o periódico francês , por ser um bom meio de

obter êxito financeiro, no entanto, conseguiu publicar apenas um texto, em

19 de março de 1878: & D , que já tinha aparecido em

1876, em 5 +16 Além de se dedicar aos contos,

romances e narrativas de viagem, em 1880, incentivado e orientado por

Gustave Flaubert, Maupassant publica & # , livro dedicado a este

último17, no qual reuniu todos os seus poemas escritos até então. Nesse

mesmo ano, era publicada na coletânea 3 5 (5 , editada por

13Segundo François Tassart (criado de quarto de Maupassant, de novembro de 1883 a julho de 1893), AB C D começou a ser escrito em agosto de 1890. No entanto, no fim deste mesmo ano, Maupassant o abandona para se dedicar ao seu último romance,

A. 5 , também inacabado. Cf. MONGLOND, + +, p. 227. 14Cf. ANEXOS.

15Informações obtidas através da revista eletrônica(

[http://www.maupassantiana.fr/Oeuvre/Prefaces.html] Acesso em 12 de junho de 2008. 16Cf. MONGLOND, + ., p. 29.

(21)

Georges Charpentier a novela 3 6, que marcou o início do sucesso

de Maupassant, consagrando&o como escritor de contos.18

Até 1885, na primeira fase de sua carreira literária, Maupassant nem

sempre assinava suas produções com o seu nome verdadeiro. Em uma carta

enviada a sua mãe, em 3 de abril de 1879, expõe algumas condições para

assinar os artigos que escrevia em colaboração com alguns periódicos da

época :

Je ne voudrais pas faire des chroniques régulières qui seraient forcément bêtes, je consentirais seulement à prendre de temps en temps un événement intéressant et à le développer avec des réflexions et des dissertations à côté ... Enfin, je ne voudrais faire que des articles que j’oserais signer et je ne mettrais jamais mon nom en bas d’une page écrite en

moins de deux heures.19

No que diz respeito aos pseudônimos, estes apresentavam diferentes

origens. A sua primeira novela, A5 -5, por exemplo, foi assinada

como Joseph Prunier, pseudônimo que teve sua origem em um apelido dado

pelos amigos Léon Fontaine20 e Robert Pinchon21, que conheceu enquanto

estava em Rouen, por volta de 1868.

Já o poema . A , publicado no jornal 5

, em março de 1876, e os contos A 5 e '

6 , publicados na revista ilustrada semanal ( E ,

respectivamente, em novembro de 1877 e setembro de 1878, aparecem

18Em 1901, as Edições Ollendorff publicaram uma coletânea contendo vinte e uma novelas escritas por Maupassant, entre 1883 e 1884, cujo título era 3 6. Cf. MONGLOND,

+ ., p. 115.

19Citado por MONGLOND, + +, p. 28.

(22)

assinados por Guy de Valmont, pseudônimo que não apresenta, até hoje,

sua origem determinada. Cogitam&se três hipóteses: os Maupassant teriam o

hábito de chamar o filho mais velho de Valmont; poderia ser uma alusão à

Normandia, uma vez que Valmont é uma região próxima de Yvetot ou ainda

poderia ser uma associação com o herói amoral de & ,

romance epistolar de 1782, no qual o oficial e escritor francês Pierre

Choderlos de Laclos – admirado por Maupassant – analisa de maneira

incisiva o cinismo e a perversidade.

Outro nome fictício adotado pelo autor – talvez o mais utilizado – é

Maufrigneuse, cuja primeira sílaba faz lembrar o seu próprio nome, além de

ser o nome da heroína da obra ' (1839), de Honoré de

Balzac. Geralmente, Maupassant optava por este pseudônimo quando

escrevia para o periódico . Como Maupassant colaborava há mais

tempo com o jornal e assinava seu nome verdadeiro nas

produções nele publicadas, preferiu adotar um pseudônimo para assinar

seus textos de .22 Existe ainda um outro pseudônimo não muito

difundido, mas também adotado pelo autor: Chaudrons du Diable,

empregado na crônica C , publicada em em 20 de agosto de

1880, e cuja origem se associa às falésias de Étretat.

Em janeiro de 1877, Maupassant começou a apresentar alguns

sintomas da sífilis, que se agravaram em 1880. Além de dores de cabeça

intensas e freqüentes, iniciou&se uma paralisia de acomodação do olho

direito. Apesar de todos esses sintomas, continuou a escrever. No entanto,

22Na verdade, também existem quatro contos assinados por Mauffrigneuse que apareceram

(23)

em 1891, o quadro de paralisia geral o impediu de dar seqüência à sua

produção. Dois anos mais tarde, em seis de julho, anunciava&se o

falecimento do autor.

Todas essas informações biográficas de Maupassant se mostraram

significativas para a realização desse estudo, já que se pretende

compreender os posicionamentos do autor durante a sua trajetória no

campo literário, a partir da intrínseca relação entre a sua escrita e a sua

vida, que Maingueneau conceituou como bio/grafia.

Em seu livro & % (2006), Dominique Maingueneau se

debruça sobre a complexidade dos processos de subjetivação que atuam na

criação literária, não tendo retomado diretamente o conceito G 6 ,

mencionado acima+ Reafirma que “não se pode justapor sujeito biográfico e

sujeito enunciador como duas entidades sem comunicação, ligadas por

alguma harmonia preestabelecida.”23 Desse modo, propõe que se distingam

três instâncias: a , que se refere ao indivíduo dotado de uma vida

privada; o , designando o ator que define uma trajetória na

instituição literária; e o , que é “tanto enunciador de um texto

específico como, queira ou não, o ministro da instituição literária, que

confere sentido aos contratos implicados pelas cenas genéricas e que delas

se faz o garante”.24 Maingueneau evidencia, ainda, a relação de

complementação que existe entre essas três instâncias, mostrando que cada

uma delas é atravessada pelas outras, “não sendo nenhuma delas o

23MAINGUENEAU, Dominique. & % + Trad.: Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006, p.136.

(24)

fundamento ou pivô.”25 Não se pode, portanto, isolar nenhuma dessas

instâncias das outras pois, “através do inscritor, é também a pessoa e o

escritor que enunciam; através da pessoa, é também o inscritor e o escritor

que vivem; através do escritor, é também a pessoa e o inscritor que traçam

uma trajetória no espaço literário.”26

No caso de Maupassant, nota&se que tanto em suas crônicas como em

suas narrativas de viagem, traz&se à cena “a pessoa” – Maupassant enquanto

um jovem normando, apaixonado pela água e pela canoagem, por exemplo –

sem que se oculte “o escritor” – que apresenta uma trajetória no jornalismo,

na instituição literária, marcada pela sua produção de contos, pela sua

filiação ao princípio da observação minuciosa proposta pela estética

naturalista – nem “o inscritor” – o enunciador que demonstra suas

capacidades estilísticas ao lançar mão, por exemplo, de uma escrita simples,

irônica, sem erudição, inscrito numa tradição oral caracterizada pela

delegação da palavra a narradores de segunda instância.

De acordo com Maingueneau, o regime da literatura no qual há esse

entrelaçamento das três instâncias denomina&se " e se alimenta do

regime " , marcado pela impessoalidade, ou seja, há um

distanciamento do sujeito em relação ao seu discurso, evidenciando&se,

portanto, o efeito de objetividade do texto. Esses dois regimes alimentam&se

um do outro “segundo modalidades que variam a depender das conjunturas

históricas e dos posicionamentos dos diferentes autores.”27 ,

257 +

(25)

pode&se dizer que, ao longo de sua trajetória, Maupassant criou,

paralelamente, como será apresentado a seguir, produções delocutivas,

como contos, novelas e romances e elocutivas, como narrativas de viagem,

(26)

3. MAUPASSANT E SUA OBRA

A principal proposta desse capítulo é apresentar de maneira

panorâmica a Obra de Maupassant, levando&se em conta os gêneros

discursivos aos quais se dedicou, a fim de apontar o seu caráter

multifacetado.

De acordo com Maingueneau, em & % , a de um

autor é “a trajetória de conjunto em que cada obra singular assume um

lugar”28 e se caracteriza por associar dois espaços considerados

indissociáveis, mas que não se encontram em um mesmo plano: o )

* e o ) .29 O espaço canônico alia&se, em geral, ao

regime denominado " , “em que o autor se oculta diante do mundo

que instaura”; trata&se de um regime “dominante, mas [...] constantemente

afetado pelo regime elocutivo”.30 o espaço associado alia&se,

principalmente, ao regime “ " no qual “o inscritor”, “o escritor” e “a

pessoa”, conjuntamente mobilizados, deslizam uns nos outros”.31 Não se

trata, contudo, de “um espaço contingente que se somaria a partir de fora ao

espaço canônico”32. Portanto, há uma permanente negociação entre os

espaços, que se dá em função de cada obra.

As fronteiras entre ) * e ) não podem ser

definidas previamente.33 No entanto, podemos relacionar textos

28MANGUENEAU, 2006, p. 143. 29Cf. 7 .

30Cf.7 p. 139. 317 .

327 , p. 144.

(27)

autobiográficos, relatos de viagens, diários, prefácios e correspondências ao

regime elocutivo e ao espaço associado, enquanto que romances, contos e

novelas, pertenceriam ao regime delocutivo e constituiriam, em grande parte,

o espaço canônico da literatura francesa do século XX.

Ao estudar, de maneira geral, a produção de Maupassant, em que se

incluem poesias, peças de teatro, contos, novelas, crônicas, prefácios,

narrativas de viagem, romances e correspondências, nota&se a existência

dessa fronteira 6 & renegociada a cada momento da trajetória &, entre

esses dois espaços que formam a Obra. Há ainda o entrelaçamento das três

instâncias – o inscritor, o escritor e a pessoa – e a dificuldade, portanto, em

se “dissociar as operações enunciativas mediante as quais o

discurso e o modo de organização que ao mesmo tempo o

pressupõe e estrutura.”34 Assim sendo, como lembra Maingueneau, deve&se

observar, ao se construir uma cena de enunciação, a existência de uma

sustentação mútua da legitimação do dipositivo institucional, dos conteúdos

manifestos e da relação interlocutiva.35

Genette considera tudo que envolve o livro, Maingueneau se refere apenas aos textos atribuídos ao próprio autor. Assim, um prefácio escrito por uma terceira pessoa não entra na categoria proposta por Maingueneau. Genette, por sua vez, intitula “índices paratextuais”, os elementos que, em uma obra publicada, mesmo sem pertencerem ao texto em si, cercam&no e contribuem para a sua identificação. Dentre estes índices paratextuais, no caso particular de Maupassant, destaco o título, que em sua grande parte, tanto nas crônicas como nos contos, nas novelas e nos romances, apresentam uma função metalingüística, já que logo de início, trazem a identidade do texto, remetendo ao seu tema. Assim, a título de exemplo, temos a crônica que remete à região da Bretanha, uma vez que o termo “korrigan” designa, na região, os espíritos malfeitores, a novela 3 6, que apresenta como protagonista uma mulher gorda, o conto ! ! H, cuja trama se passa em uma noite de Natal, o romance8 " , que nada mais é que a história de vida de Jeanne, ou ainda o romance cuja trama gira em torno dos irmãos.

(28)

Para a Análise do Discurso, a noção de ), é associada

à noção de ), ), . Contudo, ao se falar de

), , parece ser inevitável que se toque na questão dos gêneros do

discurso, uma vez que cada gênero determina um espaço socialmente

instituído e, em sua dimensão constitutiva, instaura seu espaço de

enunciação de acordo com o discurso que será colocado em cena. O gênero

discursivo caracteriza&se por uma , e cada cena requer uma

dramaturgia específica. Assim, a cena não pode ser concebida como um

quadro simples previamente construído do qual emerge o discurso; deve ser

entendida como constitutiva do discurso.

Em & % , Dominique Maingueneau propõe uma análise

da cena de enunciação em três cenas distintas:

5 e 6 +36 A , comumente entendida como um

(político, religioso, literário, publicitário, etc.), é a cena que

sinaliza um estatuto pragmático ao gênero de discurso de onde provém o

texto; a 5 define&se pelos gêneros do discurso e a 6 é a

cena com que o co&enunciador se depara em primeiro plano, já que as cenas

englobante e genérica são deslocadas para o segundo plano.

Ainda no que diz respeito à 6 , esta não é imposta pelo gênero

do discurso, mas instituída pelo discurso, que a determina logo no início e,

no seu desenrolar, busca justificá&la em seu dispositivo. Assim, a 6

é considerada a gênese e a finalidade do discurso; legitima e é legitimada no

e pelo discurso que, por sua vez, estabelece sua 6 específica. Como

(29)

evidencia Maingueneau, a 6 não é tão&somente um cenário onde o

discurso aparece no interior de um espaço já construído e independente

dele; ela é a enunciação que, ao se desenvolver, constitui progressivamente –

e paradoxalmente – o seu próprio dispositivo de fala; a cenografia é “[...] ao

mesmo tempo fonte do discurso e aquilo que ele engendra; ela legitima um

enunciado que, por sua vez, deve legitimá&la estabelecendo que essa

cenografia onde nasce a fala é precisamente a cenografia exigida para

enunciar como convém.”37

Maingueneau explicita ainda que a 6 implica em um

momento específico (cronografia) e em um lugar específico (topografia) de

onde o discurso emerge. A determinação da identidade dos parceiros da

enunciação está em estreita ligação com a definição de um conjunto de

lugares (saberes partilhados e mundos possíveis) e de momentos de

enunciação (instante da interação). Dentre as três cenas, a cenografia

aparece como a cena de enunciação mais propícia aos investimentos de

criação do discurso. Trata&se de uma dimensão criativa, na qual se forma o

simulacro de um momento, de um espaço e dos papéis sociais conhecidos e

compartilhados culturalmente.

A partir desses conceitos desenvolvidos por Maingueneau, surgiram,

portanto, algumas reflexões que serão desenvolvidas nesse estudo: haveria

diferença entre o Maupassant que assinava suas produções e o que lançava

mão do uso de pseudônimos? No caso específico de Maupassant, o que faria

parte do espaço associado e do espaço canônico?

(30)

3.1 – A poesia e o teatro

O teatro e a poesia foram os primeiros gêneros literários a que Guy de

Maupassant se dedicou. Segundo informações obtidas em uma edição

especial dedicada a Guy de Maupassant da revista francesa ( 1

5 , desde pelo menos 1868, ele já escrevia poemas narrativos, em

geral voltados para a temática amorosa, não raro entremeados de diálogos e

cuja forma é na maioria das vezes clássica, em versos alexandrinos.38 Uma

pequena parte desses poemas foi reunida no volume de estréia do autor,

intitulado & " , de 1880, dedicado a Gustave Flaubert; outros ficaram

dispersos.

A poesia de Maupassant recebeu o incentivo de Louis Bouilhet, poeta

morto em 1869, também amigo de Flaubert. A redação nesse gênero seria

abandonada por Maupassant, sobretudo a partir de 1880, quando começou

a escrever e publicar seus contos com maior freqüência. Há também uma

justificativa da mãe de Maupassant, Laure, de que ele teria deixado a poesia

para se dedicar à prosa devido à morte do primeiro mestre e à influência

literária, de maior peso, do segundo: “Se Bouilhet estivesse vivo, ele teria

feito de Maupassant um poeta [...] Foi Flaubert que fez dele um

romancista”.39

A pouca importância hoje atribuída a essa coletânea de poemas deve

ser relativizada. Deixando de lado os juízos de valor, o mais significativo da

leitura desses poemas, assim como de sua obra teatral, é notar, já nas

(31)

primeiras tentativas literárias de Maupassant, a presença de certas

obsessões que se aprimorariam no registro maior que o consagrou, a prosa.

Não se pretende aqui, portanto, analisar a poesia de Maupassant, mas sim

mostrar esses elementos que seriam retrabalhados por ele em seus contos.

Observa&se freqüentemente em seus poemas, além da temática

recorrente do amor ou da desilusão amorosa, tendo ao fundo uma paisagem

natural, o uso de palavras como F 40, o que insere nos

poemas uma situação de reviravolta, tal como ocorre na maioria de seus

contos, que surpreendem o leitor com o inusitado. Nesses poemas, de um

modo geral, a natureza é descrita com bastante lirismo, mas não é vista

romanticamente. Em “Fin d’amour”41, por exemplo, enquanto o rapaz se

prepara para deixar de vez a sua amante que sofre com o fim do

relacionamento, todos os animais estão aos pares, gozando o amor (“L’amour

était partout comme une grande fête”, v. 59), de modo que a moça constata:

“Amour! L’homme est trop bas pour jamais te comprendre!” (v. 113).

Podem&se ainda depreender os temas mais recorrentes nos poemas do

volume, muitas vezes misturados em uma mesma peça: o amor sensual, às

vezes até obsceno.42 Nestes, é freqüente o emprego do termo 6 para

definir a sensação amorosa; a despedida de um amor, terminado por uma

das partes, como ocorre no já citado “Fin d’amour” e também no poema

40 Foi realizada uma contagem sem maiores pretensões e esses dois termos foram encontrados em diversos poemas. Ver, por exemplo, os poemas: “Le mur” (v. 68 e 115), “Un coup de soleil” (v.12 e 18), “Une conquête” (v. 5, 76 e 114), “Envoi d’amour” (v. 24), “ Vénus rustique” (parte VI). MAUPASSANT, Guy de. & " + Disponível em [http://maupassant.free.fr/cadre.php?page=oeuvre] Acesso em 22 de fevereiro de 2008. 417 +

(32)

“Sonnet”; a passante que desperta o desejo do poeta, como em “Une

conquête” e “Désirs”; as nuances do amor que culminam com a morte em

“Un coup de soleil”, “Au bord de l’eau”, “La dernière escapade” e “Vénus

rustique”; o medo do desconhecido, em “Terreur”; a ironia do amante contra

o marido oficial, em “Sommation”; as conversas de rua ouvidas pelo eu&lírico,

em “Propos de rues”.

A partir da leitura de seus poemas, já é possível notar o interesse de

Maupassant pelos temas da sedução, do fantástico e da crítica à burguesia,

temas estes que permeiam muitos de seus contos. Em seus poemas, a

mulher retratada é, geralmente, a I , ou a amante, que atrai pela

beleza, pelo perfume, mas que permanece incompreendida pelo poeta. O

amor é quase sempre proibido socialmente, seja pela família dos jovens, seja

pelo casamento.

Leitor de poetas contemporâneos como Victor Hugo, Edgar Allan Pöe,

Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud, conforme se observa nas crônicas e

narrativas de viagem em que os citam, Maupassant abandonou a forma

literária do poema sem, no entanto, deixar de lado a poeticidade em sua

prosa. Tendo em vista que, em seus poemas, Maupassant já tratava das

questões que ocupariam seus textos narrativos, não se pode ignorar essa

parte de sua obra, à qual ele se dedicou durante os primeiros anos de sua

trajetória. A busca de um efeito, para o qual a história converge, e a defesa

dos princípios poéticos simbolistas subjazem às discussões estéticas do

autor. Independente da forma literária escolhida, alguns de seus princípios

(33)

Assim como nos poemas, nas peças de teatro de Maupassant, a

temática do amor infiel reaparece, aliada a uma irônica crítica social da

burguesia.

J " , sua primeira peça em versos alexandrinos,

finalizada em 1874 e encenada pela primeira vez em 1879, apresenta&se sob

a forma de um diálogo entre um conde e uma marquesa, ambos em idade

avançada, um pouco deprimidos pelo tempo e pelas lembranças. No início

dessa conversa, a marquesa, como diversas personagens dos contos de

Maupassant, pede ao conde que lhe conte uma história vivenciada, de amor

galante. Há aqui também, portanto, histórias em I . O conde

conta&lhe então algumas histórias até surpreendê&la com uma que lhe diz

respeito: sem que nenhum deles tivesse se dado conta, ele fora o seu

primeiro amor quando ela tinha dezesseis anos e a deixou à espera por toda

a juventude. O contraste da visão feminina e masculina do amor nas falas

do conde e da marquesa sobre a mulher caracteriza um tipo de observação a

que o autor voltaria em sua produção futura, muitas vezes avaliada

simplesmente como machista e pessimista, mas que traduz uma leitura

social da mulher parisiense da segunda metade do século XIX.

A segunda experiência teatral de Maupassant foi feita em colaboração

com outros colegas, em 1875. K 6 ( é uma peça

que foi ultimamente republicada.43 A edição das obras teatrais a que tive

acesso, porém, não traz K 6 nem 5

(34)

(também chamada - - ), justificando que

não ofereceriam interesse, uma vez que são tentativas da juventude do

autor.44 Por outro lado, é possível que o caráter pornográfico de K 6

tenha impedido, ainda em 1910, essa publicação.

A intenção desse texto era a diversão do grupo e principalmente dos

mestres Flaubert e Zola, a cuja primeira e única encenação assistiram,

quando o próprio Maupassant representou uma prostituta.45 Como se vê, o

tom naturalista libidinoso interessava ao grupo ao qual Maupassant se

ligara. Os temas ali discutidos seriam retomados, de outro modo, como será

visto, mas já estabelecidos no rol do autor.

Ilustração 1

Capa da edição de 1945 da peçaK 6 ( .46

44MAUPASSANT. " D +Paris: Louis Conard, 1910, p. 246. 45LECLERC, + ., p. 20.

(35)

Todos os dramas de Maupassant parecem dedicados à sátira social.

8 5 5 , de 1875, é uma comédia em verso que ironiza a figura do

marido traído. Trata&se de uma peça dentro da outra em que um jovem vai

até a casa de sua coadjuvante, Mme Destournelles, para ensaiar. O amor

platônico que o rapaz nutre por ela vem a ser anunciado ali, diante do dono

da casa e marido, M. Destournelles. Entretanto, este pensa que a confissão

faz parte do texto encenado, numa confusão entre representação e realidade.

Nessa peça, portanto, o jogo feito com a metalinguagem cênica é o elemento

de maior destaque. Com esse procedimento, o discurso inicial de resignação

feminina ao casamento é abandonado pela esposa, uma vez que esta sai

triunfante de cena, enganando o marido. A comédia em um ato não foi aceita

para encenação na época, decepcionando Maupassant, que escreveu em

uma carta ao amigo Robert Pinchon:

Décidément, les directeurs ne valent pas la peine qu’on travaille pour eux. Ils trouvent, il est vrai, nos pièces charmantes, mais ils ne les jouent pas, et pour moi, j’aimerais mieux qu’ils les trouvassent mauvaises et qu’ils les fassent représenter. C’est assez te dire que Raymond Deslandes juge

ma 5 5 trop fine pour le Vaudeville.47

A peça seguinte de Maupassant só seria escrita, e desta vez

representada, em 1891. ( é uma espécie de drama burguês, uma

tragicomédia familiar em três atos. Primeira peça em prosa, feita em co&

autoria com Jacques&Normand, trata&se da adaptação por Maupassant de

um conto de sua autoria, “L’Enfant”, do volume ' + Há em (

uma ação concentrada em um único dia, mas em dois planos – o lar de M.

de Petitpré e o quarto da modelo e antiga amante de Jean de Martinel, a

(36)

Musotte. Essa ação, em traços gerais, segue o enredo do conto “L’enfant”: no

dia do casamento, o noivo recebe uma carta que o obriga a abandonar a

esposa, por algumas horas, a fim de trocar as últimas palavras com a antiga

amante, modelo, com quem havia rompido e que está prestes a morrer, não

sem antes lhe revelar o filho recém&nascido.

Ao se comparar o conto e a adaptação para o teatro, nota&se que são

os traços distintivos entre estes que reforçam alguns dos elementos

marcantes da poética do autor. A ironia contra a burguesia e o espírito livre

de Léon – irmão da noiva Gilberte e amigo do noivo – personagem ausente

em “L’enfant”, contribuem para o humor do texto. As personagens são bem

caracterizadas, algumas chegam ao esboço de tipos do quadro familiar, como

a tia mal&amada, o pai advogado e correto, que põe em discussão o tema do

divórcio, controverso na época, e a modelo que morre por amor. O conto por

sua vez, oferece outra esfera de detalhes, caros a essa forma literária em

Maupassant, como o amor à primeira vista de Jacques Bourdillère – no

papel do noivo –, na praia, ao ver sua futura noiva, Berthe Lannis, sair da

água. No conto, a relação com a amante anterior não representa um

relacionamento amigável, nem é esta tão digna quanto Musotte. A descrição

da amante à beira da morte é mais brutalizada, diferindo da versão teatral,

na qual a morte ocorre em cena, mas quase como um suspiro.

Os temas de intriga doméstica, freqüentes em grande parte dos contos

de Maupassant, os tornam passíveis de adaptação. Há contos como “Au bord

du lit”, que traduz em sua forma o - do drama, com as instruções para

(37)

destacadas do texto, em itálico. Esse diálogo de “Au bord du lit” é retomado

quase por inteiro na peça em prosa 5 , escrita em 1888 e

representada em 1893, na Comédie Française.48

Há nessa comédia de costumes a representação do casamento de

aparências: marido e mulher mantêm de comum acordo relacionamentos

extraconjugais, mas é conveniente mostrar para a sociedade, e

financeiramente para ambos, a “paix du ménage”. Põe&se em pauta,

novamente, uma discussão da época sobre o casamento e há uma ironia fina

do autor sobre as conveniências burguesas. Nas palavras de Mme de Sallus, a

esposa que quase põe tais regras a perder, o casamento é um direito, um

título de possessão adquirido pelo marido, “une association d’intérêts, un

lien social”49, em que o amor e o afeto não têm lugar e, à exceção de matar a

esposa, o marido tudo pode. O que existe em comum entre o final do

primeiro ato e o conto “Au bord du lit” é a proposta ardilosa da esposa para

servir de amante do marido, em troca do dinheiro que ele daria à melhor de

suas amantes. Essa situação, surpreendente para o marido, acaba de modo

diferente em cada uma das obras: no conto, a mulher pega o dinheiro; na

peça, ela se recusa a dormir com M. de Sallus e joga&lhe a quantia na cara.

Ao se fazer a leitura do segundo ato, descobre&se, então que o interesse do

marido da peça não era de restabelecer o contato com ela, mas de manter o

matrimonial, deixando o caminho livre para a liberdade moral da

48MAUPASSANT.' " +Paris: Gallimard, t. I, 1974, p. 1598. (Bibliothèque de la Pléiade)

49MAUPASSANT, Guy de. 5 + Disponível em

(38)

esposa.50 No fim do drama, M. de Sallus sai para ver sua amante, enquanto

deixa o amante jantando com sua esposa.

A leitura dessas obras pouco comentadas propiciou uma melhor

compreensão da trajetória artística do escritor. Elas também ofereceram um

rico material para a discussão de temas polêmicos da estética

maupassantiana, como o divórcio e a liberdade feminina, e de formas

recorrentes, como a estrutura enquadrada e o cruzamento de diversos níveis

diegéticos, sob os quais se oculta o autor, oferecendo maior grau de

verossimilhança aos seus textos.

3.2 – O conto e a novela

Thierry Oswald, refletindo acerca das definições de conto e novela,

assinala que a novela, na verdade, “nasce e procede do conto, que, pouco a

pouco, mas em troca de muitas hesitações, retrogradações, reiterações, dá à

luz laboriosamente a uma forma nova que ele carregava como corpo

embrionário.”51

A problemática desses dois gêneros empenha ainda hoje o interesse de

estudiosos, que perseveram na busca de uma conceituação. Entre

divergências e oscilações, a questão permanece aberta. Assim, diante da

(39)

complexidade de se fixar, portanto, uma fronteira entre essas noções, e de

não ser esse o propósito nesse estudo, seguem algumas informações acerca

das novelas e dos contos escritos por Maupassant.

Assim como os poemas, Maupassant começou publicando de modo

disperso seus contos – assinados com pseudônimos – em jornais e revistas

literários.52 Em 1875, publicou “La main d´écorché”, seu primeiro conto. De

1881 até 1890, Maupassant lançou quinze volumes de contos53, deixando

ainda esparsos muitos outros. As edições mais completas perseguem hoje

critérios diversos. A mais especializada, a da 5 , com notas e variantes,

adotou o método cronológico de organização.

Ao se pensar no gênero conto, não raro se pensa no nome de

Maupassant. A maioria de seus contos caracteriza&se por uma denúncia

realista e risível da sociedade burguesa, como será visto adiante. Talvez, a

originalidade de Maupassant resida, portanto, no fato de ele fundar suas

narrativas em acontecimentos cotidianos, aparentemente sem importância.

No que concerne seus contos e novelas, nota&se que sua composição é

caracterizada por uma estrutura que aparece regularmente e que se compõe

dos seguintes elementos: exposição, apresentação dos personagens,

introdução de uma situação banal, aparecimento de um fato inesperado e o

desenlace. Avento a hipótese de que é a introdução de um fato inesperado

que constitui o cerne dessa estrutura, uma vez que é ele o responsável por

52 Como, por exemplo, em A. - ?F?( "

$ ) ( E com os pseudônimos Guy de Valmont e Joseph Prunier.

53 ( 9 (1881), ( $ 6 (1882), ' 5 (1883), '

A (1883), ( J (1884), (1884), N" (1884), ' O

(1885), 9 (1885), ( (1886), (1886), J

(40)

dinamizar a ação e conduzi&la ao fim. Este fato dinâmico é a causa da

mudança brusca de uma situação literária cotidiana comum para uma

situação inesperada, tendo uma finalização dramática. Assim, em $

(1883), por exemplo, o fato inesperado é a perda de um porta&moedas: em

Goderville, no país de Caux, os camponeses tinham o hábito de irem a uma

feira, na praça. Econômico, o senhor Hauchecorne recolheu do chão um

pequeno pedaço de barbante, quando de repente, se deu conta que seu

inimigo, senhor Malandain, o observava. Envergonhado de seu gesto, ele

fingiu que estava procurando algo e depois seguiu para a feira e foi almoçar

no albergue. O tambor ressoou: um guarda anunciava a perda de um porta&

moedas. Pouco depois, um oficial foi procurá&lo afirmando que o tinham

visto, pela manhã, pegar um porta&moedas. Ao questionar o oficial da

procedência da queixa, soube que havia sido o senhor Malandain, que o

acusara. Ele negou a acusação com veemência. Uma busca em sua roupa

mostrou apenas o barbante, mas a calúnia contra ele o perturbara tanto que

ficou obcecado com isso e morreu no início de janeiro, jurando inocência, em

delírio, no seu leito de morte.

Segundo Otto Maria Carpeaux, trezentas narrativas sobre um assunto

qualquer poderiam ter levado Maupassant a cair na repetição do mecanismo

da técnica.54 No entanto, Maupassant continuou sendo lido com interesse.

Em sua época, alguns acreditavam que o aspecto regionalista de

Maupassant faria perdurar o gosto por suas narrativas, idéia que ocupou

(41)

algumas das discussões apontadas pelos escritores entrevistados por Artine

Artinian, em ( .55

Diversas maneiras de classificação dos contos e das novelas foram já

ensaiadas. Deve&se, no entanto, compreendê&las apenas como instrumento

didático, uma vez que quaisquer tentativas de abordagem prevêem uma

leitura parcial na riqueza representada por cada um dos textos em

particular.

Albert&Marie Schmidt, biógrafo de Maupassant e organizador da edição

das narrativas curtas para Albin&Michel56, seguiu uma divisão em onze

temas: “Drames et propos rustiques”, “Les confinés”, “Les séductions et l’art

d’aimer”, “Le charme des liaisons”, “Le danger des liaisons” (o mais extenso,

com 59 textos), “La cage aux filles”, “Scènes de la vie cléricale”, “Ironie et

horreurs de la guerre”, “Le massacre des innocents”, “Les chemins de la

démence” e “diverses créatures”. O organizador apenas propõe uma ordem

de leitura, e o leitor, dispondo dos textos, tem a possibilidade de lê&los como

preferir. Assim como Maupassant optou por apresentar o texto “La bécasse”

na introdução do seu volume ' 5 , Albert&Marie Schmidt

manteve o mesmo texto, na mesma posição: introduzindo a sua antologia, o

que mostra a importância que o organizador dá, de certa maneira, ao

aspecto estrutural das narrativas do escritor.

O crítico Otto Maria Carpeaux ocupa&se de Maupassant, sobretudo

pelo seu vínculo com a tradição do conto popular medieval francês, os

55 ARTINIAN, Artine. ( / enquête internationale (147 témoignages inédits). Paris: Nizet, 1955.

(42)

6 , em que as marcas da oralidade e a função lúdica, de passatempo,

eram centrais. Nesse sentido, os contos enquadrados de Maupassant – ou

seja, aqueles em que há pelo menos dois narradores, um heterodiegético

(externo ao evento relatado) e outro homodiegético (que testemunhou o

evento) ou autodiegético (protagonista do evento), segundo a classificação

greimasiana consagrada57 & correspondem a cerca de metade de sua

produção de contos, segundo informa Jaap Lintvelt58, que realizou uma

análise da relação entre os narradores externo e interno, da reação das

personagens ouvintes e do leitor, nas narrativas de Maupassant, partindo do

conceito de polifonia de Mikhail Bakhtin. Lintvelt cita o conto “Histoire vraie”

em que, apesar de o relato do narrador autodiegético descaracterizar a

personagem feminina em questão, Rose, o narrador heterodiegético, leva o

leitor a compadecer&se dela. Assim sendo, o crítico conclui que essa

estratégia formal complexa é um recurso que expressa o objetivo estético de

Maupassant de sugerir, de compor dubiamente, de maneira que o leitor

busque uma interpretação que não é dada diretamente pelo autor. Essa

teoria está expressa no prefácio de Maupassant a , do qual

algumas passagens vêm citadas no seguinte trecho do artigo de Lintvelt:

A imagem de mulher, fornecida pela narração feminina não difere, portanto, essencialmente da que é dada pelo homem, e a recepção feminina não mostra toda a complexidade de uma narrativa feminina. Cabe sempre ao leitor ter um papel ativo na interpretação ideológica. Este é o objetivo estético de

57Os termos empregados para a classificação dos narradores apresentam&se resumidos em: REIS, Carlos; LOPES, Ana Cristina M. & % . 4ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1994, p. 257&274.

(43)

Maupassant, que estima que o romancista deva ‘compor sua obra de uma maneira tão hábil, tão dissimulada’, que seja impossível ‘descobrir suas intenções’, ‘sua visão pessoal do mundo’. O objetivo do romancista é forçar o leitor a

‘compreender o sentido profundo e secreto.59

Quanto aos temas mais discutidos que foram desenvolvidos pelo

escritor em seus contos e novelas, destacam&se algumas questões sobre o

amor. Nas relações amorosas, nem sempre acidentadas, não há apenas a

visão pessimista de Schopenhauer sobre a mulher&armadilha, como discutiu

Besnard&Coursodon em C -5 A "

( / D . Esta autora estuda, nas obras ficcionais do escritor,

as relações ardilosas impostas pela figura feminina por meio do amor, da

natureza e de Deus. Faz um levantamento e analisa a recorrência das

imagens da armadilha nos textos, o que contribui para sua argumentação

em defesa da tese de que Maupassant se divertiu ao tratar de certa

complacência entre o marido e o amante da mulher: desde os romances ?

. (entre Duroy e M. de Marelle) e Mont&Oriol (entre Brétigny e Andermat)

até os contos “Le gâteau” e “La porte”, bem como de certa malícia e sedução

feminina, que nem sempre levavam à fatalidade, como em “Idylle” e “Le

signe”, por exemplo.60

O determinismo e o fatalismo, freqüentes no romancista, se vêem

nuançados pela arte do contista. M. Leras, o protagonista do conto

59« L’image de femme, fournie par la narration féminine ne diffère donc pas essentiellement de celle donnée par l’homme, et la réception féminine ne rend pas forcément toute la complexité d’un récit féminin. C’est toujours au lecteur de jouer un rôle actif dans l’interprétation idéologique. C’est là justement l’objectif esthétique de Maupassant, qui estime que le romancier devra “composer son oeuvre d’une manière si adroite, si dissimulée”, qu’il soit impossible de “découvrir ses intentions”, sa “vision personnelle du monde”. Le but du romancier est de forcer le lecteur “à comprendre le sens profond et caché ”.» LINTVELT, + ., p. 180.

(44)

“Promenade” (1884), é um instrumento da ironia e da crítica a uma categoria

profissional que Maupassant já desprestigiava na crônica “Les employés”.

Nessa crônica de 1882, o autor traça o comodismo e a passividade do

funcionário público que teve seu destino como resultado de sua própria

escolha:

L'employé ne quitte point son bureau, cercueil de ce vivant ; et dans la même petite glace où il s'est regardé, jeune, avec sa moustache blonde, le jour de son arrivée, il se contemple, chauve, avec sa barbe blanche, le jour où il est mis à la retraite. Alors, c'est fini, la vie est fermée, l'avenir clos. Comment cela se fait&il qu'on en soit là, déjà ? Comment donc a&t&on pu vieillir ainsi sans qu'aucun événement se soit accompli, qu'aucune surprise de l'existence vous ait jamais secoué ? Cela est pourtant. Place aux jeunes, aux jeunes employés !

Alors on s'en va, plus misérable encore, avec l'infime pension de retraite. On se retire aux environs de Paris, dans un village à dépotoirs, où l'on meurt presque tout de suite de la brusque rupture de cette longue et acharnée habitude du bureau quotidien, des mêmes mouvements, des mêmes actions, des

mêmes besognes aux mêmes heures.61

Certa irreversibilidade das personagens romanescas, que pouco podem

contra o acaso, flexibiliza&se nos contos e novelas: muitas vezes elas fazem

as suas escolhas.

No que diz respeito ao gênero fantástico, nota&se que Maupassant,

desde a sua primeira narrativa publicada, “La main d’écorché”, já era atraído

pelo gênero, sobre o qual tinha as suas próprias teorias, conforme visto em

“Le fantastique”. Enquanto Albert&Marie Schmidt62 atribui o fantástico à sua

doença nervosa, Marie&Claire Bancquart, entre outros críticos, destacou a

61MAUPASSANT, Guy de. « Les employés ». Disponível em

[http://www.maupassantiana.fr/Oeuvre/ChrLesEmployes.html] Acesso em 22 de julho de 2008.

(45)

importância em se deixar de observar o fantástico como um produto da

doença terminal do escritor.63 No estudo “Maupassant, un homme

énigmatique”, ela argumenta sobre este ponto de vista:

Mas o leitor francês é tão desconfiado diante do irracional que ele gostaria, de toda maneira, de colocá&lo em uma categoria especial, deixá&lo inofensivo: veja, é um louco que escreve

histórias de loucura; nós podemos lê&las sem sermos

atingidos por elas! Tal asserção não resiste ao exame. Na curta e tão intensa carreira literária de Maupassant, os contos fantásticos estão presentes desde o início (“ Sur l’eau” faz

parte de 9 , “Fou ?” de ( $ 6 M e

conhecem um máximo de freqüência em 1885&1886, no

momento do J , para diminuir, em seguida, como se

Maupassant tivesse precisamente recuado diante de

narrativas que encenassem um destino que ele sentia que seria o seu. Ele não deu um lugar especial aos seus contos fantásticos, que fez aparecer em coletâneas nas quais eles estavam juntos com narrativas ditas “realistas”. E quando os escreveu, ele não estava “louco”. Ele dominava perfeitamente seu assunto e sua escrita; ele se distanciava. O momento em que Maupassant mergulha na loucura é precisamente aquele em que ele pára de interessar à literatura: ele hesita, começa romances que ficaram inacabados; depois não escreve mais nada, toda criação artística dependendo de um controle que ele não é mais capaz de ter. Os contos fantásticos são o

indício de um temperamento sensível, chegando ao

sofrimento; mas para explicar o talento deles, o talento, esse temperamento não saberia servir como fio condutor. Criado nas mesmas condições, atingido pelo mesmo mal, morto no asilo três anos antes de Maupassant, seu irmão Hervé nunca escreveu nada. […] Maupassant baseia suas narrativas

fantásticas nos riscos de alienação constantes de nosso ser.64

63BANCQUART, Marie&Claire. ( 6 +Paris: Minard, 1976.

(46)

A ilusão da arte do escritor realista trabalha as soluções racionalmente

viáveis, mas impõe uma impressão do fantástico (uma hesitação) que se

passa dentro de cada um, em que a própria identidade, mesmo que por

alguns instantes, é posta em jogo. Em J , por exemplo, que

apresentou duas versões65, é mostrada ao leitor a complicada relação eu&

outro (feita de oposição e identificação), a luta com o (seu) duplo, com a

sociedade.

Em termos gerais, a primeira versão, de 1886, trata da história de um

homem que vive bem, perto de Rouen, e que começa a ter sintomas

diferentes como insônia, emagrecimento, mau humor. Com o tempo,

acontecimentos estranhos, inexplicáveis, passam a ocorrer com ele e

também com outras pessoas da redondeza. Ele, convictamente, anuncia que

há um ser inserido na sociedade, a quem nomeia como “Horla”.66

Já na segunda versão67, de 1887, apresentada em forma de diário

(numa espécie de registro confessional), o narrador revela a mesma trama,

porém com final aterrador: ateia fogo na casa na esperança de matar o

Horla. Sem a certeza de ter matado o Horla, pensa em cometer o suicídio:

«Mort? Peut&être? [...] Non...non...sans aucun doute, sans aucun doute… il

fil conducteur. Elevé dans les mêmes conditions, atteint du même mal, mort à l'asile trois ans avant Maupassant, son frère Hervé n'a jamais rien écrit.

[…] Maupassant fonde ses récits fantastiques sur les risques d'aliénation constants de notre être. » BANCQUART,( ?' + ( - 5 . Paris: Ministère des Affaires étrangères, 1993, p. 15&17.

65MONGLOND, + + p. 151.

66MAUPASSANT, Guy de. Le Horla (1eversion).' " +Gallimard, 1979, t.II, p. 822&830.

67

(47)

n'est pas mort…Alors…alors…il va donc falloir que je me tue, moi !...»68 A

dimensão espacial da narrativa é construída de maneira a informar que o

suposto paciente vive em um lugar aprazível (na segunda versão, há uma

preocupação narrativa ainda maior em dizê&lo) e privilegiado. Não há índices

de ambiente ermo, mórbido, ao contrário: o Sena (rio adorado por

Maupassant) corta sua propriedade. Até esse ponto, o insólito não se

anuncia, mas sim o suspense: o homem internado vai explicar aos médicos o

que o traz ali, embora pareça física e moralmente sadio. É importante que,

também aqui, as personagens secundárias como o cocheiro e a vizinhança

atuem como “confirmadores” daquilo que vive o personagem. Os sintomas

estranhos evoluem na narrativa para acontecimentos estranhos: água e leite

são tomados por alguém que não se identifica; vasos se quebram sozinhos;

páginas viradas sem ação nenhuma, até que o homem atormentado pelo

medo e pelo estranho, julga ver o “ser”: o sobrenatural é explicitado. A sua

existência, e seus atos, é confundida (ou questionada) com a possibilidade

de uma alucinação ou um sonho, mas a dúvida é rapidamente sanada

quando é narrado que, além de seus vizinhos, habitantes da província de

São Paulo também apresentam sintomas semelhantes. Pela memória,

resgata o fato de que um navio brasileiro passara pelo Sena, próximo a sua

casa, o que concatena as suas impressões. Assiste&se, então, a uma história

do pavor, do medo, do suspense. A dúvida, a ambigüidade, nas duas

versões, persiste: na primeira, há a angustiante pergunta do que é a

realidade e do que é a ilusão; na segunda, a existência de um ser que resiste

(48)

ao fogo. Essa observação acerca do efeito produzido na trama narrativa

parece estar em consonância com o que considera o próprio autor, no

prefácio do romance /

Le romancier qui transforme la vérité constante, brutale et déplaisante, pour en tirer une aventure exceptionnelle et séduisante, doit, sans souci exagéré de la vraisemblance, manipuler les événements à son gré, les préparer et les arranger pour plaire au lecteur, l'émouvoir ou l'attendrir. Le plan de son roman n'est qu'une série de combinaisons ingénieuses conduisant avec adresse au dénouement. Les incidents sont disposés et gradués vers le point culminant et l'effet de la fin, qui est un événement capital et décisif, satisfaisant toutes les curiosités éveillées au début, mettant une barrière à l'intérêt, et terminant si complètement l'histoire racontée qu'on ne désire plus savoir ce que deviendront, le lendemain, les personnages les plus attachants.69

Nas novelas, merece ainda destaque, além de J e 3 6,

- A , publicada postumamente, em que

aparece a fina ironia de Maupassant. O protagonista, M. de Patissot, é um

funcionário público que se mantém no cargo devido à sua hábil capacidade

de mudar de opinião e fazer os outros acreditarem nisso: em tempos do

Império, veste&se como o imperador, durante a República, mostra

sentimentos de republicano nato. Maupassant extrai humor das diversas

peripécias dominicais desse burguês de Paris, nos dias preenchidos seja com

as festas da República, seja com uma tarde de decepção com uma

prostituta, seja com as sessões públicas de feministas, consideradas

histéricas e inúteis, mas imperdíveis pelo bom burguês. Assim como nesse

texto, em!La Lysistrata moderne”, crônica publicada no em 1880,

Maupassant ridiculariza o movimento feminista:

Imagem

Ilustração 3 A casa de Médan 163

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