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Jacaré Metz e a expedição em busca das raízes do Rio Grande

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Há 40 anos, três amigos saíram a cavalo de Santa Maria rumo ao sul do Estado. Era uma cavalgada de observação da geografia do pampa. E foi. No caminho, puxavam conversa com moradores da paisagem para se inteirar das veredas mais propícias e trocar impressões.

Em Bagé, deram uma entrevista a uma TV nascente. Após percorrer 600 quilômetros em 13 dias, a marcha terminou em Jaguarão, na fronteira com o Uruguai. Após alguns dias, o jornal A Razão, de Santa Maria, publicou uma reportagem sobre a cavalgada.

Seis meses depois, no dia 20 de setembro, a história saiu em edição especial do Caderno de Sábado do Correio do Povo. Editado por Ney Gastal, o material foi assinado pelos três cavaleiros, todos jornalistas em início de carreira: Luiz Sérgio Metz, 27 anos; Pedro Luiz da Silveira Osório, 26; e Tau Golin, 24.

Todos engajados na oposição ao regime militar, eles estavam envolvidos no emergente movimento nativista, que começava a questionar o tradicionalismo oficializado.

arte jc

A insólita marcha equestre foi esquecida até 2006, quando saiu o livro Terra adentro, um dos primeiros títulos da Editora Arquipélago, fundada naquele ano em Porto Alegre. Também assinado pelos três cavaleiros dissidentes do gauchismo, o livro de 178 páginas foi praticamente bancado pelo professor Luís Augusto Fischer, da Ufrgs.

Segundo Golin, foi o professor quem convenceu a editora a correr o risco. E parece que valeu a pena: mesmo sem estourar nas bancas, a tiragem de mil exemplares está esgotada, e ainda há indícios de uma demanda não atendida: no site da Livraria Traça, em Porto Alegre, está cotado a R$ 149,90.

Reconhecido como o avalista da obra, Fischer parece satisfeito com a projeção alcançada por seus amigos, especialmente Metz, o Jacaré, poeta refinado que deixou outros três livros - destaque para a novela Assim na Terra (Artes & Ofícios, 1995), uma mistura efervescente de poesia, filosofia e história; reeditada em 2013 pela Cosac Naify.

Por ter falecido em 1996, aos 43 anos, Metz se tornou o protagonista mais famoso da façanha narrada em Terra adentro. Era o menos campeiro do trio. Nascido em Santo Ângelo, caçula de sete irmãs, estudou em Santa Maria e, no início dos anos 1980, se mudou para Porto Alegre, onde trabalhou em assessorias sindicais e na gestão petista da prefeitura da Capital.

Registro do SNI sobre elementos de esquerda no campesinato no RS ARQUIVO PESSOAL TAU GOLIN/DIVULGAÇÃO/RS

Pedro S. Osório (nada a ver com o empresário que batiza a praça central de Pelotas) foi repórter, sindicalista, presidiu a Fundação Piratini no governo Tarso Genro (2011-14) e lecionou desde 1989 na Unisinos, na qual dirigiu o Instituto Humanitas.

Mescla de gaúcho e catarinense, Tau Golin começou no radiojornalismo e se tornou professor de História do Rio Grande do Sul na Universidade de Passo Fundo (UPF). É autor de vários livros, alguns premiados, outros execrados pelos conservadores - casos de Bento Gonçalves, o Herói Ladrão e A Ideologia do Gauchismo, ambos da década de 1980, quando o nativismo começou a espicaçar os tradicionalistas.

Além dos registros na imprensa e do livro, somente muitos anos depois os três souberam que sua viagem atraíra a atenção do Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de espionagem do governo militar, cujo registro emitido em 18 de abril de 1980 tinha como título Atividades desenvolvidas por elementos de esquerda no campesinato - RS. A "denúncia" deu em nada. Dias depois, explodiu acidentalmente no Rio de Janeiro a bomba que seria colocada num show de música popular. Mas a viagem é lembrada até hoje.

Uma viagem ao Sul profundo

Pedro Osório e Jacaré em viagem retratada na obra Terra adentro, assinada pelo trio TAU GOLIN/DIVULGAÇÃO/JC

"Não montamos a cavalo para fazer uma reportagem, mas em busca de uma experiência pessoal e existencial", recorda Pedro Luiz Osório. De fato, nenhum dos três cavaleiros se preparou para escrever. Foram feitas poucas anotações. As poucas fotos saíram ruins.

A viagem não foi fácil. O calor nos primeiros dias os obrigou a cavalgar à noite, chegando às 22h em algumas fazendas. Em todas foram bem recebidos, menos na propriedade cujo dono lhes apontou o corredor. Na maior parte dos pernoites, conviveram com os

peões.

"O que nos unia, entre outras coisas, era o interesse pela alma rural, pelos povos originários, pelos costumes e, por assim dizer, pelo ethos riograndense e gaúcho", afirma Osório, que certa vez já cavalgara, ao lado de Tau Golin, de Santa Maria a Cachoeira do Sul, onde vivia o amigo Jacaré.

A viagem Santa Maria-Jaguarão começou no Alto das Palmeiras, propriedade dos então sogros de Tau Golin, e terminou no Cerrito jaguarense, na propriedade de Luiz Dutra da Silveira, tio de Osório. O relato desse percurso iniciado às 17h de 18 de março e concluído às duas da madrugada de 31 de março de 1980 está no livro Terra adentro (2006).

Depois da publicação no Caderno de Sábado, o historiador e professor Guilhermino Cesar (1908-1993), da Ufrgs, escreveu um artigo louvando a aventura dos "peregrinos", palavra dele para evocar crenças remotas. Foi a partir dali que os jornalistas-cavaleiros começaram a desconfiar do alcance da ousadia.

"Eles fizeram uma viagem peripatética", afirma hoje o jornalista Juarez Fonseca, testemunha ocular e auditiva do cotidiano cultural do Sul nos últimos 50 anos. Além da escrita jornalística e literária, a música foi um desaguadouro das aspirações e frustrações da geração nascida nos anos 1950, quando crescia no Estado a moda dos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs). "Na época, o confronto tradicionalismo x nativismo começava a se desenhar", afirma Osório, lembrando que faltava a todos distanciamento crítico.

Entre mortos e feridos, um grupo de sobreviventes liderado por Jacaré fundou o Tambo do Bando, apadrinhado por Luiz Carlos Borges, missioneiro que também estudou em Santa Maria e, tendo um pé no regionalismo sulino e outro na seresta brasileira, ansiava por uma abertura na música gaúcha. Prenhe do espírito nativista, a viagem pariu algo especial, fora da influência dos CTGs criados a partir de 1948.

Por ironia da história, depois da cavalgada do trio, tomaram força as passeatas de tradicionalistas, apoiadas por uma logística digna de exércitos regulares. Aí talvez esteja a diferença: enquanto o tradicionalismo reverencia o sistema de poder das estâncias primitivas, o nativismo se volta para os problemas sociais decorrentes da exploração da terra.

"Viver é uma preparação para a saudade." (Luiz Sérgio Metz - Jacaré) Mapa do trajeto iniciado em 18 de março de 1980

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Atravessando o Pampa imemorial

Professor de História Tau Golin hoje, e sua versão aventureira de 40 anos atrás ARQUIVO PESSOAL TAU GOLIN/DIVULGAÇÃO/JC

Para o jornalista Tau Golin, hoje mergulhado no ensino de História, a cavalgada rumo à fronteira sul foi uma bem-sucedida marcha por dentro do passado do pampa, o bioma da Metade Sul do Estado, de grande parte do Uruguai e do leste argentino. Um passado que sobrevive na modernidade, como ele relembra: "De Santa Maria até Bagé ainda permanece como vereda secundária, sem asfalto, o Caminho das Missões, praticamente conectando as diversas estâncias e lavouras do Povo de São Miguel, que levava à sede de Santa Tecla".

Em Santa Maria, recorda o professor, existe até hoje a estrada da Boca do Monte, única passagem da Pampa para o Planalto, conectando os Sete Povos das Missões. "Por esse caminho, vinham as tropas da Vacaria do Mar, cujos rebanhos se concentravam até a costa da lagoa Mirim, o rio Cebollati e a metade superior do rio Negro. Várias estradas ainda existentes são parte dessa malha de trânsito de gados e estabelecidas pelos índios."

Sem um planejamento detalhado, orientando-se por mapas e conversas com campeiros, inclusive com um tropeiro, a cavalgada foi construída no dia a dia, mas anotações avulsas tomadas nas paradas para descanso resultaram num mapa publicado depois na

imprensa e no livro Terra adentro, em cuja apresentação o professor Luís Augusto Fischer desenvolveu um ensaio de 15 páginas.

Embora simples, o mapa mostra claramente a travessia de oito municípios da região menos povoada do Estado. "Passando pela campanha", em contato com remanescentes de um modo de vida nostalgicamente explorado pelo turismo, os três cavaleiros - e suas montarias, que voltaram de caminhão - foram castigados pelo sol e pela chuva. Uma enchente os obrigou a dar uma volta de quase 100 quilômetros. E muitas vezes, ao apear num bolicho no afã de comer alguma coisa, só puderam comprar bolacha e salsicha.

Bando de sobreviventes

Jacaré foi o ideólogo e letrista do Tambo do Bando CLAUDIO ETGES/DIVULGAÇÃO/JC

Considerado o maior legado literário de Jacaré, o livro Assim na Terra serviu de inspiração para as canções do disco homônimo (2012) de Vinicius Brum, seu parceiro musical e integrante do Tambo do Bando, grupo instrumental-vocal que permanece na lida artística há 34 anos, sem renunciar à crítica de costumes e à irreverência, suas marcas desde sempre. Seus dois únicos discos foram produzidos no início dos anos 1990.

Alinhado à minoria dissidente do movimento tradicionalista gaúcho, Jacaré foi o ideólogo e letrista do Tambo do Bando, que achou seu espaço ideal no festival Musicanto (Santa Rosa). Seus parceiros, além de Brum, foram Carlos Leandro Cachoeira, Marcelo Lehmanm, Beto Bollo e Texo Cabral. Se reuniam em Porto Alegre e tocavam em festivais, "um ambiente inóspito para a contestação", diz o jornalista cultural Juarez Fonseca, que compara o Tambo do Bando ao célebre Conjunto Farroupilha e coloca Metz perto de Aldir Blanc, como letrista.

Mais de duas décadas depois de sua morte, Jacaré continua vivo na memória dos parceiros. Em 1993, estavam desacorçoados, quando cada um deles recebeu uma carta do líder, que os convocava a retomar "a unidade do Tambo". Ninguém resistiu ao apelo dos seus 80 versos com sabor de manifesto: "Eu ouço nossas velhas fitas sujas/ nesta manhã fria e de vento áspero/ eu me ensolaro, eu pulo meu halo/ e deste canto cheio de cortinas/ eu grito por vocês, parceiros".

No dia 3 de julho passado, quando ele completaria 68 anos, a página do Tambo do Bando no Facebook postou: "Feliz Aniversário, Luiz Sérgio Metz (Jacaré)! Um forte abraço dos amigos e amigas do Sul". Produzida pela jornalista Dinorah Araujo, que trabalha há 28 anos para o grupo, a página transcreveu ainda o último parágrafo do texto de Luís Augusto Fischer para o posfácio da segunda edição de Assim na Terra (Cosaf Naify, 2013): "Luiz Sérgio Jacaré Metz refundou a literatura do sul brasileiro, verticalmente, abrindo-se ao mesmo tempo para o mundo todo, para todo o infinito horizonte da vida humana".

Do galpão à galáxia

Vinicius Brum foi coordenador do Acampamento Farroupilha em 2011 GABRIELA DI BELLA/ARQUIVO/JC

"Quando cheguei em Santa Maria no finzinho dos anos 1970, Jacaré já era uma lenda pelos corredores da universidade federal", recorda o músico Vinicius Brum, que conheceu o poeta num boteco da Dr. Bozzano, a rua principal de cidade. "A empatia foi instantânea e a amizade eterna." Depois, seguindo uma velha rotina migratória, os dois se mudaram quase na mesma época para a Capital, onde descobriram "as noites da Cidade Baixa entre canções e boemias".

Segundo Brum, foi de Jacaré não só o nome do Tambo do Bando, mas a concepção do grupo e seu ideário, exposto nas canções dos dois discos: Ingênuos malditos (1990) e Tambo do Bando (1992), relançados em 2016 no álbum duplo Com o pé no galpão e a cabeça na galáxia, frase do próprio Jacaré, cuja perspicácia é reverenciada por amigos e companheiros. "Sua obra permanecerá -facho de luz itinerante pelas veredas da nossa solidão sulina", opina Brum, que enviou ao JC a letra da última parceria composta no Festival da Barranca de São Borja, em 1996, meses antes da morte do autor:

O QUE TENHO A ME DIZER (Santiago Neto/ Vinicius Brum/ Sérgio Jacaré)

Alguns poucos elementos/ Eu quero na solidão/ Sombra, fumaça, goteira/ Uns rebrilhos de boieira/ Costurando umas clareiras/ Nas

trilhas do coração/ Olhar descendo as soleiras/ Vai se enredar das tranqueiras/ Das lembranças remanseiras/ Das horas de chimarrão/

Dorme a ave de Minerva/ Vou sorvido pela erva/ Repassando meus vazios/ Sem completar minha meta/ Rio pequeno que ressurge/

Chimarrão que nunca seca/ Sabendo da minha sede/ Arma ao olhar sua rede/ Reinventa uma parede/ Por onde eu possa esconder/

Aquele que julguei ser/ E joguei fora por lavado/ Chimarrão desesperado/ Que sem domar encilhei/ Na manhã de ventania/

Minh'alma recém nascia/ Pra nunca mais me rever/ No mate eu tento ler/ O que tenho a me dizer/ Do pouco que tenho escrito/

Sabendo que estou proscrito Do meu próprio conhecer/

Nenhuma palavra/ E assim mesmo calada/ Vai quase apagada/ Na madrugada/ O que diz, o que diz.../ O que ela diz?.../

Um jacaré na rede do pescador

Professor Luís Augusto Fischer escreveu textos para os livros de Metz TV C/DIVULGAÇÃO/JC

Trinta anos atrás, tentando sistematizar as sucessivas gerações de escritores do Rio Grande do Sul que se ocuparam com o tema do gaúcho, o professor Luis Augusto Fischer lançou sua rede nas águas da literatura regional e recolheu material que dividiu em cinco grandes grupos temáticos. A primeira geração, de 1870 a 1890, reunia "o pessoal do Partenon Literário inventa a representação local do gaúcho, como monarca das coxilhas, uma figura meio mitológica, fora da história.

A segunda, dominada pelo conto, teria Simões Lopes Neto e Alcides Maya, sobre o peão, o homem simples, de alguma forma sendo absorvido pela modernidade. O terceiro grupo, dos romances realistas, seria representado por Erico Verissimo, Cyro Martins e Aureliano de Figueiredo Pinto. "Nos anos 1970 e 1980, o gaúcho é um fantasma, uma figura do passado", comenta sobre a quarta geração, dos romances históricos de Assis Brasil e Tabajara Ruas.

Jacaré viria no quinto grupo: "Na obra de Metz há uma espécie de transfiguração, e o gaúcho vira um mito não no sentido banal de mentira, mas no sentido elevado de figura meio religiosa, que está em outro plano, mais metafísico. Outro grande exemplo disso é Satolep, do Vitor Ramil".

Síntese pioneira

Num comentário final, equivalente ao fecho de suas concorridas aulas/palestras, Fischer sugere que Jacaré, herdeiro de uma longa trajetória percorrida por outros escritores, tenha começado uma síntese poética focada preferencialmente nos trabalhadores dos campos e das cidades. É que, no plano narrativo, Jaca criou um marco.

"Não tem nada parecido com Assim na terra, uma narrativa intensamente poética e ao mesmo tempo, com o perdão do palavrão, metaliterária, com uma infinidade de alusões, citações, menções e tudo o mais, tudo isso para contar um enredo rarefeito mas perceptível, que se movimenta bem ao fundo da linguagem e tem força simbólica também ele, o enredo", escreveu Fischer, lembrando que, paradoxalmente, Jacaré se isolou ao fazer "um livro sem concessões a qualquer gosto médio", como acontece com a literatura feita sobre o tema gaúcho. Por seu lirismo escrachado, Assim na Terra é um livro generoso porque, segundo Fischer,

"devolve muito ao leitor que se empenha na leitura".

Estilo peculiar

Autor na preparação de um churrasco durante a expedição a cavalo para Jaguarão em 1980 TAU GOLIN/DIVULGAÇÃO/JC

É unânime a percepção de que Jacaré foi um escritor original; um poeta que abdicou do verso para deixar correr solta no livro uma prosa extremamente criativa. Também é unânime a convicção de que o missioneiro deixou uma lacuna não preenchida.

No final de seu depoimento, ao recolher sua rede, o professor Fischer comenta: "Fico imaginando o que ele produziria agora, na flor da maturidade, com a emergência desses temas urgentes e significativos, como o mundo dos afrodescendentes, dos indígenas, da

muito bem-vinda afirmação da voz feminina, LGBT e tudo o mais. Acho que ele teria um grande papel, iluminando aspectos que a gente não consegue ver direito".

Volta e meia, em Assim na Terra, Metz cita o Cego argentino, Eliot, Mallarmé, Goethe, Aristóteles, Rulfo e Cortázar, Saint-Hilaire e Molina Campos. Sua prosa densa lembra a de Clarice Lispector. Em alguns momentos, se aproxima de Guimarães Rosa.

Fora o narrador, que fala muito de suas próprias percepções, o personagem central da história é o setentão Gomercindo, filósofo campeiro em cujo cinto aparecem as iniciais GS. De sua boca sai esta saraivada: "Lembro de uma época onde o vento fazia um feitio na morada, dávamos mais tempo ao vento, pedíamos a ele trabalho. Os lavradores tinham uma lenda que lavrava a terra por eles, enquanto os bois adormeciam. Os avôs tinham martelos e plainas, e as avós o repouso da nata no jirau. (...) A terra terminava bem perto, e assim na terra começava o céu. Por isso, na minha infância, as coisas ainda desciam do céu para a terra, e Deus, de vez em quando, fresteava a reza no quarto".

Assim na Terra gira em torno de agricultores, índios, tropeiros, peões e favelados, mas a essência da narrativa reside na permanente mutação das coisas e na incerteza do futuro. O livro acaba com uma tropa atravessando um arrabalde, alusão genérica a qualquer uma das mais antigas cidades gaúchas: "Em comitivas, raramente se olha para trás. As cercas vão desabando contra o pêlo e o couro afiados, canos de bota e estribos. Os caminhos se largam. As coisas avançam. O arrabalde teve um formato de tropa e um hábito negociado com as necessidades de quem tem que passar, contar um causo, pousar um pouco, alçar a perna e sumir. Alguns povos mudam primeiro a maneira de sonhar para depois mudar o fazer."

Os dois herdeiros

Pedro Metz (da banda Pública) com o filho Julian, neto de Jacaré FACEBOOK/REPRODUÇÃO/JC

Antes de escrever seus livros, Luiz Sérgio Metz teve dois filhos: Pedro, nascido em 1978 em Torres, e Anahy, de 1980, nascida em Cachoeira do Sul. Criados pelas próprias companheiras do escritor - a primeira do comércio, a segunda jornalista -, ambos conviveram pouco com o pai, que se reunia com eles nos fins de semana e em ocasiões especiais, sobretudo nas férias escolares.

Anahy, jornalista que estagiou no jornal Boca de Rua e trabalhou na TV Cultura, lembra da ocasião em que o pai exibiu para eles o filme-musical Hair, um clássico da cultura hippie. Já Pedro tem boas recordações dos Musicantos de 1989 e 1990, quando se impressionou com o desempenho do Tambo do Bando. Foi ali que teve o clic da música. Formado em Jornalismo mas sem ter exercido o ofício, em 2001, Pedro formou em Porto Alegre a banda de rock Pública.

Depois de mudar-se com o grupo para São Paulo, derivou para o cinema publicitário, "um trabalho que eu adoro", na agência Polvo.

De cinco anos para cá, vive no Rio de Janeiro, onde casou com uma gaúcha que pôs no mundo o primeiro neto do Jacaré: Julian Metz, de 4 anos.

Em 3 de novembro de 2012, Pedro publicou no Facebook uma crônica sobre a doença que em três meses, de março a junho de 1996, tirou a vida de seu pai. No terceiro disco da Pública, lançado em 2011, ele incluiu uma letra sua, Corpo fechado, que começa assim: "Eu tenho a sorte dos homens sinceros/ Das cartas na mesa, dos livros abertos/ Do corpo fechado, dos bolsos vazios/ Dos homens que andam sem medo de amanhecer".

A ópera do Jaca (depoimento da atriz, jornalista e produtora Dinorah Araújo) Show do Tambo do Bando, grupo do qual Dinorah é produtora e divulgadora CLAUDIO FACHEL /DIVULGAÇÃO/JC

Conheci o Jaca (Jacaré), como era carinhosamente chamado pelos amigos, mais de perto, no final dos anos 1980, no Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, onde ele trabalhava como jornalista. De forma silenciosa, era uma admiradora que tinha até botton do grupo Tambo do Bando. Gostava imensamente de assistir aos shows e lembro que, da primeira vez, as vozes do grupo me chamaram a atenção pela beleza, pelo diferencial das vocalizes, pelo alcance; depois, fui prestando atenção nas letras. Nesse meio tempo, uma das minhas irmãs se tornou companheira do Cachoeira e um dia veio me dizer: "Tu tens que assistir o Tambo, conhecer o trabalho

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