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CAPÍTULO 2: Paisagens e jardins no Brasil: memória e história

2.5 O Jardim Moderno e a expressão artística de Roberto Burle Marx (século XX)

A partir da década de 1930 terá destaque, no Brasil, os jardins conceituais denominados de jardim moderno ou os jardins constituídos nos entornos das edificações ou de conjuntos de edificações denominados de “modernistas”. Com a arquitetura moderna surgia, por extensão, uma nova maneira de projetar jardins no Brasil e de conceber paisagens. Juntamente com os arquitetos modernistas, o paisagista brasileiro Roberto Burle Marx (1909- 1994) modificaria profundamente as concepções no trato com a vegetação e com as formas de

conceber jardins quando aplicou, ao paisagismo, os princípios da nova arquitetura moderna, influenciado, também, pelas descobertas visuais e formais que se manifestavam na pintura, na arte abstrata e no cubismo, na arquitetura, música e no cinema no início do século XX357. Burle

Marx criou um paisagismo tropical e uma linguagem moderna para os jardins, se transformando, ele mesmo e à sua arte, em ícones internacionais e referenciais para o paisagismo do século XX.

De acordo com texto da pesquisadora Ana Rosa de Oliveira, no Manual de

Intervenções em Jardins Históricos (2005), no movimento Moderno brasileiro o sentimento de

inferioridade (em relação ao paisagismo) se perdeu de maneira mágica. Houve interação com os modelos e uma produção efetiva não apenas na busca de uma expressão nacionalista provinciana, mas nacional. Roberto Burle Marx insere-se, para ela, com perfeição neste contexto358. Para a arquiteta paisagista, a partir da década de 1930 a história do jardim

brasileiro estará vinculada às conquistas da arquitetura moderna e à obra de Burle Marx.

A que é considerada a primeira casa modernista do Brasil foi construída entre 1927 e 1928, pelo arquiteto russo Gregori Warchavchik (1896–1976), na Rua Santa Cruz, número 325, no Bairro de Vila Madalena, em São Paulo. Em 1986 o IPHAN tombou três casas projetadas por Warchavchik. De acordo com o dossiê de tombamento, as três casas projetadas por Gregori Warchavchik, entre 1927 e 1930, são consideradas as primeiras obras de arquitetura moderna no Brasil. Utilizando a linguagem cubista nas suas formas, representam as ideias do arquiteto enunciadas no Manifesto pela Arquitetura Moderna publicado na imprensa, em 1925. A casa da Rua Santa Cruz foi a primeira das três a ser construída, para servir como sua residência.

Os jardins da casa da Rua Santa Cruz foram executados por Mina Klabin Warchavchik, casada com o arquiteto em 1927 (Imagens 77 e 78). Este projeto é considerado o primeiro a utilizar plantas da caatinga em sua execução, como cactos e mandacaru. A ideia era fazer um recanto tropical. Mina Klabin estudou na Alemanha formando-se concertista, com realização de concertos de músicas de câmara na Europa. Não há referências a outros projetos paisagísticos realizados por Mina Warchavchik. É provável que Mina tenha se inspirado nas plantas tropicais das estufas do Jardim Botânico de Dahlem (Berlim), o mesmo que surpreendeu Burle Marx em 1928 e o marcou para a projeção de jardins posteriormente.

357 OLIVEIRA, Ana Rosa, 2001, entrevista com Roberto Burle Marx. 358 MANUAL Jardins Históricos, 2005, p. 23.

As casas projetadas pelo arquiteto russo, em São Paulo, tiveram grande repercussão na impressa e nos meios intelectuais da época. Em artigo veiculado no Correio Paulistano, de 08 de julho de 1928, Warchavchik declarou que: “O jardim, de caráter tropical, em redor da casa, contém toda a riqueza das plantas típicas brasileiras. Foi minha colaboradora na criação desse jardim, bem como nos últimos arranjos internos, minha senhora, Mina Klabin Warchavchik”359. Ainda, a respeito da casa da Rua Santa Cruz, Warchavchik escreveu que não

tivera coragem de construir a casa com cobertura de terraço-jardim, como o teria desejado. Pois na ocasião ainda não existiam na praça os materiais isolantes adequados.

Imagem 77: Jardim da casa da Rua de Santa Cruz, na Vila Mariana, em SP, de Gregori Warchavchik e Mina Kablin. In: GUERRA,

Abílio. 2002.

Imagem 78: Jardim da casa da Rua de Santa Cruz, na Vila Mariana, em SP, de Gregori Warchavchik e Mina Kablin. In: GUERRA, Abílio.

2002.

Com a divulgação das casas modernistas, o arquiteto Lúcio Costa convidou Warchavchik para uma sociedade no Rio de Janeiro. Juntos, projetaram a casa de Alfredo Schwartz em 1932, no bairro de Copacabana. Para a execução do jardim estenderam o convite ao jovem arquiteto Roberto Burle Marx, que faria então o seu primeiro trabalho como profissional. Sobre Lúcio Costa, Burle Marx declarou em diversas ocasiões que o conhecia desde criança. “Quando jovem, vivia na mesma rua que Lúcio Costa. Ele me conheceu quando eu tinha 14 ou 15 anos e esse fato contribuiu para minha carreira. Ele viu o jardim que eu realizava em minha própria casa e, como naquele tempo construía a residência de uma família Schwartz, convidou-me a fazer também aquele jardim”360. Burle Marx projetou, então, um jardim

terraço para aquela residência, como tinha desejado Warchavchik para a residência da Rua Santa Cruz, em 1928.

359 Correio Paulistano, 08/07/1928, p. 3.

Depois deste trabalho no Rio de Janeiro, Burle Marx mudou-se para o Recife, capital de Pernambuco. Foi ali que o paisagista assumiu seu primeiro cargo público na Diretoria de Arquitetura e Urbanismo do Governo do Estado, em 1934, como Chefe do Setor de Parques e Jardins. Em Recife, de acordo com a pesquisadora Ana Rita Sá Carneiro, Burle Marx projetou e/ou interveio em cerca de treze jardins e praças públicas e um privado, entre 1934 e 1937361.

A Praça Euclides da Cunha, conhecida também como Jardim das Cactáceas ou Cactário da Madalena, difere de tudo que se tinha feito no Brasil em termos de jardins até então, em função do elemento vegetal empregado num logradouro público. Concebido por Burle Marx, em 1935, com presença marcante da vegetação da caatinga, o paisagista homenageou Euclides da Cunha e sua obra mais conhecida, Os Sertões, de 1902, com um jardim temático.

Imagem 79: Praça Euclides da Cunha, imagem captada do GoogleMaps, 22/04/2012. Recife – PE

Imagem 80: Jardim-terraço do Palácio Gustavo Capanema, visto do 16º andar. Fotografias:

Cristiane Magalhães, maio de 2012.

Imagem 81: Desenho de Burle Marx para a Praça de Casa Forte, no Recife, 1935.

Imagem 82: Jardins da Fazenda Vargem Grande, Areias, SP, Projeto de Burle Marx, final

década de 1970

361 CARNEIRO, 2010, p. 73.

O jardim das cactáceas foi assentado em blocos de pedras (Imagem 79). Em seu projeto foram incluídas espécies como macambira, xique-xique, mandacaru, cactos e bromélias. Numa das extremidades do jardim, fileiras de árvores se encontravam formando um pequeno bosque, com ipês, pau-ferro e juazeiros362.

Após a temporada em Recife, Burle Marx retornou para o Rio de Janeiro. Entre 1935 e 1945 foi concebida a sede do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), em terreno onde existia o antigo Morro do Castelo, até a década de 1920, quando foi desmontado. O Projeto para o MESP foi elaborado no decorrer do ano de 1936, por uma equipe integrada pelos arquitetos Oscar Niemeyer, Affonso Reidy, Jorge Moreira, Carlos Leão e Ernani Vasconcelos, coordenada por Lúcio Costa. A equipe contou, ainda, com a participação do arquiteto Le Corbusier.

Novamente, a convite de Lúcio Costa, Burle Marx integrou o projeto inovador para conceber jardins dentro da unidade arquitetural. Para o edifício do MESP, atual Palácio Gustavo Capanema, Burle Marx projetou um terraço-jardim na altura do 2º piso, de onde é possível ver o contemplar e ouvir a cidade, os edifícios, os morros e as ruas numa posição privilegiada de observador da paisagem. É um jardim para ser visto do alto. A visão melhor que se tem dele é do 16º andar da edificação (Imagem 80). No térreo, canteiros sinuosos com vegetação nativa acompanham o ritmo da edificação, num gesto contínuo. Como vemos em seus projetos posteriores, os jardins se relacionaram e integraram à arquitetura moderna como numa sinfonia harmônica.

Com a experiência da criação artístico-paisagística, inspirado pela pintura abstrata concomitante à arquitetura moderna, o seu traço autoral inconfundível integrou inúmeros outros projetos. Burle Marx é considerado o maior nome do paisagismo brasileiro, de todos os tempos, e foi ele quem colocou, pela primeira vez, o Brasil no centro das atenções mundiais quanto à arte paisagista e de jardinar. Sua marca encontra-se indelével na paisagem urbana do Rio de Janeiro (e de outras cidades brasileiras), em lugares públicos e privados, ao lado de outros projetistas da arte dos jardins, como Mestre Valentim e Glaziou.

Dos jardins modernos existentes no Brasil estão protegidos apenas alguns dos projetados por Roberto Burle Marx. No entanto, os jardins protegidos não os são

362 CARNEIRO, 2009, p. 221. Não aprofundaremos nesta temporada de Burle Marx no Recife, e nos jardins remodelados ou criados por ele naquela cidade. O Laboratório de Paisagem, da UFPE, e seus pesquisadores tem produzido diversas publicações e estudos significativos sobre a temática. A maioria deles, sob a coordenação da professora Ana Rita Sá Carneiro.

separadamente, mas no conjunto da obra, como são os casos dos jardins da Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte (1997), do jardim terraço do Edifício Gustavo Capanema (1948), no Rio de Janeiro e da Chácara/Sítio que pertenceu ao paisagista (2003), também no Rio de Janeiro.

No total Burle Marx realizou mais de dois mil jardins no Brasil e no exterior. Em 1982 foi reconhecido pelo Royal College of Art de Londres como um dos maiores paisagistas do mundo, ao receber o título Doutor honoris causa. No mesmo ano recebeu título idêntico da Academia Real de Belas Artes de Haia (Holanda). No exterior, Burle Marx foi convidado a criar jardins, tais como: em Caracas, na Venezuela, fez um jardim com vegetação vertical na residência de Gustavo Cisneros, além do projeto para o Parque Generalisimo Francisco de Miranda (Parque del Este); no início da década de 1960 projetou jardins para a sede da UNESCO, em Paris; em 1968 fez projeto paisagístico para a Embaixada do Brasil em Washington, D.C., nos Estados Unidos; realizou um plano para o jardim da residência de Burton Tremaine, em Santa Bárbara, na Califórnia, entre outros.

A partir da breve exposição apresentada neste Capítulo podemos inferir que os jardins, no Brasil, adquiriram inúmeras feições e receberam diferentes projetos paisagísticos ao longo de seis séculos. Contudo, muito pouco restou da feição dos jardins coloniais e do Império. A área, o traçado e a vegetação, mesmo dos jardins salvaguardados como patrimônio cultural, foram bastante alterados por sucessivas reformas urbanísticas, pelo abandono, por falta de manutenção e de cuidado. O crescimento e as naturais ampliações das cidades com a realização de aterros, a necessidade de habitação da população citadina, bem como a abertura de largas e extensas avenidas e ruas foram fatores determinantes para a modificação e a destruição de espaços ajardinados e da redução das áreas originais de palacetes, dos sobrados e, também, dos parques, praças e passeios públicos. Observa-se estas modificações com mais constância nas Capitais dos Estados, como são os casos, por exemplo, do Passeio Público de Fortaleza, no Ceará, e do Parque Municipal de Belo Horizonte, em Minas Gerais, dos palacetes da Avenida Paulista, em São Paulo, entre outros. Dos jardins, pátios, claustros e pomares integrantes das cercas conventuais, das reduções jesuíticas, dos mosteiros e dos colégios católicos existentes no período da colonização portuguesa praticamente nada restou, além das edificações principais das antigas ordens religiosas

Metodologicamente, optamos por não abordar a linha projetual dos jardins contemporâneos, pois não há qualquer jardim ou parque filiados a este projeto salvaguardados como patrimônio no Brasil. Para o prof. Silvio Macedo e os estudiosos do Projeto Quapá/USP, a

linha Contemporânea teria se inaugurado com o Parque das Pedreiras – a Ópera de Arame –, em Curitiba-PR363, no ano 1992, durante o primeiro Festival de Teatro de Curitiba. De acordo

com o professor, esta nova linha paisagística expressa:

Uma nova ruptura que se anuncia após um predomínio não muito longo das diretrizes modernas, ainda utilizadas de um modo intenso e contínuo, e que

praticamente minimizaram e reduziram a um terceiro plano os

preceitos ecléticos nas últimas quatro décadas do século. Nos anos 1990,

essas diretrizes sofrem uma concorrência de novos posicionamentos

que, direcionados, tanto por um viés ecológico como por tendência pós- modernista de utilização de antigos ícones do passado, possibilitam o surgimento de novas organizações para os espaços livres. Denominações como

utilitarismo, desconstrutivismo ecológico, pós-modernismo e neoecletismo

podem ser atribuídas às diversas facetas projetuais da linha contemporânea, que permite toda uma série de experiências e pode também ser denominada de neoecletista ou pós-modernista364.

Contudo, há controvérsias sobre divisões tão demarcadas nas linhas paisagistas brasileiras. Obviamente temos consciência de que apenas um capítulo não seria suficiente para esgotar e analisar toda a história dos jardins no Brasil do início da ocupação portuguesa aos nossos dias. Possivelmente, nem mesmo uma tese unicamente com esta finalidade daria conta do intento sem um enfoque recortado. Contudo, salientamos que a intenção deste Capítulo foi a de contextualizar, historicamente, os vários e distintos momentos de projeção de paisagens e de jardins, no Brasil, pontuando os períodos de transições e as características mais marcantes de cada uma destas fases.

Esta contextualização, mesmo que não aprofundada sobre cada um dos períodos históricos do paisagismo relacionados, era necessária para o embasamento histórico dos dois Capítulos seguintes, em que dedicar-nos-emos à patrimonialização e a salvaguarda do patrimônio paisagístico e no último Capítulo procederemos especificamente à exposição de um Inventário do Patrimônio Paisagístico brasileiro. Assim posto, consideramos que este Capítulo é importante para a compreensão de sobre qual patrimônio paisagístico estamos nos referindo, neste trabalho. E do que foi efetivamente patrimonializado e todo o resto esquecido.

363 MACEDO, 1999, p. 18. 364 MACEDO, 1999, p. 18.

CAPÍTULO 3: Patrimônio paisagístico: a paisagem como patrimônio cultural