• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2: Paisagens e jardins no Brasil: memória e história

2.2 O Longo século XIX para a História dos Jardins Brasileiros

Carlos Terra registrou que o século XIX é um período de vital importância para a arte dos jardins, da jardinagem e da coleta de plantas, em escala mundial. A fundação da Sociedade Hortícola (1804), a publicação de livros, tratados, revistas e jornais técnicos especializados foram fundamentais para o desenvolvimento das artes da jardinagem neste século235. As novas tecnologias e facilidades de reprodução de modelos advindas da Revolução

Industrial também contribuíram positivamente para que jardins pudessem ser construídos e multiplicados nas residências particulares. Este é, sem dúvida, o século mais privilegiado pelos estudiosos do paisagismo no Brasil e sobre o qual foram produzidas inúmeras pesquisas e narrativas.

No oitocentos, inexiste um estilo paisagístico predominante como ocorre, costumeiramente, com as analogias aos hortus conclusos da Idade Média; aos jardins mouriscos de Alhambra, em Granada, na Espanha; aos jardins chineses; aos jardins Renascentistas na Itália, entre os séculos XV e XVI; o jardim barroco e simétrico da França, a partir do final do século XVI e no XVII, referenciado como o jardim clássico francês; o jardim romântico ou paisagista da Inglaterra ou os parques românticos ingleses, que predominou com mais força no século XVIII, e exportou seu estilo para várias partes do mundo com releituras interessantes; e o jardim moderno no Brasil, do qual Roberto Burle Marx é a expressão máxima, a partir das décadas de 1930-40 do século XX. Este hiato na história da arte dos jardins sem a

235 TERRA, 2013, p. 61.

vinculação a um país ou projeto preponderante fez com que diversos autores cunhassem a expressão “ecletismo no paisagismo”236 para nomear os projetos de jardins deste século e das

primeiras décadas do século XX. Contraditoriamente, foi o século onde mais se construiu espaços ajardinados nos traçados urbanos. É deste período o repertório botânico diversificado adaptado (ou aclimatado) de outros Continentes e países, principalmente com a difusão dos estabelecimentos hortícolas e as trocas de sementes entre os jardins botânicos, bem como a circulação dos equipamentos (ou ornatos artísticos) produzidos e propagados pelas benesses da evolução das técnicas durante a Revolução Industrial. Embora o jardim anglo-francês, utilizado em grande medida por Adolphe Alphand como repertório na reforma urbanística de Paris, tenha inspirado a projeção deste modelo em países da América Latina, no Brasil e nos Estados Unidos, como veremos neste Capítulo. No Brasil, o estilo propagado em Paris por Alphand foi bastante utilizado na melhoria dos núcleos urbanos das cidades em remodelação durante o Império (século XIX) e a República (1889-1930), nomeado de jardim romântico, jardim inglês, jardim paisagista ou o estilo mais moderno. Certo é que foi um período em que diversos estilos combinaram para a criação de espaços ajardinados e de parques públicos urbanos para desfrute da população citadina.

O espaço urbano no Brasil evoluiu lentamente, do sagrado ao profano237, afirmou o

arquiteto Murillo Marx (1945-2011). O mobiliário urbano, paupérrimo de início, escreveu, compunha-se quase que exclusivamente de símbolos católicos, como as cruzes, uma imagem aqui outra acolá, uma ou outra bica ou ponto mais elaborado238. Será no século XIX que

despontarão outros componentes de sentido funcional nos espaços públicos urbanos. Luminárias de diferentes tipos e dimensões, bancos e placas, sinais de orientação específicos, bebedouros e até arvores e canteiros, elementos vivos para fruição de todos. Na segunda metade do oitocentos, discorreu, esses novos figurantes se apresentam e difundem alterando a feição centenária, desnuda e acanhada dos centros urbanos239. Como sabemos, é desta época

a introdução de equipamentos decorativos nos espaços vazios tais como pavilhões, coretos, gradis, esculturas variadas, canteiros desenhados, fontes, grutas artificiais, lagos e luminárias em espaços, a partir de então, vegetados.

236 MACEDO, 1999 com base em bibliografia internacional. 237 MARX, Murillo, 2002, p. 7.

238 MARX, Murillo, 2002, p. 156. 239 MARX, Murillo, 2002, p. 156.

No Brasil, alguns dos fatores preponderantes para a difusão do jardim projetual, do século XIX, e as transformações urbanísticas, foi o deslocamento da família Real portuguesa e sua comitiva para o Rio de Janeiro, em 1808, bem como a abertura dos portos às nações amigas (Decreto de 1808), que permitiu a entrada dos técnicos capacitados e do material importado que muito contribuíram para a renovação física e cultural da Capital do Reino Unido

de Portugal e Algarves. A presença da Corte, em terras brasileiras, favoreceu a transposição de

modelos culturais sofisticados e imprimiu uma dinâmica extraordinária na realização de jardins segundo os modelos estéticos vigentes na Europa. A criação da Academia Imperial de Belas Artes (1816), com a participação efetiva dos franceses, a posterior declaração de independência e a afirmação do novo país, a fundação do Museu Real (1818), atual Museu Nacional do Rio de Janeiro, para realização de pesquisas e estudos na área das ciências naturais, bem como a permissão para a vinda de expedições científicas, tais como a do barão de Langsdorff, a do príncipe da Baviera Maximiliano I, a de Charles Othon Fréderic Jean Baside, membro da comitiva do duque de Luxemburgo e as missões austríaca e bávara, esta dirigida por Spix e Martius. Tudo isto junto aos outros fatores elencados terão tido um impacto muito significativo para a melhoria e enriquecimento do tecido urbano carioca e para o desenvolvimento dos espaços de habitação ao longo do século XIX, com a projeção de palacetes e sobrados com espaços ajardinados. Além da descrição, estudo, catalogação e divulgação da nossa flora e incremento dos estudos botânicos e agrícolas.

No Relatório do Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, para o ano de 1898, o Ministro Sebastião Eurico Gonçalves de Lacerda (1864-1925) na sessão “Florestas”, citou um livro publicado em Londres, no ano de 1820 (ele não menciona o autor), que descreveu a situação da cidade do Rio de Janeiro naquele começo de século, quando da chegada da família Real portuguesa:

No começo deste século, à chegada da família real em 1808, quase todo o espaço além da cidade velha, que por aquele tempo estendia-se apenas do Campo de Sant’Anna à Lapa, estava ainda toda coberta de mata.

Uma estrada, mal praticável, ligava a Glória a Botafogo por entre espessos capões, que encobriam completamente a vista do mar.

O morro de Santa Teresa, desde o ponto em que se acha o convento, revestia- se inteiramente de árvores de elevado porte e só se podia chegar a certos sitios debastando a foice os cipós para abrir claros nas picadas.

Da antiga fazenda do Engenho Velho, conhecida depois por Chácara do Vintém, estreitos caminhos, dificilmente transitáveis, iam ter a S. Christóvão, com um pequeno desvio que conduzia à fazenda do Macaco, transformada hoje no bairro de Vila Isabel.

O mesmo acontecia entre o Campo de Sant’Anna e a Gamboa, cujo trajeto se fazia atravessando extenso matagal.

Para além quer de um, quer de outro lado, estendia-se a mata virgem, impossível de penetrar240. Grifo nosso.

Este relato241 nos dá uma dimensão das condições urbanas da cidade do Rio de

Janeiro quando da chegada da família Real portuguesa e do quanto ela foi modificada ao longo do século XIX. As plantas e mapas do Rio de Janeiro também são fontes preciosas para observar o crescimento do núcleo urbano e as modificações substanciais no traçado da cidade empreendidos naquele século.

O modelo europeu foi o parâmetro para a concepção destes espaços ajardinados e, assim, a importação do mobiliário e de técnicos especializados, daquele continente, era condicionante para que os boulevards e squares do Rio de Janeiro, e de outras províncias brasileiras, se assemelhassem aos de Paris de Haussmann e de Alphand, aos parques ingleses de autoria variada e aos norte-americanos de Frederick Law Olmsted. O deslocamento de vultoso número de jardineiros, horticultores, engenheiros arquitetos, botânicos e negociantes franceses para o Brasil, durante o século XIX, fez com que se imprimisse nos trópicos os ideais e as concepções paisagísticas anglo-francesa com mais frequência do que de outros países europeus. Assim, o ferro fundido e outros ornatos de ligas metálicas foram consideravelmente os mais utilizados na ornamentação de jardins, praças e espaços exteriores no Brasil do período mencionado, além das peças em faiança e louça. O que não significa que não houvesse trânsito de artefatos artísticos de outros países, como por exemplo de Portugal, da Bélgica, da Inglaterra, como veremos no decorrer do texto.

Há que se fazer uma alusão, ainda que breve, ao arquiteto francês Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny (1776-1850) responsável pela urbanização e projeção de edifícios no centro do Rio de Janeiro, em meados do século XIX, como arquiteto oficial da Corte. Grandjean de Montigny veio para o Brasil, em 1816, juntamente com um grupo de artistas da mesma pátria contratados pelo Marquês de Marialva, evento que passou para a história como a “Missão Artística Francesa”. Em agosto do mesmo ano foi nomeado professor de Arquitetura da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios (criada pelo Decreto de 12/08/1816), posteriormente denominada de Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), onde permaneceu na função até o seu falecimento, em 1850. Além de edificações, como a que abrigou a AIBA e a

240 LACERDA, Sebastião Eurico Gonçalves. Ministro do Estado de Negócios da Indústria, Viação e Obras Públicas. Relatório do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, do ano de 1898. pp. 122- 123. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2265/000114.html. Acesso em janeiro de 2015.

241 A citação original deste fragmento do Relatório de Gonçalves Lacerda está no livro de TERRA, 2013, p. 23, porém, a transcrição foi feita do documento original.

sua residência particular (1819/1828), na Gávea, construiu chafarizes, projetou praças e organizou eventos para a Corte, como a decoração efêmera para as festas em comemoração à chegada de dona Maria Leopoldina, arquiduquesa da Áustria e futura esposa de dom Pedro, em 1817, e monumentos para a aclamação de Dom João VI, em 1818.

Grandjean de Montigny é comumente relacionado à difusão do estilo neoclássico na arquitetura do Rio de Janeiro, e não é demais supor que os espaços externos e os públicos fossem projetados sob a mesma égide do neoclassicismo pelo arquiteto. Muitas de suas obras, como edificações, chafarizes e praças foram demolidas e alguns dos seus projetos para remodelações urbanísticas não foram executados. Um Chafariz, projetado por Grandjean de Montigny, em 1846, foi tombado pelo IPHAN, em 1938, e inscrito nos livros de tombo Histórico e das Belas artes. É um chafariz de pedra com detalhes decorativos em bronze, construído para a antiga Praça Onze de Junho. Com a construção da Av. Presidente Vargas este chafariz foi transferido para a Praça Afonso Vizeu, no Alto da Boa Vista. A sua residência particular também foi tombada, em 1938, sob o título “Solar Grandjean de Montigny e jardim”, pelo processo número 0092-T-38. Neste processo consta a seguinte descrição:

O arquiteto Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny, membro da Missão Artística Francesa de 1816, e iniciador do ensino da arquitetura no Brasil, construiu esta casa assobradada de arrabalde para sua residência. Localizada em amplo terraço, elevado do terreno circundante, mostra uma clara filiação com as velhas casas rurais setecentistas nos amplos avarandados envolventes com colunas toscanas, gordas, de alvenaria, assim como no telhado com contrafeito e beiral sacado. A influência neoclássica e o gosto palaciano de Montigny são evidenciados pela planta composta por dois eixos ortogonais de simetria e por um corpo posterior de plano circular242.

Apesar do ‘jardim’ ter sido citado no título do bem, não há no Dossiê de Tombamento qualquer referência a ele, com descrição das plantas ou do mobiliário existente. Mas o jardim ou parque existente no entorno da edificação ainda hoje é mantido pela atual concessionário do lugar, a PUC Rio.

Carlos Terra nos lembra o vultuoso aumento populacional da cidade do Rio de Janeiro a partir da instalação da Corte e, posteriormente, da Proclamação de independência (1822), além do crescimento econômico com a grande expansão cafeeira do Vale do Paraíba, estendida do Rio de Janeiro às Províncias de São Paulo e de Minas Gerais. Fatores como estes

– mas não somente – fizeram com que os limites da cidade se ampliassem consideravelmente, como ocorreu ao longo de todo o século XIX243.

A exemplo do Passeio Público, foram construídos, pontualmente, alguns outros jardins com desenhos formais, no Rio de Janeiro e no Brasil. Um destes locais foi o Passeio Público do Campo de Santana, à época da coroação de Dom João VI e dos festejos da chegada de dona Leopoldina, em 1818. Em 1815 começou a ser construído um jardim no local, sob o plano do Intendente Geral da Polícia, desembargador Paulo Fernandes Vianna (1757- 1821), titular do cargo por ordem do Príncipe Regente D. João. Ocupava o jardim um espaço quadrangular com cem braças [1 braça = 2,20 metros] de extensão, desde a Rua Nova do Conde. Iniciou-se o plantio de amoreiras na Rua Nova do Conde até à dos Ciganos. O Padre Perereca registrou a construção do novo Passeio Público, cerca de 1818, da seguinte forma:

(...) No espaço do Campo, que medeia entre a Rua do Conde [refere-se ao

Solar do Conde dos Arcos, esquina da atual rua Moncorvo Filho], e o caminho,

que segue da Rua do Alecrim [hoje rua Buenos Aires] a entrar na estrada do Areal [atual rua Frei Caneca], por ordem do Príncipe Regente Nosso Senhor, o ilustríssimo conselheiro, intendente geral da polícia, deu princípio à fatura de um novo Passeio Público, que por ora se acha cercado com gradamento de madeira fixo em pilares de tijolo, distantes uns dos outros coisa de duas braças e meia [cerca de 4,80 m], e de seis palmos [cerca de 1,32 m]. A figura do terreno cercado é quadrangular, e terá cada um dos seus lados 100 braças [220

m] de extensão; quando este novo Passeio estiver todo plantado de arvoredo,

alinhadas as suas ruas, e bordadas de flores, como se projeta, será certamente um jardim muito ameno, e delicioso, digno da frequência do público, e um local assaz próprio para nele se darem festas reais nas ocasiões dos grandes acontecimentos, que interessam à nação, não só por estar situado no centro da cidade, como também pelo desafogo do espaçoso Campo de Santana, que fica na sua frente, e que se estende por mais de 150 braças [330 m] em quadro até à igreja de Santana244.

O Jardim do Passeio do Campo era cercado com grades, com alas de árvores e arbustos, e jardins simétricos que convergiam para um ponto central, conforme se vê na imagem 30. Um palacete de madeira foi construído para a família Real assistir aos festejos, em 1818, alinhado ao Passeio do Campo. Em 1822, quando da aclamação de Dom Pedro I, o mesmo palacete foi utilizado novamente e ficou conhecido como Palacete da Aclamação. O palacete de madeira foi destruído em um incêndio, no dia 22 de julho de 1841, provocado por pólvora. Mas alguns anos depois fizeram-no de pedra e cal245.

243243 TERRA, 2013, p. 77. 244 Apud SEGAWA, 1996, p. 158. 245 AZEVEDO, 1969, p. 15.

Em 1819, dois prussianos estiveram no Rio de Janeiro e deixaram os seus relatos numa publicação original de 1820 (Berlim), denominada O Rio de Janeiro visto por dois

prussianos em 1819. Eram eles Theodor von Leithold e Ludwig von Rango. Sobre o Passeio

Público do Rio de Janeiro, na ocasião, anotaram que: “O único passeio para os habitantes da cidade é uma praça junto ao mar, cujo tamanho é a metade da nossa Gensd'armes Platz. Pelo traçado dos canteiros, parece mais uma horta comum. É, aliás, muito pouco frequentado”. Na mesma publicação, em outro momento, escreveram, ainda, sobre o Passeio Público: “Tudo o

que a natureza faz por este país é magnificente, por isso parece tanto mais pobre o que o homem criou. Estou vindo do Passeio Público, o único em todo o Rio. Que Deus tenha

misericórdia! Nem um caminho seco em todo o jardim... Realmente uma lástima, um lugar tão bonito e bem arborizado, que poderia tornar-se realmente belo com pequeno custo. Mas assim é tudo aqui. Nada se faz com cuidado, tudo se deixa largado à lei da natureza”246. Grifos

nossos. Já o Campo de Santana, na mesma ocasião, foi descrito pelos prussianos: “o Campo

de Santana tem o dobro, pelo menos, da dita Gensd'armes Platz, só que circundado de casinhas modestas. De um lado, e não exatamente no meio, está um grande circo de madeira, onde se realizam as touradas; do outro lado, um grande jardim não sombreado e raramente

visitado, em que há umas estátuas de madeira, pintadas”247. Grifo nosso.

Imagem 30: Panorama do Rio de Janeiro visto do Morro do Livramento (detalhe). Bico de pena a nanquim, aquarelado. Foi reproduzida pela primeira vez, no século XX, na obra "Annaes do Rio de Janeiro", volume 8, Lisboa, Ed. Leitura, de 1969. Sem autoria, sem data, mas acredita-se que foi realizada entre 1818 e 1821. Fonte: FERREZ, 2000, pp. 70.71.

Esta é a única imagem que mostra o local ordenado esteticamente e desenhado em canteiros geométricos. Desta forma, não se sabe se de fato havia um jardim formal constituído

246 LEITHOLD; RANGO, 1966, p. 144.

no local ou se partiu da imaginação do seu autor, já que inexistem relatos que descrevem o lugar tão belamente ordenado. Outras imagens, do mesmo período, representam o local com tratamento paisagístico não tão apurado quanto o da imagem 30.

Em 1821, Dom Pedro I mandou demolir o Passeio do Campo de Santana ou

Passeio do Intendente Paulo Fernandes Vianna por desavenças políticas com seu construtor.

Novo projeto paisagístico digno de nota para o antigo Campo de Santana seria realizado somente décadas mais tarde, por Auguste Glaziou, a partir de 1873, e inaugurado em 7 de setembro de 1880, sob a inspiração do jardim paisagista ou inglês.

As inúmeras imagens e relatos dos viajantes que passaram pelo Brasil no oitocentos deixam-nos entrever uma urbanização bastante precária se comparada aos modelos europeus. A inglesa Maria Graham (1785-1842) foi uma destas viajantes que esteve no Brasil, entre 1821 e 1823, e deixou interessantes registros iconográficos e escritos sobre os pomares, quintais e jardins brasileiros da época. Ela observou que:

Há geralmente um pátio, de um lado do qual fica a casa de residência. Os outros lados são formados pelos serviços e pelo jardim. Algumas vezes o jardim fica logo junto à casa. É o que se dá geralmente nos subúrbios. Na cidade muito poucas casas ostentam sequer o luxo de um jardim. (...) Nos canais de água elevados, colocam-se vasos de louça da China cheios de aloés e tuberosas. Aqui e ali uma estatueta se entremeia. Nestes jardins há às vezes fontes e bancos debaixo das árvores, formando lugares nada desagradáveis para repouso neste clima quente248. Grifos nossos.

Maria Graham contribuiu, em grande medida, descrevendo pictórica e narrativamente a natureza, os jardins e a feição da cidade carioca e das outras por onde percorreu durante sua estadia. Em Salvador ela registrou que “passeamos antes do almoço através de uma paisagem tão bela que aspirávamos por um poeta ou um pintor a cada passo. Às vezes entrávamos por uma floresta selvagem e densa, em seguida surgíamos em claros campos, com coqueiros esparsos”249. Era a paisagem natural, bela e praticamente intocada que

inspirava e encantava os viajantes, principalmente os Europeus, no século XIX brasileiro.

Não podemos afirmar ter existido projeto disseminado de ajardinamento e ordenamento espacial dos núcleos urbanos antes da segunda metade do oitocentos. Será a partir das décadas de 1850-60 que a cidade do Rio de Janeiro, e outras capitais brasileiras em menor proporção, terão projetos de remodelações urbanas com ajardinamento e criação de

248 GRAHAM, 1990, p. 198. 249 GRAHAM, 1990, p. 167.

praças, squares, boulevards, parques e passeios públicos nos moldes franceses, em substituição aos antigos largos, pátios, adros, campos, rossios e terreiros desnudos de nossas vilas e cidades coloniais.

Para além dos casos pontuais explicitados até aqui, entre os séculos XVIII e XIX serão difundidos no Brasil, os hortos ou jardins botânicos. Deter-nos-emos nesta difusão de locais de aclimatação de espécies e estudos botânico. Pela Carta Régia de 04 de novembro de 1796, dirigida ao Governador do Pará, iniciava-se uma política de implantação de estabelecimentos botânicos no Brasil com a finalidade de reprodução de plantas úteis à economia portuguesa250. Imediatamente a ordenação de D. Maria I foi posta em prática. O

francês Michel Grenouillier ficou encarregado de construir o Jardim Botânico de Belém, o primeiro jardim botânico oficialmente brasileiro, porém, o francês faleceu em seguida e a execução do Horto de Belém ficou na incumbência de Marcelino José Cordeiro, capitão de