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O jasmineiro de Santa Rita: a mesma flor para outra cidade

4 SENTINDO O SIGNO: SANTA RITA EM PERSONAGENS, CHEIROS E

4.2 O jasmineiro de Santa Rita: a mesma flor para outra cidade

A paisagem da infância é sempre a mesma (quero dizer: é um clima interior e transcende as coisas que nos envolvem). Assim, não creio que essas ruas tristes e casas em agonia possam ser culpadas. Não, não acuso a cidade, não acuso ninguém, nem mesmo Laura.” (A cidade. CONDÉ, 1977, p. 21). É possível notar que, apesar de coincidirem alguns elementos sígnicos no fundamento e no objeto do signo jasmineiro, seu interpretante adquire significativas variações diante das narrativas analisadas. As palavras que o cercam, os signos que o envolvem, o próprio funcionamento do jasmineiro dentro de cada narrativa particular, afluem para especificidades bastante distintas de seu interpretante. Contudo, também se torna inegável que existem semelhanças, na verdade, bastante significativas, em sua potencialidade simbólica nestas narrativas.

Em Santa Rita, enquanto legi-signo, o jasmineiro é uma palavra contida numa cena ou espaço narrativo (sin-signo), de uma parte do enredo e, por isso, as palavras ao seu redor, que o descrevem e posicionam afetam a construção desse signo. Logo, os aspectos icônicos e indiciais dessas palavras (signos) também necessitam ser consideradas e analisadas na relação com a construção do signo jasmim. Especialmente, se considerarmos também as análises realizadas no romance Terra de Caruaru e as leituras que o signo jasmineiro adquire em suas páginas.

Por exemplo, quando Satu fala que “os jasmineiros cheiravam de entontecer” (CONDÉ, 1977, p. 47), ou quando João nota “aquele cheiro triste de jasmineiros” (Ibidem, p. 33), ou ainda quando ao descrever a casa de número 300, na Rua da Matriz, o narrador conta que “sobre o muro floriam jasmineiros do Cabo, que, ao anoitecer, perfumavam toda a rua” (Condé, 2011, p. 46), a carga semântica das palavras entontecer, perfumava e triste são muito distintas, remetem a emoções e qualidades específicas que não necessariamente se complementam ou dialogam. Logo, lançam sobre o signo jasmineiro quali-signos icônicos e sin-signos indiciais que influenciam e modificam a percepção do próprio legi-signo simbólico, em sua própria potencialidade e, também, diante do intérprete.

A própria aura de prosperidade ou decadência que abraça as cidades age sobre o signo, visto que, este signo se vincula de modo especial à cada cidade protagonista, pelo seu solo e pelo seu ar. O jasmineiro se faz presente e ativo na construção da imagem poética dessas cidades, de seus personagens e experiências. Impossível não pensar que esse vínculo com o ambiente da cidade, especialmente se colocando no espaço da casa – essa casa constituinte da identidade local ou individual, de acordo com a narrativa sobre a qual se debruça o

observador – não parta da memória da tão saudosa infância do autor. A presença dos jasmineiros sobre o muro da casa 300, na Rua da Matriz, em Terra de Caruaru, e do sobrado de Aprígio, em Santa Rita, sua constante presença e a recorrência de seu cheiro percorrendo as ruas, abarcando os personagens, acaba por referenciar o afeto que, consciente ou inconscientemente, Condé tentou retratar em suas obras ao criar essa paisagem e dotá-la desse

cheiro literário.

Isso implica dizer que o jasmineiro só funciona como símbolo para quem conhece a história da casa 300 e percebe o vínculo afetivo da escrita de Condé com sua terra natal, as memórias da infância que o marcaram profundamente? Absolutamente não, pois quem, ao notar a força e recorrência narrativa desse elemento, passa a buscar nele significações mais complexas e efetivamente consistentes sobre a sua presença, acaba por tentar responder a mesma pergunta: Por que esse cheiro de novo? Por que o jasmineiro? E encontra certas respostas ao tentar relacionar as aparições, conectá-las, vendo o signo num aspecto macro. Observa, então, o espaço onde ele surge, os personagens que afeta, as sensações que causa, ou sentimentos que desperta. Passa a internalizá-lo como marca da escrita condeana, como signo que age sob dada lei nesse campo contextual literário.

Em Terra de Caruaru o signo se reveste de uma aura de progresso, adquirida pelos espaços em que se encontra plantado, pelas cenas que o seu cheiro atinge, pelos efeitos sensíveis e sensórios que gera e pelas semelhanças e conexões com outros signos, que também partilham e constroem essa aura. No contexto do romance, esse signo adentra um espaço semiótico que dialoga com o pano de fundo da narrativa, com os conflitos do enredo e da transição, presente em espaços, personagens, ideologias e costumes, que envolvem e impulsionam a trama. Em Santa Rita, por outro lado, o signo só se vincula a ideia de prosperidade financeira na lembrança de dados personagens que recordam a vida de antes – antes da guerra, antes da perda do prestígio e da moral, antes da perda das pessoas de seu passado. O próprio contexto narrativo dos contos que compõem a obra influencia na carga sensória do jasmineiro, que deixa o perfume agradável que possuía em Terra de Caruaru, e passa a exalar um cheiro enjoativo, sufocante, de entontecer.

Em Terra de Caruaru, o signo parece estabelecer um vínculo com certa identidade coletiva, num dado grupo social específico, embora atinja todos os espaços e seres que habitam a cidade. Já em Santa Rita, o jasmineiro age de forma mais intimista, relacionando-se com o personagem em particular, agindo nele, em suas sensações, memórias, saudades, medos e desejos mais profundos. O jasmineiro atrai a lembrança do passado, instiga a culpa do presente ou o medo pelo futuro. Recordando Duarte Júnior (2001), no que tange à

modernidade como dessensibilizador dos sentidos, nos questionamos sobre essa relação de intimidade entre o jasmineiro e os personagens de Santa Rita, em contraposição ao presente, mas não interno, efeito que o signo causa em personagens de Terra de Caruaru.

Poderíamos apontar que a decadência de Santa Rita permite mesmo aos personagens maior profundidade sensória e, por este motivo, o signo, em sua ação sensível, atinge o indivíduo em particular, alcança suas memórias e sentimentos, penetra nele, no seu íntimo e em sua narrativa. O crescimento econômico que abarca o pano de fundo da Caruaru de 1920, por outro lado, apesar de estabelecer relações com o signo, talvez seja um dos aspectos causadores de sua ação mais exterior aos personagens, que são envolvidos por ele, alcançados e acalmados pelo seu cheiro, mas não experimentam a mesma influencia interna que o signo gera nos personagens dos contos e novelas analisados neste capítulo.

O símbolo, reforçado pelos seus índices, e estes pelos seus ícones, acaba por juntar às ideias iniciais de seu funcionamento sígnico às percepções e potencialidades especificamente adquiridas no contexto da escrita literária de José Condé. Afeito em suas palavras, recriado em suas memórias, modificado em sua escrita, o jasmineiro se ressignifica no contexto de cada obra aqui analisada. Contudo, não podemos negar que, ao pô-las em paralelo, identificamos no funcionamento desse signo semelhanças e aproximações, em termos icônicos, simbólicos, estruturais e narrativos, que o tornam parte de uma rede de elementos narrativos e simbólicos daquele mencionado véu de memórias que une as cidades condeanas, sob específicos signos identitários.