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História do Brasil, de João Ribeiro, publicada em 1900, só nesse anos de 1907 chegaria a Pernambuco. Dela não tinha jamais ouvido falar. Peguei o livro na Livraria Ramiro Costa, por acaso. Fui avançando, de página em página, por estradas insuspeitadas. De revelação em revelação, caíam diante de mim cortinas e cortinas. João Ribeiro mostrou-me como nascera o Brasil, quem o fizera, o que era o meu país. Êsse livro de ciência, o mais sério no gênero então produzido em nossa terra, sem comparação com nenhum outro, tornou-se nas minhas mãos uma chave com que abri portas fechadas. Hoje é difícil calcular o efeito produzido no espírito de um jovem como eu, que acabara de ler Augusto Comte e Spencer, por esse livro brasileiro em que nenhuma linha soava inútil ou ôca. Relativamente às leis da evolução histórica e social, de que havia tomado conhecimento naqueles sociólogos, nada encontrara eu em livros brasileiros. (AMADO, 1958 a, p. 188)

História do Brasil, de João Ribeiro, seria, para o sergipano, o maior exemplo de uma apropriação bem sucedida das análises científicas sobre a história e realidade brasileira. Para Amado, João Ribeiro inaugura a verdadeira forma de se fazer História no Brasil: isto é, uma História experimental, específica do Brasil, muito diferente daquela feita por Rui Barbosa que, em seu discurso, intitulado Partido Conservador, insiste em analisar o que ele chama de realidade brasileira comparando-a com a realidade europeia.

Evocar uma civilização embebida nas fontes antigas, estabelecida na prática da vida municipal à beira de estradas feitas pelos romanos num território entrecortado de rios inesgotáveis, evocar a França universitária e discutidora de Sorbonne, de mil colégios especializados, e os seus dramas complexos, a propósito dos problemas do Brasil, nascido ontem, despovoado, analfabeto, escravo e pobre era pra mim o supra-sumo do inexplicável. Quando deixa a França e a Grécia, volta-se Rui para a Inglaterra, cuja apologia fez sem interrupção no curso da sua existência com uma sinceridade e inocência de

estudantes de primeiras letras de história política, isto é, como se a Inglaterra e os sistemas inglêses fossem obra da perfeição humana e da superioridade moral, e não meios, instrumentos e processos de que se serviam população e governos da ilha para a obtenção de vantagens para a Inglaterra e o povo inglês (AMADO, 1958a, p. 189-192).

Segundo Roberto Cândido da Silva (2008), com Ribeiro a História passa a ser entendida como processo de desenvolvimento social que abrange todas as formas de desenvolvimento cultural. Segundo o autor, a partir de Ribeiro a história deixa de ser a história dos governantes e passa a ser a “história natural do povo brasileiro”.

Para Amado, antes de Ribeiro, História era sinônimo de comemoração cívica, de apologia de heróis. Mesmo em Joaquim Nabuco (Um estadista do império) não passava de comentários dos grandes feitos políticos. João Ribeiro “foi o primeiro a vincular a nossa formação às causas gerais originárias da expansão do comércio internacional de que as navegações e descobertas foram o efeito”. (AMADO, 1958 a, p. 192). João Ribeiro tratou a história do Brasil como algo específico e não mais uma entidade igual em meio à coletividade.

Para os homens mais influentes de seu tempo, estas se modelariam sempre pelo mesmo padrão em vez de condicionar-se por vicissitudes de meio e estádios históricos. Para a história oficial em voga no Brasil antes de João Ribeiro, os portugueses haviam investido o mar tenebroso a fim de levar a cruz e as quinas aos povos bárbaros; para civilizá-los. Dizer, no ano de 1900, que foram em busca de ouro e de negros a escravizar era audácia grande do professor de Sergipe, que podia ás vezes não escrever certo, mas que, para compor o seu compêndio, estudou como se deve escrever História do Brasil – leu Martius (AMADO, 1958, p. 189-192)

De acordo com Silva (2008), na introdução da primeira edição do seu livro História do

Brasil (1900), Ribeiro afirma que quando se propôs a escrever a história nacional pensou em

retomar a antiga tradição dos cronistas e primeiros historiadores que nomeavam suas histórias como Notícia ou Tratado do Brasil (SILVA, 2008, p 83). Segundo o autor, Ribeiro, com esta proposta, demonstrava certo descontentamento em relação à história escrita no Brasil. Uma história focada nos movimentos internos da administração, da represália e da ambição estrangeira. Uma história parecida com aquelas observadas por Amado nas conversas de senadores e deputados que visitavam o Diário:

tudo se passava idêntico apenas mais miúdo ao que Nabuco transpôs para as páginas de Um Estadista do Império... candidaturas, organização de chapas, questões apenas exteriores, senão alheias às necessidades da formação de um país que deveria ser governado cientificamente e incorporado pela atividade

de seu povo ao dinamismo do século. (AMADO, 1958, p. 192)

Segundo Ribeiro, a História do Brasil não poderia se resumir aos seus aspectos internos. A gênese do Brasil deveria ser buscada na história portuguesa. Tal concepção, segundo Silva, é um tipo de história que não escapa de uma teleologia, na qual os eventos são compreendidos como que destinado a priori a resultar na formação do Brasil (SILVA, 2008, p. 85).

Duas ideias fundamentais seriam o cerne da história de João Ribeiro de acordo com Silva (2008): ela é moldada pelo presente e é também uma história episódica, ou seja, é apenas uma página da história europeia. Ribeiro tem uma concepção presentista da História, na medida em que o historiador concebe o passado como uma construção que enxerga o presente como formulador de questões e, portanto, produtor do passado. A História seria feita “do” e “pelo” tempo, por isso não é matéria acabada, e sim uma “contínua substituição de ideias e fatos” (SILVA, 2008, p. 125).

O presente quem governa o passado e é quem fabrica e compõe nos arquivos a genealogia que lhe convém. A verdade, corrente hoje, sabe buscar, onde os há verossímeis, os seus fantasmas prediletos de antanho. Hoje elevamos estátuas a Tiradentes, porque o nosso ideal de agora determinou esse culto. A fuga de D. João VI como se lia os compêndios. Também os revolucionários de 89 ergueram um culto aos Brutos vingadores de Lucrécia. E assim, o presente modela e esculpe o seu passado levanta dos túmulos os seus heróis e constrói com suas vaidades ou a sua filosofia a hipótese do mundo antigo. A imparcialidade pode ser imoral: nós temos a obrigação de justificar o presente, de fundar a ética da atualidade. O contrário seria o suicídio de nossas aquisições (Apud. SILVA, 2008, p. 125).

O trecho acima é parte do discurso de posse do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) em 1915. Temos que concordar com Amado que tais ideias eram, de certa forma, avançadas para uma época em que os historiadores promulgavam a imparcialidade como forma de se alcançar a verdade dos fatos. Ao reconhecer que a História é produto de questões que emergem no presente, João Ribeiro se mostra atento ao ofício do historiador e ao compromisso deste profissional na construção de uma história para seu país. Contudo, segundo Ângela de Castro Gomes, esta perspectiva não significa que Ribeiro abandone a idéia de “verdade”, mas que ele reconhece o seu papel enquanto historiador que, envolvido nos debates de construção de uma nacionalidade para o Brasil, se empenha em constituir uma identidade para o seu país, destacando a singularidade de sua história (GOMES, 1996, p. 109).

Amado, ao enfatizar a leitura de João Ribeiro como algo que descortinava a verdadeira história do Brasil, participa desta perseguição pela verdade, que segundo Gomes (1996) estava presente na história de Ribeiro. Destacar um autor que está envolvido nos debates sobre a construção da nacionalidade do país sugere também o desejo de Amado em se representar como um intelectual, que desde os seus tempos de estudante no Recife, era um sujeito de saber preocupado com a construção de uma nacionalidade para o país, prerrogativa crucial para a formação do político e intelectual que o sergipano viria ser. Evocar João Ribeiro também indica a busca por uma nacionalidade calcada numa história especifica para o Brasil. Assim, a temática da nacionalidade, nos textos de Amado, também é uma narrativa que ganha um caráter essencialista como se tal preocupação sempre fizesse parte das preocupações de Gilberto Amado.

De João Ribeiro fui às fontes por êle citadas. Naturalmente cheguei, nos anos que se seguiram, a resultados que lhe escaparam e dei desenvolvimento, que não estava, aliás, na linha de seu plano, ao estudo das relações entre o meio social, as instituições políticas no Brasil, e ao papel da escravidão na estabilidade do Império. (AMADO, 1958 a, p. 191)

Nesse percurso de se voltar ao que Amado chama de “esqueleto demográfico do Brasil seu revestimento constitucional, das ligações da ossatura da nação e suas vértebras com o seu parênquima institucional”, a sociologia, juntamente com Ribeiro, aparece como balizadora dos textos de Amado: “ (...) minhas intensivas leituras precoces da política de Augusto Comte concomitante com as dos inglêses (sic) Spencer e Stuart Mill, logo seguidas pelo contacto com a obra de Durkheim e de Karl Marx” (AMADO, 1958a, p. 270).

A História do Brasil também é evocada, na memorialística de Amado, como elemento que o distinguia da maioria dos estudantes de Direito de sua época. Para estes, segundo Amado, a história se restringia às modalidades do que ele chama de cultura popular (“florões, barrocos, azulejos e outros reflexos históricos da formação estética do país”) (AMADO, 1958a, p. 269). A verdadeira concepção de história, de acordo com o autor, parece passar despercebida pelos demais estudantes de Direito e só presente em Amado pelo seu esforço autodidático. Dentre os seus demais colegas de direito, Amado, em seu discurso, é aquele que é portador de leituras cientificistas e, portanto, de uma verdade científica para o Brasil. Enquanto, para seus demais colegas, história era sinônimo do que autor chama de cultura popular, que para Amado, seria relegar a história à categoria de um saber menor, ele, Gilberto Amado, munido de suas leituras de bases científicas vê a história como um saber científico por excelência, portadora da verdade dos fatos. Somente a história científica deveria balizar o

conhecimento do corpo de ilustrados capazes de produzir conhecimentos eficazes para a análise da realidade brasileira.

Contudo, o trabalho com uma trajetória intelectual demanda a problematização das supostas leituras e posicionamentos do autor na juventude, pois como aponta Pallares Burke (2005), tão importante quanto os textos produzidos pelo autor em sua maturidade, são também as imagens que foram construídas pelo autor e seu pares em seus escritos de juventude. Passemos agora a discussão sobre tais produções, destacando os embates travados pelo autor na imprensa pernambucana no início do século XX.

3.3 IMPRENSA E CONFLITOS: O NÃO DITO NA MEMORIALÍSTICA DE GILBERTO