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3 PRINCÍPIOS METODOLÓGICOS

3.3 John Blacking e a pesquisa em música

As análises das canções, nesta tese são realizadas a partir da concepção musical de Martinez sobre a Semiótica Peirceana. Porém, para auxiliar a organização dos elementos extramusicais referentes às análises, utilizo como base alguns questionamentos48 realizados por John Blacking referentes ao estudo da performance musical. (BLACKING, 1979) A escolha pela utilização das teorias de Blacking sobre a pesquisa em música se deve ao fato de que o autor discute a complexidade dos elementos musicais, que precisam ser observados em seu sistema, devendo-se assim considerar os elementos acústicos, culturais, sociais e estéticos. Para o autor,

A música é um produto do comportamento dos grupos humanos, seja formal ou informal; é som humanamente organizado. E ainda que diferentes sociedades tendam a ter ideias diferentes sobre o que o que pode ser considerado música, todas as definições se baseiam em algum consenso de opinião em torno dos princípios sobre os quais devem organizar-se os sons. Dito consenso é impossível sem um terreno de experiência comum e sem que distintas pessoas sejam capazes de ouvir e reconhecer padrões nos sons que chegam a seus ouvidos. (BLACKING, 2010, p. 38, tradução nossa)

É possível compreender, a partir do acima exposto, que só é possível atribuir sentido à música se esta estiver inserida em algum grupo onde existam experiências comuns que possibilitem o reconhecimento de padrões sonoros. Blacking defende que “sem processos biológicos de percepção auditiva e sem consenso cultural sobre o percebido entre pelo menos alguns ouvintes, não pode existir nem música nem comunicação musical”. (BLACKING, 2010, p. 37, tradução nossa)

Partindo das categorias peirceanas sobre a construção de conhecimento, entende-se que os processos de significação musical acontecem a partir dos raciocínios Dedutivos, Indutivos e Abdutivos, que agem de forma integrada na geração de hipóteses. Para que hipóteses sejam geradas, é necessário que se tenha culturalmente objetos significantes, pois o raciocínio sempre será construído a partir do universo cultural/social do indivíduo. Não é possível criar uma ficção

que não seja a partir do mundo real, pois a mente sempre parte de sua compreensão das coisas. Assim, para que a música produza um sentido, é necessário que esteja inserida em um contexto que prepare os indivíduos para isso. Para Blacking,

A música pode expressar atitudes sociais e processos cognitivos, mas é útil e eficaz somente quando é escutada por ouvidos preparados e receptivos de pessoas que tenham compartilhado ou possam compartilhar de alguma maneira as experiências culturais e individuais de seus criadores. (BLACKING, 2010, p. 103, tradução nossa)

É possível entender que não há sentido em música se sua criação não estiver relacionada a experiências culturais afins entre aquele que cria e aquele que a pratica/escuta. Da mesma forma, o ato de criar musicalmente está relacionado ao contexto cultural de seu criador. Complementa o autor,

A música é uma síntese de processos cognitivos presentes na cultura e no corpo humano: as formas que adota e os efeitos que produz nas pessoas são gerados pelas experiências sociais de corpos humanos em diferentes meios culturais. Dado que a música é som humanamente organizado, expressa aspectos da experiência dos indivíduos em sociedade. (BLACKING, 2010, p. 143, tradução nossa)

É possível inferir, a partir do acima exposto, que as respostas às perguntas musicais podem não ser musicais. As experiências humanas em sociedade dizem, por vezes, muito mais sobre algumas práticas musicais do que as músicas em si. Por esse motivo, é importante que o pesquisador esteja atento ao fato de que, apesar de os signos musicais significarem por si, a formação destes está inserida em um contexto sociocultural. Os signos são construídos individualmente e socialmente, a partir do universo cultural. Para Blacking, o interesse pelo som, seja como fim em si mesmo, seja pelos meios sociais necessários à sua consolidação, são aspectos indissociáveis na análise musical. Nas palavras do autor,

48

As análises musicais são essencialmente descrições de sequências de distintos tipos de ato criativo: deveriam explicar os acontecimentos sociais, culturais, psicológicos e musicais na vida de grupos e indivíduos que conduzem à produção de som organizado. A nível superficial, a criatividade se expressa na música principalmente através da composição e execução, na organização de novas relações entre sons ou em novas formas de produzí-los. O interesse pelo som como fim em sí mesmo ou pelos meios sociais para a consecução de dito fim são dois aspectos inseparáveis, e ambos parecem estar presentes em muitas sociedades. Tanto se pusermos a ênfase no som humanamente organizado, tanto na humanidade organizada por meio do som - isto é, em uma experiência tonal relacionada com pessoas ou em uma experiência compartilhada relacionada com notas -, a função da música é reforçar certas experiências que têm gerado resultados significativos para a vida social, vinculando estreitamente às pessoas com tais experiências. (BLACKING, 2010, p. 154, tradução nossa)

Como pode ser observado, o autor aponta para o fato de que as análises musicais constituem-se como meras descrições de atos criativos diversos. Por esse motivo, é preciso considerar que nenhuma análise poderá explicar todos os elementos que fazem parte de um processo musical, por mais sistêmica que se proponha a ser.

As análises sempre serão realizadas a partir da leitura do pesquisador sobre uma prática musical. Outro leitor identificará diferentes elementos da mesma prática musical, o que direcionará a análise para um caminho distinto daquele primeiro pesquisador. Obviamente, os elementos que constituem a mesma prática musical serão muito semelhantes, porém o peso que cada leitor desta prática dará aos elementos será diferente.