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Jornal Português: as colónias vistas do Terreiro do Paço Até ao início da crise colonial – em 1953, quando a União Indiana ultrapassa a fase

2 "Salazar vai ao cinema"

4. Jornal Português: as colónias vistas do Terreiro do Paço Até ao início da crise colonial – em 1953, quando a União Indiana ultrapassa a fase

em que pretende negociar politicamente a transição de Goa, Damão e Diu para a sua posse – as referências ao Ultramar nas actualidades do Estado Novo eram escassas95.

No Jornal Português as colónias tiveram escasso valor-notícia e só uma, Angola, foi filmada, uma vez. Apesar das viagens presidenciais às colónias terem sido acompanhadas por equipas de cinema, optou-se por não incluir qualquer reportagem filmada localmente nas actualidades cinematográficas. Assim, ao longo da produção da revista, a actualidade colonial interessa quando tem a metrópole como cenário e os funcionários administrativos, membros do governo ou militares são protagonistas de notícias nesse âmbito.

Na edição de Abril de 1939, o nº 8 do Jornal Português destacou um grande acontecimento da "cinematografia nacional": tratou-se da filmagem de Feitiço do Império, a primeira longa-metragem de ficção colonial do cinema português. A reportagem não foi, porém, além do mero registo das filmagens no plateau, em Portugal, e não foi feito nenhum enquadramento ideológico do projecto, não obstante a realização da obra ser de António Lopes Ribeiro, o cineasta do regime que era também director do Jornal Português.

Em termos de política interna – em que foi enquadrado também o espírito missionário cristão – refiram-se dois tipos de acontecimentos abordados pela revista cinematográfica: viagens (partidas e chegadas) e tomadas de posse. Quanto a propaganda e informação, três tipos de acontecimentos são noticiados: comemorações, homenagens e funerais.

No que respeita às viagens, duas partidas - uma em 1938 (para ir visitar S. Tomé e

95 Franco Nogueira - Ministro dos Negócios Estrangeiros do regime entre 1961 e 1969, escreveu que a política de Nova Deli, iniciada em 1947, passou pelas fases da pressão política, da intimidação e do debate internacional. Portugal reconheceu a independência da Índia não aceitando, porém, que o estabelecimento de relações diplomáticas fosse o prelúdio para discutir Goa. Em 1953, o discurso da União Índiana endurece, acusando o governo português de usar uma "política de repressão violenta" e sugerindo, como solução, a transferência directa dos territórios portugueses para a União. Lisboa não dá resposta, desde Janeiro até Maio de 1953, pelo que a legação indiana insiste com a ameaça de que, caso a proposta não seja aceite, a legação fechará em Lisboa. Resposta portuguesa, a ambas as notas, é feita a 15 de Maio, revelando-se intransigente pelo que a 11 Junho se dá o encerramento da Legação Indiana. Portugal mantém a sua em Nova Deli. Segundo Nogueira, tal assinala o fim da fase da pressão política e inicia a intimidatória. Nogueira diz que ter-se-ão iniciado perseguições aos goeses residentes na União Indiana. Também segundo o autor, são dificultados e depois proibidos os contactos destes com familiares. Suspende-se o trânsito fronteiriço de pessoas e mercadorias e são cortadas as comunicações telegráficas e postais.

Angola) e outra em 1939 (para ir visitar Moçambique) - e um regresso de Carmona de uma visita às Colónias; um regresso, da visita às colónias, ao Congo e à União Sul-africana, do Ministro das Colónias em funções em 1943 e uma ida do Cardeal Cerejeira a Lourenço Marques para inaugurar a nova catedral, no ano seguinte, são as escassas (cinco) notícias que a revista cinematográfica inclui.

No âmbito da actividade da AGC regista-se a única tomada de posse – a do Agente Geral das Colónias, Júlio Cayolla96 – filmada de um administrador colonial; é organizada uma homenagem a Mouzinho de Albuquerque, em 1941, e, em 1943, na edição nº 39, a homenagem aos heróis da ocupação da Ásia, África e Oceânia. Intitulada "A Homenagem aos Heróis da Ocupação" é, durante a produção desta série, a reportagem que mais desenvolve a questão da presença de Portugal no mundo. A narração deste número das actualidades apresenta assim o acontecimento:

A Praça do Império serviu de magnífico cenário à inesquecível cerimónia que a Agência Geral das Colónias organizou em homenagem aos heróis da ocupação Portuguesa em África, na Ásia e na Oceânia. O Sr. Presidente da República, o Chefe do Governo, ministros, altas patentes militares, os sobreviventes das campanhas coloniais e milhares de convidados ocuparam a enorme tribuna que se ergueu propositadamente a toda a extensão da praça, diante do Pavilhão dos Portugueses no Mundo.

O jornalista Luís Teixeira evocou, num discurso, as páginas brilhantes da história que Portugal viveu no Ultramar, na Guiné, em Angola, em Moçambique, em Macau, em Timor no fim do século passado e no primeiro quartel do século XX.

Ali estavam os sobreviventes gloriosos das vitórias da civilização Portuguesa dos últimos que "a fé e o Império andaram dilatando": Neutel de Abreu, Azevedo Coutinho, Vieira da Rocha, tantos mais.

O Agente Geral das Colónias anunciou que ia ser feita a chamada dos mortos da Ocupação. Um aspirante da Marinha nomeou-os. E uma voz respondia: "Presente!".

O Portugal de agora não esquece os que serviram no Passado, consolidando o Portugal Eterno, escrevendo páginas gloriosas da História da nossa Pátria.

E forças da Marinha, do Exército, da Legião desfilaram em continência, fechando esta cerimónia memorável que o Jornal Português se orgulha de arquivar.

Em termos de propaganda, as comemorações centenárias de 1940, que assinalam o 8º centenário da Nacionalidade e o 3º centenário da Restauração, são pretexto para a evocação da portugalidade na sua vertente colonial. Há duas reportagens que se enquadram neste

96 Posteriormente, Cayolla foi delegado do SNI para a regulação da relação entre este organismo e as entidades produtoras da segunda colecção de actualidades cinematográficas de propaganda, Imagens de Portugal [1953- 70]. Era ele que aprovava os temas reportados e que controlava os conteúdos veiculados e a qualidade técnica do jornal assim como o cumprimento, por parte da entidade produtora subsidiada, do contrato assinado com o SNI.

contexto: uma, no nº 19 do Jornal Português, sobre a inauguração da secção colonial, e em que se destaca a Rua de Macau e, a propósito da reportagem sobre o Cortejo Histórico da Mocidade Portuguesa, no nº 20, assinale-se a participação de "velhos colonos".

Há registo, no nº 31, de outra homenagem no âmbito colonial por iniciativa da Assembleia Nacional, desta feita a João de Azevedo Coutinho – considerado "herói das campanhas de África" – além da reportagem sobre o funeral, com honras nacionais, de outro "herói da ocupação militar em África", Eduardo Marques, até então presidente da câmara corporativa. Assinale-se uma homenagem, em 1944, ao Ministro das Colónias, pela sua protecção ao Parque das Laranjeiras, actual Jardim Zoológico. Já após a II Guerra Mundial, é reportada pela edição nº 61, estreada em 1946, a comemoração do 49º aniversário da batalha de Macontene, pretexto para mais uma homenagem a Mouzinho de Albuquerque.

O enfoque das actualidades no território nacional exclui, portanto, as colónias e descura o discurso que, após a II Guerra Mundial, vai aprofundar-se à medida que a posse das colónias se torna factor de identidade nacional, como reacção às lutas pela independência e à questionação da ONU ao colonialismo

.

Quanto à política externa estritamente de âmbito colonial, destacam-se, no Jornal

Português, os temas da diplomacia e a defesa militar de territórios de Além-Mar durante a II

Guerra Mundial.

A participação portuguesa na Grande Guerra decorrera ainda enquadrada pela questão do "Mapa Cor-de-rosa" e as reacções inflamadas contra o ataque à soberania portuguesa em territórios descobertos durante as grandes viagens marítimas.

Salazar consegue gerir a neutralidade portuguesa no segundo grande conflito mundial mas a manutenção de territórios torna-se naturalmente problemática pelo que a diplomacia é intensificada para garantir que quer os Aliados quer os países do Eixo respeitam a soberania portuguesa.

A importância e intensidade das relações diplomáticas é atestada, de modo geral, pelo modo como, durante toda a II Guerra Mundial, os países com representação diplomática respondem positivamente aos convites para marcarem presença nas grandes comemorações

do regime, sendo isso evidente em 1940, durante as Comemorações do Duplo Centenário. Enquanto a diplomacia faz o seu trabalho, procura-se não descurar – sem que as actualidades especifiquem os investimentos feitos em equipamento, à medida da pequenez dos meios disponíveis – a defesa militar dos territórios ultramarinos.

Uma reportagem fixa o envio de tropas para Cabo Verde e outra para os Açores. A primeira, na edição nº 26, revela que o envio de tropas para as colónias já começara antes:

Continuando a reforçar os efectivos militares do Império, mandou o governo mais um contigente de tropas para as ilhas de Cabo Verde. O sr. Ministro da Guerra, acompanhado pelo sr. Ministro das Colónias e pelo sr. Sub-secretário da Guerra, assistiu ao embarque no Cais da Rocha do Conde de Óbidos. Muito bem fardadas e equipadas, as tropas desfilaram em continência diante do Chefe. E embarcaram a bordo do Mousinho direitos ao arquipélago. Um dos soldados para não fugir à tradição, leva um saco e uma guitarra.

A necessidade de reafirmar a soberania portuguesa nos Açores e Cabo Verde é afirmada com emotividade pela propaganda, como se pode avaliar pelo excerto final da narração da reportagem integrante do nº 27:

De bordo, os soldados que partiam, e, em terra, as suas famílias e amigos – e todos os que estavam ali a despedir-se, conhecidos ou não, eram amigos – no momento emocionante da largada só tinham um pensamento: a independência da Pátria, aquém e além-mar.

Não só das relações com os países do Eixo e dos Aliados dependia a diplomacia portuguesa e no início da guerra mundial há, no Jornal Português, indícios de uma relação privilegiada, no continente africano, com a União Sul-Africana.

Essa relação é evidente em duas actualidades. No nº 8, na rubrica "Figuras do Mês", noticia-se a entrega de credenciais por um diplomata desse país, o Tenente Coronel Piennar. Em 1938, fôra divulgada a actualidade sobre a visita do ministro da Defesa da União Sul- Africana a Portugal: "Oswald Pirrow em Lisboa". A narração do Jornal Português caracterizou-se por, em geral, ser superficial e descritiva e nunca aprofundar os temas alvo de reportagem. Neste caso, porém, a narração, por António Lopes Ribeiro, esclarece que a visita teve como propósito a discussão de temas de interesse para ambos os países, desmentindo notícias da imprensa estrangeira que atribuíam a visita de Pirrow a problemas com as colónias portuguesas em África. Explica a narração:

Sobre a viagem do ministro Oswald Pirrow tem a imprensa estrangeira bordado centenas de considerações e todas visando a relação que possa ter com o problema das colónias em seu plano internacional. Os vários governos, por seu lado, apontam essas considerações como fantasiosas e fazendo-lhes formais desmentidos. Em Portugal apenas visaram o estabelecimento de melhores relações comerciais.

Já no pós-guerra, com a questionação do colonialismo pela comunidade internacional e a eclosão de vários movimentos de libertação, estreitam-se contactos diplomáticos com outras potências coloniais, firmes na defesa desse estatuto.

Assinale-se, na edição nº 91, de Agosto de 1950, que o fecho do noticiário é feito com "A visita do governador do Congo Belga a Angola". Trata-se da única reportagem, em toda a produção do Jornal Português, que mostra território colonial. Nas imagens pode ver-se a chegada do governador belga ao aeroporto de Luanda, onde o esperava o seu homólogo português, Capitão Silva Carvalho. Segue-se o desfile da guarda de honra, a visita ao Palácio do Governador onde o governador belga, nunca nomeado, é apresentado às forças vivas locais. Segue-se uma homenagem aos portugueses que tombaram na guerra e um desfile das tropas indígenas. Finalmente, no Estado Municipal de Luanda, o convidado assiste na tribuna a exercícios em que, segundo a narração, "participaram centenas de atletas que executaram numerosos exercícios que demonstraram o desenvolvido físico da juventude portuguesa de Angola e o grau de perfeição atingido". A reportagem encerrava comentando que "assim terminava esta visita de cortesia em que mais estreitos se tornaram os laços que Portugal e a Bélgica, nações que servem em terras de África os mesmos ideais da civilização ocidental".

A relação com o Brasil, e com o Estado Novo liderado por Getúlio Vargas, é também central na medida em que amplifica mundialmente a língua e influência da cultura portuguesa. Durante as comemorações centenárias de 1940, em que o Brasil se faz representar por uma embaixada especial, evidencia-se o diálogo estreito que Portugal mantém com a ex-colónia e que prosseguirá até meados dos anos 60, nomeadamente durante os governos de Kubitchek de Oliveira. É nesse enquadramento que é noticiada a viagem de António Ferro ao Brasil para, a 4 de Setembro de 1941, firmar o acordo cultural luso- brasileiro.

À cerimónia, realizada no Palácio do Catete e fixada pelo Jornal Português nº 31, assistiram Getúlio Vargas e o então director do departamento de imprensa e propaganda brasileiro. Durante a visita, Ferro deu uma conferência sobre Salazar no Palácio do Tira-

Dentes, a qual teve na assistência o Almirante Gago Coutinho e o poeta brasileiro Olegário Mariano.

Noutro registo, já no final da guerra, e após a comoção pela ocupação de Timor pelo Japão durante a guerra, duas notícias abordam a portugalidade dos nascidos em Timor - fossem eles indígenas ou assimilados97 - de um modo que, a partir de 1951, será integrado de modo objectivo no discurso colonial oficial, quando os movimentos de independência começam a lograr os seus objectivos e a ONU questiona Portugal sobre a manutenção de colónias.

Em Abril de 1946 é mostrada "A chegada a Lisboa dos repatriados de Timor". Única notícia na área da sociedade tendo a representação do colonialismo como pano de fundo, a sua narração sustenta:

Lisboa viveu, neste dia, horas da maior emoção e assistiu a um dos mais vibrantes espectáculos da sua vida. Depois de tanto sofrimento, depois de tanta amargura, de tanta lágrima e de dias tão tristes para o coração Lusitano, Portugal recebe apoteoticamente, enternecidamente, os seus filhos de Timor, que tão longe sofreram nos anos angustiosos da conflagração que assolou o mundo…

Lisboa parecia mais bela do que nunca, quando nessa hora singular o sol brilhou. Lisboa, a capital do nosso glorioso império, aclamava os portugueses de Timor, que teimaram em defender a soberania portuguesa, guiados pelo amor pátrio e pela bandeira verde rubra. Que lá longe foi chama irrequieta e ardente de um povo. [...]

Já o nº 57 notícia a chegada do Quanza trazendo, a bordo, as "Forças Expedicionárias ao Extremo Oriente" e os dois netos do régulo Francisco da Costa Aleixo.

[...] É que no "Quanza" que saiu do Tejo em Outubro de 1945, regressava de Timor, o contigente militar das "Forças Expedicionárias ao Extremo Oriente". No "Quanza" vieram também dois netos do régulo D. Francisco da Costa Aleixo que, fiel à sua condição de português, foi vítima dos invasores nipónicos. Sorrindo, foram recebidos com afectuosas manifestações por todos e pelos seus futuros companheiros de escola.

97 Na obra Política ultramarina , Adriano Moreira constata que o direito português não é orientado pelo princípio da igualdade abstracta perante a lei "mas pela efectiva protecção dos valores humanos [...]". Os indígenas têm direitos civis e políticos que dizem respeito às instituições peculariares da sua organização social, à liberdade, segurança, liberdade de consciência, culto e trabalho, direito à assistência pública e protecção governamental. Moreira diz que também participam na vida política indígena pela escolha dos seus chefes e acesso a assessores dos tribunais privativos das questões indígenas. Esta concepção de igualdade concreta, inspira, segundo o autor, o Estatuto dos Indígenas portugueses em Guiné, Angola e Moçambique, a regra que determina que, nas relações entre indígenas e não indígenas, o juiz não imporá a estes obrigações que não possam prever e aceitar. O colono tem o dever de diligência e protecção que não lhe pertence na metrópole. É um tipo normativo de colono traduzido em "atribuir a todo o português no Ultramar uma função de interesse público". O indígena pode, voluntariamente, e quando tenha adquirido os usos e costumes pressupostos pelo direito público e privado, optar pela lei portuguesa comum ficando assimilado aos cidadãos originários (Moreira, 1956, pp. 294-295).

O desporto, com enfoque colonial, é alvo de uma única notícia no Jornal Português que aborda a "Renovação do pugilismo em Portugal" por desportistas moçambicanos.

A aparição nos ringues do continente duma excelente equipa de pugilistas moçambicanos provocou uma autêntica renovação do boxing em Portugal, atraindo para a "nobre arte" uma verdadeira multidão de aficcionados. Assistimos aqui a algumas fases do combate formidável, para disputa do título do campeão de Portugal dos pesos médios, entre o moçambicano Fernando Mattos e o metropolitano Agostinho Guedes […].

Esta é uma das duas reportagens em que colonizados figuram ao longo de toda a revista. A outra é aquela em que figuram os netos do régulo Francisco da Costa Aleixo, perfilhados pelo Estado porque – enunciado como exemplo máximo da portugalidade – o avô dos meninos morreu, fiel à condição que lhe foi imposta de ser português, e pela recusa de acatar outra bandeira no território regido por si.

Jornal Português não mostra - com excepção de uma notícia filmada em Angola -

territórios coloniais tal como nunca mostra colonos portugueses e mostra colonizados a pretexto da sua lealdade à "pátria" ou, no caso do desporto, por causa do seu papel no êxito de uma actividade em concreto. De resto, a política nacional relativa às colónias praticamente é ignorada - para além da tomada de posse do agente geral e da visita e regresso do Presidente da República - e é na área da diplomacia e devido à II Guerra Mundial que mais notícias referem a questão colonial.