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2 "Salazar vai ao cinema"

3. O "modo português de estar no mundo" nas actualidades

Em Portugal, as primeiras sessões de animatógrafo aconteceram meia dúzia de meses após a sessão histórica dos Lumière. A natureza documental dos filmes feitos foi preponderante nos primeiros anos da produção nacional de cinema – uma tendência que dominou durante todo o Estado Novo – embora o estudo desta produção documental tenha sido descurado. No país, como, em geral, no resto do mundo, a história do cinema tem sido a história do cinema de ficção. É um facto, porém, que a reportagem cinematográfica e o cinema documental tiveram, até à época das comédias de actores, uma predominância que tem sido subestimada.

Em Novembro de 1896, Aurélio Paz dos Reis realizou e mostrou, no Porto, a Saída do

Pessoal Operário da Fábrica Confiança. Os filmes que se seguiram, durante a primeira

década e meia do animatógrafo em Portugal, são sobretudo "filmes-documento73" e, apenas em 1911, estreia a primeira longa-metragem de ficção portuguesa, Os Crimes de Diogo Alves, de gosto popular e muito inspirada pelo teatro. A ficção chega tardia, portanto, a um cinema que começou, muito cedo, por iniciativa de fotógrafos – todos os pioneiros tinham essa actividade em comum – curiosos e escolheu como temas preferidos os da literatura de inspiração popular e melodramática. Só no fim dos anos 20 se dá a iniciação estética do cinema feito em Portugal – já o formalismo russo e o expressionismo alemão tinham criado as suas obras-primas – marcada por uma forte inspiração documental e pelo início da actividade cinematográfica de Manoel de Oliveira e Leitão de Barros.

Entre 1930 e 1950 Portugal viverá o que é considerado o período de ouro das comédias populares, único género cinematográfico de uma cinematografia sem géneros, e cuja popularidade assentou em excelentes actores e não tanto nas soluções dramáticas ou formais escolhidas, usadas repetidamente. O propósito de animar a produção contínua de filmes, alimentado na década de 40 por António Lopes Ribeiro, não logrou contrariar a escassez de

73 Filmes-documento são as obras fruto de "um cinem a olhado pelo mundo , um cinema que não possuía ainda uma força por detrás da câmara que controlasse, ou exercesse, o poder do olhar"(Costa, 1989, p. 98).

filmes de longa-metragem de ficção. Além dos elevados custos da produção de filmes, da inexistência de uma política estatal de apoio à produção não propagandística e da pequenez do circuito comercial de cinema no país – causas óbvias para a fragilidade do sector cinematográfico nacional – este foi o período da rarefacção da película, devida às duas guerras: a civil espanhola e a II Guerra Mundial.

Desde a revolução de Maio de 1926 que se começara a fazer a propaganda do regime através de documentários mas, devido à rarefacção da película, houve então a iniciativa de organizar a produção documental dispersa através da criação da primeira revista de actualidades cinematográficas produzida com continuidade. E porque só o que era português lhe devia interessar, esta revista de actualidades chamou-se Jornal Português.

(a) Antecedentes mundiais

Se as actualidades nasceram com o cinematógrafo - com o registo feito pelos "caçadores de imagens" enviados pelos Lumière para filmar, em todo o mundo, o que pudesse interessar o público desta tecnologia então emergente; ou com a reconstituição de acontecimentos, feita em estúdio, iniciada por Méliès - só na primeira década do século XX, porém, surgiu, em França, o primeiro semanário de actualidades filmadas.

Um ano após a primeira sessão pública paga de projecção de filmes, os Lumière contrataram Félix Mesguich, que se tornou o primeiro repórter de actualidades da história, para filmar as "maravilhas do mundo" bem como os acontecimentos mais notáveis da actualidade da época.

Já Georges Méliès gostava de truncar, assumindo a ficcionalização investida de um efeito de realidade. Em 1901, antecipou a coroação de Eduardo VII num filme que estreou, com grande êxito, ainda antes da cerimónia acontecer. Foi o precursor das reconstituições de factos reais que se banalizaram, sobretudo nos EUA, dada a necessidade da superação das dificuldades tecnológicas de então na cobertura de acontecimentos.

A organização da distribuição e exibição dos filmes pouco tinha então que ver com a actual. Até cerca de 1907 cada sala concebia um programa com curtas-metragens — que

podiam ser comédias, dramas ou actualidades — a que se seguia, após um intervalo, a apresentação de uma longa-metragem de ficção. A exploração do espectáculo cinematográfico era então maioritariamente ambulante e os filmes não eram alugados mas comprados pelos exibidores. Neste contexto de produção e distribuição, as actualidades não eram estruturadas, como o foram posteriormente, sob a forma de jornais.

Só na primeira década do século XX surgiu em França o primeiro semanário de actualidades filmadas. O processo inicia-se cerca de 1907 em França, quando Charles Pathé deixa de vender os seus filmes. No ano seguinte os Pathé decidem agrupar as notícias actuais num jornal periódico e criam o Pathé Fait-Divers, considerado o primeiro jornal de actualidades do mundo. O exemplo é seguido pelos Gaumont e em 1910, Léon Gaumont funda as Gaumont Actualités. O Eclair Journal é o terceiro jornal a surgir, seguido, em 1914, pelo Elipse Journal.

As actualidades cinematográficas tornaram-se então curtas-metragens de informação que mostravam acontecimentos recentes em domínios como a política, o desporto, a cultura, a economia, etc. Estes acontecimentos eram filmados separadamente mas posteriormente agrupados sob um genérico que lhes dava uma ordem aparente. As actualidades integravam geralmente os programas cinematográficos sendo exibidas ao público antes da projecção das longas-metragens de ficção. Na concepção e finalidade eram comparáveis à imprensa escrita - constituiu-se uma imprensa cinematográfica, alvo de estudo pela UNESCO em 1951 - e as actualidades filmadas eram, geralmente, editadas e mostradas semanal ou bissemanalmente.

Dez anos após a introdução do som as actualidades tinham desenvolvido um estilo de apresentação e uma estrutura óbvios. Os EUA, a França e o Reino Unido eram os eixos de uma rede internacional de exibição de actualidades produzidas quase integralmente pelas grandes companhias norte-americanas: Paramount News, Fox Movietone News, Warner-

Pathé News, Universal News e News of the Day (Metro Goldwyn Mayer-Hearst). Quanto ao

Reino Unido, tinha cinco produtoras de actualidades, ligadas directa ou indirectamente a grandes sociedades parcialmente americanas. Eram a British Movietone News (20th Century Fox, EUA; Lord Rothermere, RU), a British Paramount News (Paramount Pictures, EUA),

Pathé News (Associated British Pictures Corp., RU; Warner Bros., EUA), Gaumont British News (Gaumont British Pictures Corp., controlada por J. Arthur Rank, RU) e Universal News

(General Film Distributors, controlada por J. Arthur Rank, RU). Em França havia a Fox

(Agência Havas e Gaumont).

A Fox era aparentemente a maior organização produtora de actualidades, a que empregava mais pessoal e tinha maior número de delegações espalhadas pelo mundo. Enquanto as outras companhias tinham de fazer acordos de intercâmbio de imagens com as suas congéneres estrangeiras, a Fox filmava quase todo o material de que necessitava. Em 1940 tinha operadores em 51 países e nove delegações espalhadas pelas capitais mundiais mais importantes.

Nos EUA existiu, porém, uma série documental — The March of Time, editada entre 1935 e 1951 — que, por contraponto às actualidades produzidas, se notabilizou pela qualidade jornalística. Produzida pelo operador Louis de Rochemont para a Time e Fortune, distribuída mensalmente, foi a única série a explorar regularmente temas políticos numa época dominada por critérios comerciais. Quando as audiências, angustiadas pela depressão, procuravam um escape, The March of Time lembrava-as do desemprego e da demagogia política. Apesar dos prémios que recebeu, pouco influenciou as outras séries de actualidades

existentes mas foi a que mais sério levou a componente jornalística.

O declínio dos jornais cinematográficos - que, nos EUA, se iniciou com a crescente popularidade dos filmes de ficção destruindo a autonomia das actualidades como atracção no programa cinematográfico mas sobretudo pôs em causa a sua credibilidade informativa em privilégio da sua natureza espectacular - agudizou-se com o advento da televisão e os Gaumont e Pathé, derradeiros sobreviventes, terminaram a actividade em 1980.

O modelo de apresentação das actualidades foi mudando, ao longo do tempo, e o estudo da UNESCO, da autoria de Peter Baechlin e Maurice Muller-Strauss, sustenta que na década de 50 resultou de um processo em que os factores políticos, industriais e financeiros foram mais determinantes nesse modelo do que o propósito informativo. A reorganização das actualidades filmadas após a introdução do sonoro decorreu no âmbito de grande concentração da sua produção ao nível mundial e implicou a estabilização de uma estrutura produtiva praticamente até ao advento da televisão e democratização no acesso a este novo meio, na década de 50. O aparecimento da televisão implicou, porém, uma nova e derradeira organização dos jornais de actualidades. Em suma, se o "sonoro" ditou que as actualidades adoptassem um modelo mais "informativo" e menos espectacular, com uma estruturação da

apresentação da informação próxima da imprensa escrita relativamente à qual funcionaram geralmente de modo complementar - os jornais impressos noticiavam a actualidade em primeira "mão" enquanto as actualidades projectavam a actualidade com o alcance e o modo directo ao dispôr do cinema -, as actualidades da era televisiva aprofundaram o registo cinematográfico da realidade adoptando um modelo de informação mais próximo das revistas, em que o comentário prevaleceu sobre a actualidade da informação. Não obstante, a produção de actualidades não resistiu ao embate com a imediatez da produção televisiva de informação e, mais ou menos rapidamente e em função de serem uma produção estatal ou privada, foi diminuindo até terminar na década de 70.

No caso português, a última edição de actualidades de Imagens de Portugal, estreou em Janeiro de 1970. Tal sucedeu mercê da aposta marcelista na televisão e no uso propagandista desta para além da fragilização progressiva da série de actualidades que nunca teve grande popularidade ou um apoio estatal realmente organizado e significativo.

(b) A génese das actualidades portuguesas

A história das actualidades portuguesas continua praticamente por fazer. Salazar vai ao

cinema. O Jornal Português de actualidades filmadas inclui um pequeno contributo (Piçarra,

2006). Relata, sumariamente, como, depois das actualidades filmadas e projectadas isoladamente terem sido dos apontamentos do real fixados pelo cinema feito em Portugal nos primeiros 30 anos da sua história, se deu a organização na produção deste género. O facto é que, no país, não se impôs, de forma hegemónica ou muito relevante, alguma produtora independente de actualidades organizadas segundo o novo modelo de apresentação, agregado, das notícias filmadas. No entanto, um jornal - o Diário de Notícias - e uma distribuidora e produtora de cinema - a Castello Lopes - criam séries de actualidades próprias com

Actualidades Cinematográficas (existiu entre 1919 e 1920) e Jornal do Condes (a partir de

1918 e até 1926) respectivamente. A partir de 1924, também um pequeno produtor independente, Lopes Freire, produz Jornal Central e em 1926 surge Revista Mundial.

Uma análise ao Prontuário do Cinema Português mostra, porém, que foi o estado a afirmar-se desde logo como produtor, de modo sistemático, de uma colecção de actualidades: as Actualidades portuguesas, feitas pela Secção Cinematográfica do Exército.

Além destas actualidades estatais, feitas com propósitos propagandistas - a I Guerra Mundial impôs o uso do cinema como instrumento para tal -, a exibição era então repartida ainda (não forçosamente de modo equilibrado) entre actualidades internacionais, distribuídas pelas grandes produtoras mundiais, as séries de actualidades referidas e as actualidades, feitas pontualmente e de modo não organizado (em função do modelo proposto pelos Pathé), por produtores independentes nacionais (nesse período são sobretudo operadores que vendem aos exibidores apontamentos sobre a aspectos da realidade filmados por si).

Quando o 28 de Maio de 1926 ditou a instauração de uma nova ordem política, fortemente militarizada, tal coincidiu - não por acaso - com um aumento da produção cinematográfica em geral e da produção documental em particular. O regime, com a instrumentalização do cinema para a sua propaganda, teve um papel importante em termos de subvenção aos filmes de auto-promoção explícita ou de teor nacionalista, em detrimento da concepção de uma política de apoio ao cinema independente. A criação do FCN, em 1948 - mais de vinte anos depois da revolução militar e quinze anos após a criação do SPN -, não serviu este propósito nem provavelmente aquele para o qual tinha sido concebido, imediatamente antes do afastamento de António Ferro da direcção do Secretariado.

O desenvolvimento da produção documental nacional beneficiou do apoio estatal a certos autores que aderiram directamente ao regime, como Leitão de Barros e Lopes Ribeiro, ou a outros nacionalistas, como Jorge Brum do Canto.

(c) O Estado Novo projecta-se nas actualidades internacionais e nacionais

Ainda antes da criação do Jornal Português - que só deveria mostrar estritamente a actualidade nacional - promoveu-se a projecção mundial do regime através da negociação da inserção de notícias em algumas das principais actualidades filmadas. No Fundo SNI há

informação que documenta os contactos com a Fox, com a UFA - Tonwoche [as actualidades alemãs nazis produzidas até 1940 a que se sucederam as célebres Die Deutsche

Wochenschau] e com o Éclair Journal. O próprio Ferro participou na negociação das

condições e dos valores pagos pelo Estado Novo para a inclusão de "actualidades" do regime nestes jornais filmados.

No que se refere à Fox Movietone News, Ferro trocou correspondência com Haim Levy, da Companhia Cinematográfica de Portugal e representante da Fox em Portugal, para oferecer, a 30 de Dezembro de 1935, as seguintes condições para garantir a realização e distribuição de actualidades portuguesas em todo o mundo:

1º - Mensalmente viriam a Lisboa, ou outro qualquer ponto de Portugal que mais conviesse a este Secretariado, dois operadores com demora de uma semana, para a realização das actualidades, cujo programa estaria previamente preparado por este organismo, em cada mês.

2º - As despesas de viagem desde Madrid - ida e volta em 1ª classe -, de alojamento em hotel de 1ª classe assim como de qualquer deslocação dentro do país ficaria a cargo do SPN, cabendo à Fox as restantes despesas tais como filme, trabalhos de laboratório, etc.

3º - Como interessa grandemente a este Secretariado que as actualidades portuguesas sejam difundidas tanto quanto possível em todo o mundo, interessar-me-ia que V. Exª conseguisse dos seus representados uma lista dos países onde, possivelmente, poderiam chegar as actualidades portuguesas.

Ferro pedia que, para efeito de arquivo, a Fox fornecesse "uma cópia de cada assunto português" incluído no noticiário e solicitava que os primeiros trabalhos pudessem decorrer logo na semana de 19 a 26 de Janeiro de 1936.

Uma outra carta, com data ligeiramente anterior - 19 de Dezembro de 1935 -, foi enviada pelo chefe dos serviços internos do SPN, Artur Macial, aos directores do Grémio Luso-alemão afirmando que o SPN pretendia firmar um acordo com a UFA para que esta incluísse "regularmente" nas actualidades UFA - Tonwoche, actualidades cinematográficas portuguesas editadas em Portugal. Pedia-se a intervenção do Grémio para que a UFA indicasse "as condições em que esse acordo poderá ser firmado, fornecendo este Secretariado, dentro de uma metragem estabelecida, os negativos que ali seriam sonorizados, com elementos também daqui enviados […]"74.

Esta relação com jornais de actualidades cinematográficas estrangeiros e o recurso a

estas para projectar o regime além-fronteiras pode ter sido inspirado por uma primeira experiência com o francês Éclair Journal. Correspondência da Casa de Portugal para o SPN, com data de 8 de Dezembro de 1935, confirma ter recebido 7452 francos para pagamento ao referido jornal cinematográfico e ter feito o pagamento "da importância relativa à cópia que lhe era destinada, ficando assim liquidadas completamente as contas com a firma Éclair

Journal, tanto quanto à difusão do filme de actualidades, como às cópias respectivas".

Relembra ainda que, em Outubro, transmitira uma proposta da produtora francesa para a inclusão de doze actualidades portuguesas neste jornal. Pela resposta de Ferro entende-se que tal proposta fora feita através da garantia de contrapartidas financeiras para o Éclair - este jornal cinematográfico incluiria notícias da propaganda salazarista em troca de pagamento, o que, no mínimo, questiona a natureza informativa e isenção deste jornal filmado. A 27 de Dezembro, Ferro responde que acha interessante a proposta mas que, dada a secção de cinema não poder comportar uma despesa tão avultada, o Secretariado só pode gastar 4 mil francos com cada actualidade. Carta posterior, em 11 de Fevereiro de 1936, por António d' Eça de Queiroz, notifica a Casa de Portugal que, no final do mês, será enviada a primeira actualidade portuguesa, "de acordo com as condições estabelecidas", referindo que o Secretariado prefere pagar mensalmente, e não de quatro em quatro meses, os 4500 francos relativos a cada actualidade (o preço final obtido, presumo, após negociação com o Éclair).

No que respeita às actualidades de propaganda do Estado Novo, o Jornal Português foi a primeira edição de actualidades produzida continuamente em Portugal, embora com uma irregularidade atribuível aos custos do cinema – demasiado caro face às possibilidades reais decorrentes da sua instrumentalização, no entender de Salazar. Apesar de se anunciar como uma revista mensal, teve apenas 95 edições até 1951 – perfazendo uma média anual de cerca de sete números. Não obstante, e com financiamento do SPN/SNI, a revista foi filmada pelos mais conceituados operadores da sua época e dirigida por António Lopes Ribeiro. A sua exibição, porém e ao contrário do que sucedeu com o congénere espanhol NO-DO, foi facultativa e coexistiu com a de actualidades internacionais mais populares.

A economia de recursos e organização da produção documental de propaganda a que esta revista de actualidades veio dar resposta é comprovada por consulta à documentação do Fundo do SNI. Esta permite aferir que, a pedidos de produção de filmes pelo serviço de cinema do secretariado ou de apoio directo a realizadores ou entidades produtoras externas para a realização de documentários sobre certas regiões, instituições ou temas, o organismo

estatal respondeu negativamente remetendo, após a criação do Jornal Português, para as actualidades produzidas pela SPAC.

A falta de verba justifica a não concessão de apoio a documentários, dando-se geralmente conhecimento que a SPAC – a produtora das actualidades cinematográficas patrocinadas pela propaganda – foi informada do pedido e considerará a possibilidade de envio de um operador para fazer a reportagem cinematográfica.

Com o afastamento de António Ferro do Secretariado é também interrompida a produção do Jornal Português, tendo o género regressado, com apoio estatal por via do mesmo organismo e com os mesmos propósitos, em 1953, com Imagens de Portugal.

A primeira série de Imagens de Portugal, com direcção de António Lopes Ribeiro e produção da SPAC/Produtores Associados Lda. para o SNI, compreende a realização, contínua e quinzenal, de 135 números da revista de actualidades filmadas. A mudança de direcção, que nesta segunda série passa a ser realizada até ao número 223 por Perdigão Queiroga (Doperfilme), coincide com a substituição de Eduardo Brazão como director do SNI por César Moreira Baptista. Finalmente, será a Tobis que produzirá a terceira série da revista, até à edição 449, estreada em Janeiro de 1970.

Estas séries de actualidades cinematográficas, entre outros temas, fixaram as ex- colónias portuguesas e o modo de a metrópole se relacionar com elas. É uma análise sobre o modo como o fizeram que proponho fazer na longa duração.

(d) "Luso-comunidade imaginada" e discursos raciais

As nações - "comunidades imaginadas", de acordo com Benedict Anderson - constroem-se sobre arquivos simbólicos acumulando dados significantes para a construção das percepções identitárias.

No que respeita às relações raciais, Portugal fez a acumulação de um arquivo complexo durante o "período colonial" - longo e que, no século XIX, teve uma inflexão que implicou a criação de um discurso legitimador arvorando a especificidade do colonialismo português para defender o direito histórico de possuir territórios além-mar. O discurso sobre "o modo português de estar no mundo" assentou na espiritualidade - na natureza "cristocêntrica" da expansão marítima portuguesa - e numa suposta aptidão para a criação de relações raciais

específicas.

O discurso do poder sobre as relações raciais foi, porém, mutante em função das pressões da político-económicas internacionais. Em Portugalidade e diferença: esboço para

um arquivo simbólico das percepções raciais, Carvalheiro propõe: "Que esses discursos

correspondem a formas diversas de olhar e agir face à diferença racial e que não se substituíram uns aos outros, continuando hoje a coexistir [...], a manifestar-se alternadamente consoante as circunstâncias e os protagonistas (Carvalheiro, Barata, & Pereira, 2011, pp. 197- 198). Carvalheiro afirma que os "aspectos decisivos das leituras actuais sobre a 'raça' se podem procurar dentro do período colonial" e, como assentei no prólogo, foi uma intuição