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Tomando a mídia como espaço de uma disputa ideológica em torno do tema do aborto, percebemos que o debate está colocado também na política em termos de moralidade, e que políticos ligados a igrejas, principalmente, têm atuado pela estagnação ou retrocesso da garantia dos Direitos Sexuais e Reprodutivos.

Na mídia, as notícias sobre o aborto têm ganhado destaque mediante discussões no âmbito político. Ao mesmo tempo em que há um comprometimento midiático em torno da ideologia hegemônica sobre o assunto, os jornais também pautam a agenda política. Assim, a discussão sobre o aborto no campo político toma conotações do enquadramento que é proposto pelo campo jornalístico.

O ponto colocado pelos grupos pró-vida para a discussão sobre o aborto tem sido o do início da vida. Os grupos religiosos por meio de seus representantes na Constituinte de 1988 tentaram alterar o artigo 5º da Constituição Federal, que versa sobre o preceito da inviolabilidade do direito à vida, e introduzir a expressão “desde a sua concepção”. Essa manobra dificultaria as discussões e a possibilidade de alteração da lei (ROCHA, 2005). Sobre isso, Pinho (2009, p. 139) argumenta:

O argumento liberal que encontramos na justificativa da proteção dos direitos individuais, que remonta dos princípios de separação entre Estado e Igreja e da defesa da propriedade, tenta justificar toda tipificação penal com base em argumentos seculares, mas, em um caso como esse, retorna a um dilema moral ao se deparar com a necessidade de se definir, politicamente, o que deve ser entendido como “vida”.

Esse argumento tem espaço também nos meios de comunicação, colocado pelos definidores primários da discussão, que geralmente, são os grupos pró-vida. São eles que dão o tom do debate que será feito e em que termos ele será construído.

Rocha e Neto (2003) acreditam que o debate em um espaço como o Congresso Nacional coloca em evidência os atores envolvidos com o tema. O Parlamento brasileiro é o local onde ecoam as discussões que estão presentes na sociedade e resvalam também na mídia. “No contexto do debate dessa década, particularmente em sua segunda metade, o aborto deixa de ser um assunto limitado às páginas policiais, como se observa no estudo da Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR), ganhando espaço nas páginas políticas” (ROCHA; NETO, 2003, p. 291)

Mello (2005) acredita que a defesa da legalização do aborto não é somente uma demanda feminista, mas um assunto de toda a sociedade, que deve estar envolvida no debate.

Nesse ponto, a autora mostra que outros setores como juízes, advogados, profissionais de saúde e parlamentares têm se tornado fontes para a mídia sobre o assunto.

Conhecer as vozes ouvidas pelos meios de comunicação nas notícias sobre aborto é fundamental para entender quem são os atores que detêm a primazia das discussões. Pinho (2012) apresenta que de 552 citações em 1.242 matérias sobre aborto, a Igreja Católica e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) são ouvidos em 128, ocupando o primeiro e o terceiro lugar, respectivamente. Já as instituições do movimento feminista aparecem em quinto lugar, com as Católicas pelo Direito de Decidir (CDD) com apenas 17 citações.

O silenciamento das mulheres e de seus problemas está presente em diversas relações de poder, em que as mulheres constituem esse “outro” sobre o qual se fala, sem dar a ele qualquer voz. As mulheres não são ouvidas pelos meios de comunicação, pois não são vistas como fontes dignas de crédito. As suas reivindicações não estão na pauta dos jornais.

O jornalismo – e as/os jornalistas – também confina as mulheres ao silêncio. Carneiro (2003, p. 125), ao falar sobre o papel dos meios de comunicação na cristalização de imagens da mulher negra, nos alerta que:

Os meios de comunicação não apenas repassam as representações sociais sedimentadas no imaginário social, mas também se instituem como agentes que operam, constroem e reconstroem no interior da sua lógica de produção os sistemas de representação.

O aborto visto pela sociedade como assunto da ordem do privado tem consequências para os termos em que o debate da legalização é colocado. Para além da discussão moral e de saúde pública que tem pautado, principalmente, a mídia, há o entendimento do aborto como um Direito Humano. Porém, essa possibilidade de significação defendida pelas feministas, é apagada pelos grupos religiosos, que são vozes mais frequentes na mídia.

Na campanha presidencial, os candidatos foram convocados pelas Igrejas e, na sequência, pela mídia a expressarem suas opiniões sobre o aborto. Todos se mostraram contra a legalização e se utilizaram de uma estratégia de jogar para o oponente a defesa do aborto. Nem mesmo no embate eleitoral em que duas mulheres estiveram presentes, o tema do aborto foi agendado numa perspectiva de Direitos Humanos.

O silenciamento de Dilma Rousseff e Marina Silva faz parte do jogo político. É como se a elas fosse até permitido estar nesse local – o de uma campanha presidencial – que seria dos homens por excelência, mas desde que não defendam bandeiras que só dizem respeito às mulheres. As duas candidatas mulheres se colocaram no debate por meio do ocultamento de

suas posições políticas sobre a legalização do aborto, em prol da chegada ao poder. Interditar o debate, negar a discussão, desinformar também se constitui em um ato político.

6 UM OLHAR SOBRE OS JORNAIS FOLHA DE S. PAULO E JORNAL DO COMMERCIO

A análise do trabalho está centrada em matérias veiculadas por dois jornais impressos: Folha de S. Paulo e Jornal do Commercio. A Folha de S. Paulo é um jornal de circulação nacional, com sede na cidade de São Paulo, que começou a circular sob esse nome em 1960, após a fusão das publicações do Grupo Folha: Folha da Noite, Folha da Manhã e Folha da Noite. Com uma tiragem média de 301.299 exemplares, o jornal é o maior do país em circulação, com oito cadernos diários e 10 suplementos. A empresa declara que sua linha editorial tem por premissa “a busca por um jornalismo crítico, apartidário e pluralista”9

. O Jornal do Commercio faz parte do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação, empresa do grupo JCPM, e foi fundado em 3 de abril de 1919. Com uma tiragem média de 41.239 exemplares, o jornal é o maior do estado de Pernambuco. Além disso, tem o maior número de assinantes de todos os jornais do Nordeste. Ao todo são cinco cadernos diários e outros cinco suplementos10.

O corpus do material analisado corresponde a um total de 105 notícias e reportagens levantadas nos meses de setembro e outubro de 2010. Ainda que tenhamos encontrado material nos meses antecedentes – julho e agosto – e posteriores ao processo eleitoral – novembro –, optamos por nos concentrar nos dois meses que apresentaram maior volume de publicações. Além disso, nos dois meses elencados ocorrem as duas eleições – de primeiro e segundo turnos.

Na Folha de S. Paulo levantamos 65 notícias, e no Jornal do Commercio foram 40. No primeiro veículo, as reportagens foram retiradas tanto do caderno ‘Eleições 2010’, que circulou entre 06 de setembro e 05 de outubro, e da editoria ‘Poder’. Já no segundo jornal analisado, as notícias foram encontradas na editoria ‘Política’.

Optamos por não utilizar artigos de opinião ou editoriais, ou cartas de leitor para essa pesquisa, pois a intenção foi centrar a análise a partir do que foi publicado pelos profissionais de cada veículo analisado. Da Folha de S. Paulo, utilizamos material disponibilizado pelo banco de dados da própria empresa e também de pesquisa nos seus arquivos online.

No Jornal do Commercio, a coleta foi feita mediante pesquisa no site do próprio jornal e também nos arquivos da Biblioteca Pública do Estado de Pernambuco. Foram

91http://www1.folha.uol.com.br/institucional/linha_editorial.shtml. Acessado em 13 de novembro de 2013

encontradas matérias compradas de agências de notícias – sendo duas da Folhapress, ligada à Folha d S. Paulo – e também matérias produzidas localmente. Ao todo, foram analisadas 40 matérias do jornal.