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2.2 SISTEMA AMBIENTAL

2.2.2 Jornalismo ambiental em midiatização

Em um sentido amplo, a temática ambiental sempre permeou a imprensa e a literatura brasileira. Particularmente sobre a Amazônia, a obra precursora foi Um Paraíso Perdido, do jornalista e escritor Euclides da Cunha. Após a publicação do livro Os Sertões (1901), foi

63 UN NEWS CENTRE. UN says Paris Agreement on climate change must aim for long-term environmental

stability. United Nations, 2016. Disponível em:

<http://www.un.org/apps/news/story.asp?NewsID=53749#.Vx62yjArLIU>. Acesso em: 8 out. 2015.

64 Disponível em: <https://nacoesunidas.org/acordodeparis/>. Acesso em: 8 out. 2015.

65 Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/22/internacional/1461331442_287327.html>. Acesso

nomeado chefe da Comissão Mista Brasileiro-Peruana de Reconhecimento do Alto Purus em uma expedição pela floresta. As impressões sobre a viagem foram publicadas em Um Paraíso

Perdido, inacabado em decorrência de sua morte em 1909. De acordo com Guimarães (2011),

o autor desmistificou no livro aspectos que rodeavam o imaginário sobre a região para suscitar o debate entre a elite política e intelectual do país.

Especificamente com a alcunha jornalismo ambiental, a primeira entidade especializada no mundo surgiu em 1969, na França, intitulada Association des Journalistes-

écrivains pour la Nature et l’Écologie, em atividade até hoje66. A origem está relacionada ao

início das grandes conferências internacionais, à transformação do sistema ambiental e ao acoplamento jornalístico. O próprio Greenpeace67, suprassumo entre as organizações não

governamentais de ambiente, nasceu dois anos após inserido nesse panorama transnacional inerente dos problemas ecológicos com a utilização de protocolos tipicamente midiáticos para comunicarem suas reinvindicações.

No Brasil, o jornalista Randau Marques se destacou ao denunciar a problemática dos agrotóxicos nos anos 1970, sendo inclusive preso em São Paulo em uma de suas denúncias sobre produtos químicos de empresas de sapatos, que resultaram na mortandade de peixes e na intoxicação de agricultores. No Rio Grande do Sul, cobriu uma das primeiras polêmicas ambientais envolvendo grandes indústrias com a fábrica de celulose Borregaard, mais tarde transformada em Riocell. Apesar disso, somente nos anos 1980 que a temática ambiental vem a ganhar força na agenda pública brasileira com a descoberta do buraco na camada de ozônio (COLOMBO, 2010).

Conceitualmente, o jornalismo ambiental compreende o “processo de captação, produção, edição e circulação de informações (conhecimentos, saberes, resultados de pesquisas, etc.) comprometidas com a temática ambiental e que se destinam a um público leigo, não especializado” (BUENO, 2007: 35). Ademais, desempenha três funções: (1) informativa, ao atualizar a sociedade; (2) política, ao mobilizar os cidadãos; e (3) pedagógica, ao explicar questões e indicar possíveis saídas. Nesse sentido, concilia o perfil sistêmico, complexo e transversal, como sublinham Girardi et al. (2012: 149) com o olhar crítico, oriundo do histórico ativismo militante da temática ambiental, aspecto ressaltado por Loose & Peruzzolo (2008). Difere assim do jornalismo científico, que se baseia prioritariamente em fontes da ciência, por explorar uma diversidade maior de perspectivas.

66 A entidade congrega atualmente cerca de 250 jornalistas especializados em ambiente. Disponível

em:<http://jne-asso.org/>. Acesso em: 25 abr. 2016.

Ao falar de Jornalismo Ambiental entendemos o conceito como a inserção da visão ambiental – e neste caso da corrente do pensamento sistêmico, como abordagem dos mais variados assuntos, sejam eles da área econômica, social ou governamental, tendo como pano de fundo a possibilidade da sustentabilidade, por exemplo, quando se constrói uma matéria jornalística noticiando ou analisando questões que se colocam na agenda de um país. Isto passa a ser feito também pelo viés ecológico e da sustentabilidade e a imprensa cumpre papel fundamental neste contexto (GIRARDI, MASSIERER & SCHWAAB, 2006: 9).

Conforme Bueno (2007b: 25), a cobertura na área vem crescendo nos últimos anos. Entre as pautas, estão “temas relevantes e controversos, como transgênicos, mudanças climáticas, biodiversidade e biopirataria, conhecimento popular, segurança alimentar, consumo consciente e a expansão desordenada do agronegócio”. Por outro lado, essa abordagem feita segue sem espírito crítico, vinculada ao modelo “economicista e agroexportador, que contempla a preservação da biodiversidade como um entrave ao desenvolvimento” (BUENO, 2003: 22). Esse tratamento hegemônico na imprensa apresenta a biotecnologia e o paradigma científico como um caminho único, preterindo qualquer conhecimento de origem popular.

Nesse sentido, embora a temática ambiental exija complexidade, o tratamento visto no jornalismo de modo geral passa ao largo desse ideário, como argumentam Belmonte (2004) e Tautz (2004), com coberturas tendencialmente passionais que empobrecem a possibilidade de mobilização da sociedade. Além disso, conforme Fonseca (2004) e Geraque (2004), qualquer discurso autointitulado imparcial no tratamento de problemas ecológicos deve ser visto como utopia, já que os veículos tendem a direcionar somente para aspectos que lhes são caros, como lembra Scharf (2004). O próprio termo sustentabilidade tem sido remanejado discursivamente em outros contextos para ser melhor alinhado aos interesses políticos e econômicos, segundo Sampaio & Guimarães (2012).

Vale lembrar que, na grande maioria, os danos ao ambiente ocorrem lentamente aos olhos humanos. Parafraseando Los Hermanos, a vida é curta para ver68. Dito de outra

maneira, a título de ilustração, propõe-se “imaginar como era um bairro urbano no século passado: esse é o contraste e a velocidade das mudanças que o jornalista ambiental precisa capturar, olhando para trás e para frente, explorando assuntos que levam tempo para se desdobrarem” (FROME, 2008: 162). Por outro lado, predominam na mídia abordagens simples (ALCARAZ, 2012) e pontuais (LOOSE & CAMANA, 2015), as quais

tendencialmente são negativas (FLÔRES, 2013), sem espaço para um jornalismo aprofundado e contextualizado (BELMONTE, 2004).

Esses aspectos foram observados em marcas do discurso jornalístico sobre a temática da água, as quais se baseavam “em um sentido de desimportância para questões fundamentais em discussão na sociedade” (MAZZARINO & FLÔRES, 2012: 18). Essa forma de tratamento predominou em um período em que os problemas mencionados nas matérias incidiam diretamente na qualidade de vida da população, como a governança nos comitês de bacia hidrográfica sobre a cobrança do uso da água e a qualidade deliberada sobre os recursos hídricos para os anos seguintes. Em contrapartida, as tragédias socioambientais agendaram com maior facilidade os veículos analisados69.

A abordagem negativa predominante também foi vista na análise das matérias jornalísticas dos jornais Le Monde e Folha de S.Paulo a respeito da Rio+20 (FLÔRES, 2013). Outra característica assinalada foi a preferência por fontes oficiais, algo da mesma forma verificado posteriormente em um trabalho que incluiu a cobertura sobre o evento do jornal O

Estado de S.Paulo (MIGUEL, FLÔRES & MAZZARINO, 2015) e visto ainda em uma reflexão

sobre o trabalho da mídia em grandes conferências, privilegiadas nas coberturas jornalísticas, especialmente naquelas com presença de autoridades (políticas ou científicas) (GIRARDI, MORAES & LOOSE, 2012). Para esse fenômeno, Bueno (2007), jocosamente, chama de

síndrome lattes, ou seja, a primazia na escolha jornalística para fontes com currículo acadêmico.

Portanto, a relação entre mídia e natureza é problemática. As questões ecológicas destacam os múltiplos acoplamentos sistêmicos e as irritações inerentes do ambiente (LUHMANN, 1997). Como vimos até o momento, o sistema ambiental surge em um cenário de aceleradas transformações, com articulação e mobilização de diferentes instâncias, em especial a midiática. Nesse cenário, o jornalismo ambiental é também fruto da transição da sociedade dos meios para a sociedade em vias de midiatização (FAUSTO NETO, 2006). Precisamente, observamos a passagem de um jornalismo de viés funcionalista para um modelo mais complexificado, onde se insere a nossa proposta.

Por isso, o jornalismo ambiental em midiatização inclui um marcante idealismo. Quixotesco, muitas vezes. Afinal, não quer somente informar, mas também educar e politizar. Dessa simbiose complexa, se destaca uma “relação entre teoria e prática do jornalismo ambiental com um universo mais amplo” (BUENO, 2007b: 13), em zonas de pregnâncias

69 Seis jornais impressos de circulação na região do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul. Dois de circulação

regional restrita (O Alto Taquari e Nova Geração), dois de circulação regional ampla (A Hora e O Informativo) e dois estaduais (Zero Hora e Correio do Povo).

instigadas em acoplagens, como nomeia Fausto Neto (2013), onde podemos vislumbrar a emergência de conhecimentos para além das instituições tradicionalmente chanceladas. Precisamente, essa conjuntura possibilita a promoção de um saber para além da abordagem hegemônica dos paradigmas vigentes.