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2.2 SISTEMA AMBIENTAL

2.2.3 Saber e complexidade ambientais

Vivemos uma crise civilizatória. O predomínio da razão tecnológica sobre a natureza foi o principal responsável, de acordo com a leitura do sociólogo ambientalista Enrique Leff (2010, 2010b, 2011). Em nome do progresso a qualquer custo, especialmente a partir da Revolução Industrial, a humanidade pagou um preço ambiental muito alto, gerando uma crise que não é uma mudança natural, mas uma transformação incitada pelo homem (LEFF, 2010b). Se afastar desse pensamento é um dos primeiros passos para encarar a “racionalidade econômica e instrumental da modernidade” (LEFF, 2011: 148). Afinal, essa crise não é apenas uma questão de ordem ecológica: antes de tudo, é um problema de conhecimento (LEFF, 2010).

Para Leff (2011: 146), sustentados em uma lógica de mercado, os paradigmas científicos dominantes são ineficazes para atender a complexidade da desorganização ecossistêmica impulsionada pela crescente entropia da produção capitalista. Na visão do cientista, somente “uma recomposição holística, sistêmica e interdisciplinar do saber” seria capaz de apreender a complexidade ambiental. Dito de outra forma, precisaria “repensar o ser do mundo complexo, a entender suas vias de complexificação (a diferença e o enlaçamento entre a complexificação do ser e o pensamento) para, a partir daí, abrir novas pistas para o saber no sentido da reconstrução e da reapropriação do mundo” (LEFF, 2010: 192).

Nesse contexto, é preciso ressaltar que a realidade sempre foi complexa. Por outro lado, a ciência simplificadora caminhou no sentido de uma economia mecanicista e uma racionalidade tecnológica que ignoraram os potenciais da natureza, lembra Leff (2010: 39). O paradigma do racionalismo precisa ser superado para adoção de uma hermenêutica situada na complexidade ambiental, compreendida como um novo pensamento sobre as formas de interação no mundo com base no conhecimento, na ciência e na tecnologia, articulando transversalmente natureza, técnica e cultura.

A complexidade ambiental é um processo de reconstituição de identidades resultantes da hibridação entre o material e o simbólico; é o campo no qual se gestam novos atores sociais que se mobilizam para a apropriação da natureza; é uma nova cultura na qual se constroem novas visões e surgem novas estratégias de produção sustentável e democracia participativa (LEFF, 2010: 8).

De acordo com Leff (2011), a formação de um saber ambiental pressupõe a integração interdisciplinar do conhecimento, que fuja do predomínio da racionalidade moderna. Logo, os sistemas sociais enrijecidos em suas operacionalidades precisam se desamarrar da ordem vigente, ou, aos moldes luhmannianos, estabelecer uma multiplicidade de acoplamentos estruturais para redução da complexidade ambiental. Por outro lado, esse saber ambiental não está dado. Ou seja, não é um fim em si mesmo, mas uma direção para caminharmos, sempre no horizonte, tal qual uma utopia.

Em vista disso a solução da crise não passa por racionalidades. Aprender a complexidade ambiental requer “uma nova compreensão do mundo que incorpora os conhecimentos e saberes arraigados em cosmologias, mitologias, ideologias, teorias e saberes práticos que estão nos alicerces da civilização moderna” (LEFF, 2010: 23). Nesse sentido, a ideia de mundo como “totalidade” (LOVELOCK, 1991; LUHMANN, 1995) se vincula nessa proposta em “diferentes níveis de materialidade que constituem o ambiente como sistema complexo, e a articulação do conhecimento dessas ordens diferenciadas do conhecimento do real, para dar conta desses processos” (LEFF, 2010: 27).

Nas palavras de Leff (2010: 40), “a crise ecológica tem sido acompanhada pela emergência do pensamento da complexidade, a teoria dos sistemas, a teoria do caos e as estruturas dissipativas”. Em contrapartida, o sociólogo ambientalista faz uma substancial crítica à ideia de totalidade presente nos moldes funcionalistas históricos, como observamos anteriormente em autores como Parsons e Bertalanffy. A defesa presente nessa perspectiva seria pensar a conceitualização do ambiente a partir de uma estrutura sócio-ecológica holística para internalizar “as bases ecológicas da sustentabilidade e as condições sociais de equidade e democracia” (LEFF, 2010: 31).

A questão ambiental é uma problemática de caráter eminentemente social: esta foi gerada e está atravessada por um conjunto de processos sociais. Entretanto, as ciências sociais não transformaram seus conceitos, métodos e paradigmas teóricos para abordar as relações entre estes processos sociais e as mudanças ambientais emergentes. [...] O saber ambiental orienta-se numa perspectiva construtivista para fundamentar, analisar e promover os processos de transição que permitem viabilizar uma nova racionalidade social, que incorpore as condições ecológicas e sociais de um desenvolvimento equitativo, sustentável e duradouro (LEFF, 2010: 111-112). O dogmatismo enclausurado dos últimos séculos é renunciado pela epistemologia ambiental (LEFF, 2010: 11) por ir além com sua interdisciplinaridade ao trazer à baila um amálgama de saberes, além de promover o diálogo entre abstrações conceituais e conhecimentos populares marginalizados em sociedade. No entanto, Leff (2011: 149) faz uma ressalta ao afirmar

que, no momento, ele se encontra em processual formação na sociedade, assim como a midiatização, o que significa que não se limita às “teorias ecologistas” contemporâneas, aos “enfoques energetistas” ou “métodos holísticos no estudo dos processos sociais”.

Na atual conjuntura de debate global, o conhecimento se apresenta ainda como elemento de distinção e desenvolvimento das nações. O cenário sócio-técnico-discursivo proporcionado pela midiatização, como defende Fausto Neto (2010), aparece como um aliado na propagação dessas informações ao descentralizar pautas que antes só eram delegadas aos seletos grupos de especialistas, caso precedente da sociedade dos meios. Nesse sentido, se faz necessária a busca específica de um saber ambiental contra valores restritamente econômicos, que articule saberes tradicionais com conhecimentos modernos, argumenta Leff (2011).

Dessa forma, o saber ambiental se traduz no entrecruzamento de tempos, “dos tempos cósmicos, físicos e biológicos” (LEFF, 2010: 211), além da trama de matrizes interpretativas presentes em concepções e teorias sobre o mundo através da história. Afinal, não é a substituição do paradigma da racionalidade por outro semelhante, mas o reconhecimento dos múltiplos conhecimentos, das diversas identidades e das distintas formas sociais e histórias de se relacionar com a natureza. A construção desse tecido discursivo ambiental pressupõe, portanto, a compreensão da inter-relação entre sujeitos através de uma perspectiva global, inserida em uma multiplicidade de territórios.