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2. Por que conduzir a investigação a partir de um recorte etnicorracial, classista e geracional?

2.3 Ser jovem, pobre e negro faz a diferença

De acordo com o último censo demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no ano de 2010, 26,9%15 da população brasileira estava na faixa etária juvenil, aquela compreendida entre 15 e 29 anos. E do total de jovens brasileiros, 53,5% se declarava, em 2010, pretos ou pardos, compondo assim a categoria etnicorracial dos negros e negras. No que se refere ao município de Natal, onde esta pesquisa foi realizada, 28,81% da população é composta por jovens com idade dentre 15 e 29 anos, sendo 54% pretos ou pardos. E no que diz respeito ao lócus desta investigação, o bairro de Mãe Luíza, a população jovem representa 29,72% do total de habitantes e 67,19% são pretos ou pardos.

No que concerne à maior expressão da violência física, de acordo com o Mapa da Violência (2014), no ano de 2012 foram registrados 56.337 homicídios no território brasileiro, sendo 41.127 vítimas pretas ou pardas (73% do total). Observando os índices que se referem à juventude, foram registrados 30.072 homicídios na população com faixa etária de 15 a 29 anos, sendo 23.160 vítimas negras, o que representa 77% do total dos homicídios entre jovens. Em síntese, do total de homicídios ocorridos no Brasil durante o ano de 2012, 53,4% das vítimas eram jovens, 73% negros 41,1% jovens e negros.

A Tabela 01, disponibilizada no Mapa da Violência (2014) apresenta o quantitativo de homícidios na população jovem brasileira, segundo a cor da vítima, no período que compreende os anos de 2002 e 2012. Através dos dados, é possível inferir que, durante o período de dez anos, a vitimização de jovens negros aumenta enquanto a de jovens brancos diminui, totalizando em 2012 o número de 2,7 jovens negros assinados para cada 1 jovem branco.

Tabela 01 – Homicídios, taxas (por 100 mil) e vitimização segundo raça/cor. População

jovem. Brasil. 2002/2012.

Fonte: SIM/SVS/MS. Produção: Waiselfisz (2014, p. 133) *soma das categorias preta e

parda.

No que diz respeito aos dados locais, ou seja, sobre o município de Natal, vale informar que esta foi a capital que registrou o maior crescimento nas taxas de homicídio entre 2002 e 2012, tanto no que se refere à população geral quanto à população de jovens. No que concerne especificamente ao homicídio de jovens, entre 2002 e 2012 houve um aumento de 354,1%, tendo sido registrados 61 homicídios durante o ano de 2002, e 277 em 2012. Destes, registrados em 2012, 87,72% tiveram como vítimas jovens pretos ou pardos (Waiselfisz, 2014), o que indica um processo de produção da morte endereçado ao grupo etnicorracial negro. Ainda assim, há outras expressões da assimetria classista, geracional e racial no Brasil, como aquela observada no sistema penitenciário.

De forma a apresentar um breve diagnóstico acerca do perfil dos apenados, destaca-se que aproximadamente 56% da população carcerária brasileira seja composta por jovens; 67%

são pessoas negras; cerca de 80% estudaram, no máximo, até o ensino fundamental; e embora não haja dados quantitativos acerca da renda dos apenados antes do cárcere, é notório que parcela expressiva é oriunda dos setores mais pauperizados da classe trabalhadora (Brasil, 2014).

Os dados supracitados evidenciam que há uma sobrerrepresentação de pessoas negras e jovens nas estatísticas sobre violência física letal e no sistema carcerário. Conforme exposto nas seções anteriores, esta assimetria geracional e racial não ocorre fortuitamente, tampouco se expressa apenas nestas duas esferas. Veremos, a seguir, outros dados quantitativos secundários que expressam o cenário social dos jovens negros e pobres.

Utilizando como referência o 9º Anuário de Segurança Pública, obtemos a informação, certamente subnotificada16 de que, no ano de 2014, houve 3.009 mortes decorrentes de intervenção policial. Entretanto, o cenário nacional não será nosso ponto de partida. Diferentemente da exposição acerca do sistema penitenciário, em que utilizamos dados nacionais, utilizaremos em nossa exposição sobre os homicídios cometidos pela polícia o exemplo do estado do Rio de Janeiro. Dois motivos justificam tal escolha: as estatísticas do estado sobre letalidade violenta são disponibilizadas – inclusive no que se refere a cor e idade das vítimas, categorias que não são contempladas no 9º Anuário – através do Instituto de Segurança Pública do RJ, além de que o Rio de Janeiro, berço das Unidades de Polícia Pacificadora, é o laboratório brasileiro da militarização dos territórios subalternos do espaço urbano e representa o segundo estado com maior índice de mortes decorrentes de intervenção policial, atrás apenas de São Paulo.

16 Tal subnotificação é enfatizada no próprio documento, tendo em vista que alguns estados não apresentaram

De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP/RJ), 584 pessoas foram vítimas de homicídio decorrente de ação policial no ano de 2014. Destes, 73,4% eram pretos ou pardos17 – 9,8% não tiveram a cor informada –, enquanto que 48,1% tinham idade entre 12 e 29 anos e 40,4% não tiveram a idade informada. Já no que se refere ao ano de 2015, o número é ainda mais expressivo: foram 645 mortes decorrentes de ações da polícia. Do total de 91,9% das vítimas que tiveram a cor informada, 77% eram pardos ou pretos, e dos 61,4% que tiveram a idade identificada, 51,2% tinham idade entre 12 e 29 anos.

Os dados quantitativos supracitados já bastariam para evidenciar que, no Brasil, ser jovem e negro faz a diferença quando estamos tratando de potenciais pessoas privadas de liberdade ou vítimas de homicídio, decorrente de intervenção policial ou não. Mas há algo que os dados quantitativos não revelam: por que a maioria dos sujeitos assassinados são jovens, e por que também são negros? Por que a maioria da população carcerária é composta por jovens e negros? Por que a maioria substancial das vítimas de homicídio decorrente de intervenção policial no Rio de Janeiro são negras? Por mais que não seja possível responder tais perguntas neste estudo, a busca por essas respostas nos leva a refletir sobre a estrutura na qual está inserida o jovem negro.

Ou seja, os homicídios e o encarceramento que provocam o extermínio da juventude negra são o resultado visível de um processo marcado por diversos fatores que nem sempre são percebidos ou levados em consideração, entre eles: a formação de um Estado com raízes escravocratas, a negação de direitos básicos em um território onde a cidadania não foi universalizada18, a abissal desigualdade socioeconômica, a negação do acesso a determinados bens de consumo, a discriminação racial, entre outros. Em outros termos, o extermínio da

17 De acordo com o censo do IBGE de 2010, 51,7% da população do estado do Rio de Janeiro é preta ou parda. 18 Cf. Souza (2003).

juventude negra não é um processo linear em que o jovem negro e pobre nasce e morre. O ser nasce, e no processo de humanizar-se, encontra um universo onde está dado uma série de obstáculos que o são impostos em decorrência de sua cor e posição de classe.

No artigo “A juventude negra”, Santos, Santos e Borges (2005, p. 291) defendem a ideia de que “relações sóciorraciais é um pressuposto analítico para significar o cotidiano da juventude negra na sociedade brasileira, que é marcada por grande desigualdade social combinada com a discriminação racial”. Deste modo, as autoras contribuem com a noção de que a condição socioeconômica deve ser levada em consideração no estudo da juventude negra. Afinal, as consequências da discriminação racial tornam-se ainda mais acentuadas quando associadas aos efeitos promovidos pelas limitações socioeconômicas. E alertam que:

A composição social do Brasil tem a base bastante larga e o ápice estreito. Há, porém, uma característica ainda mais marcante: as camadas sociais vão embranquecendo na medida em que sobem na pirâmide social, logo se identifica a pobreza e quando se fala em pobreza no Brasil está-se falando principalmente da população negra e da discriminação racial. (p. 292).

A fim de reforçar a ideia supracitada, o Gráfico 01, construído a partir dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE), do ano de 2012, apresenta a remuneração média dos jovens brasileiros, de acordo com a cor da pele.

Gráfico 01 – Remuneração total da população brasileira entre 16 e 29 anos de idade, por cor,

2012.

Fonte: Microdados da PNAD (IBGE, 2012).

A desigualdade de remuneração entre negros e brancos é notória, e indica uma das várias expressões da desigualdade social, aquela que diz respeito à apropriação da renda. No que diz respeito ao acesso à educação e ocupação, a Tabela 02 indica também outra expressão da assimetria racial, sobretudo no que se refere ao grupo da população jovem.

1130 135 521 962 1477 157 623 1217 850 122 453 774

16 ou mais 16 a 17 anos 18 a 24 anos 25 a 29 anos

Tabela 02 – População com idade entre 16 e 29 anos que não estuda ou trabalha, agrupada por

cor, 2012. (Em %)

Fonte: Microdados da PNAD (IBGE, 2012).

Ora, de acordo com a Tabela 02, a proporção de jovens que não estudam ou trabalham é, em todas as faixas etárias, maior entre a população negra do que em relação ao grupo de jovens brancos, o que sustenta a tese do caráter desigual das experimentações juvenis, sobretudo no que diz respeito à inserção e permanência dos jovens, seja na educação formal ou no mercado formal de trabalho.

Por fim, destaca-se que as informações estatísticas expostas ao longo desta seção não esgotam as múltiplas expressões da desigualdade que sustentam a assertiva de que “ser jovem, pobre e negro faz a diferença”, contudo, cumprem a função pretendida de expor algumas das dimensões deste processo multifacetado de produção e reprodução da desigualdade social e, com isso, justificar a opção por conduzir esta investigação a partir da experiência da juventude negra e moradora da periferia.

Cor De 16 a 17 anos De 18 a 24 anos De 25 a 29 anos

Branco 18,5 39,0 35,7