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2. O SILOGISMO JURÍDICO NA APLICAÇÃO DO DIREITO: PERCURSOS PELA

3.2 O Juízo em Kant

3.2.2 Juízos Determinantes e Juízos Reflexivos

A faculdade do juízo é definida por Kant, em geral, como “a faculdade de pensar o particular como contido no universal” (KU, XXVI [2008, p.11]). Caso a regra, o princípio, a lei esteja dado, “a faculdade do juízo, que nele subsume o particular, é determinante. [...] Porém se só o particular for dado, para o qual ela deve encontrar o universal, então a faculdade do juízo é simplesmente reflexiva” (KU, XXVI [2008, p.11]). Assim, enquanto o juízo determinante aplica uma regra já dada ao caso em particular, o juízo reflexivo, parte do caso em si para buscar a regra. Kant observa que:

A faculdade do juízo reflexiva, que tem a obrigação de elevar-se do particular na natureza ao universal, necessita por isso de um princípio que ela não pode

97 O sensus communis é um sentido comunitário, uma faculdade do julgamento que em sua reflexão

considera em pensamento (a priori) o modo de representação dos outros seres humanos. Enquanto “faculdade do ajuizamento, [ele] é elucidado pela máxima de ‘pensar no lugar de qualquer outro’” A essa máxima corresponde uma maneira de pensar “alargado” e uma atividade de pensamento que se relaciona com a “sociabilidade”.

retirar da experiência, porque este precisamente deve fundamentar a unidade de todos os princípios empíricos sob princípios igualmente empíricos, mas superiores e por isso fundamentar a possibilidade de subordinação sistemática dos mesmos entre si (KU, XXVI [2008, p.11]).

O juízo determinante, mais do que uma simples subsunção, também exige um acordo das faculdades. Acerca disso, Terra (1994, p.113) elucida que, ao aplicar a regra, o juízo determinante também “reflexiona”, caso contrário seria necessária uma regra para a aplicação da regra ao caso, o que prolongaria essa exigência ao infinito. Todavia, esse aspecto reflexionante não é explicito nos resultados, porque “a faculdade de julgar é levada a determinar tendo os conceitos do entendimento ou os princípios práticos da razão” (TERRA, 1994, p.113).

É importante notar que os juízos determinantes estão presentes tanto na faculdade do conhecimento, em que a imaginação está subordinada ao entendimento no caso dos esquematismos, quanto na faculdade da apetição, em que o entendimento é determinado pela lei da razão . Por sua vez, o “juízo reflexionante leva à reflexão as suas últimas consequências, pois não é guiado por regras prévias” (TERRA, 1994, p.119). O juízo reflexivo exprime um livre acordo entre as faculdades, sendo que “o juízo reflexivo será tanto mais puro quanto não houver conceito algum para a coisa que ele reflete livremente ou quanto o conceito for (de uma certa maneira) alargado, ilimitado, indeterminado” (TERRA, 1994, p.119).

Na Terceira Critica, Kant demonstra que “ao lado do conhecimento da legalidade da natureza pelos juízos determinantes coma legislação do entendimento, e da moral com a legislação da razão” (TERRA, 1994, p.124) , tanto o gosto quanto a teleologia da natureza, serão objetos do juízo reflexionante – no primeiro caso, juízo reflexionante estético e no segundo juízo reflexionante teleológico. A primeira parte da KU, intitulada Crítica da Faculdade do Juízo Estética, será dedicada a “faculdade do gosto enquanto faculdade do juízo estético” (KU,IX [2008, p.IX]), sedo que o principal intuito de Kant, não é fundamentar a estética enquanto disciplina filosófica, mas sim investigar as condições de possibilidade do juízo estético (KU,IX [2008, p.IX]).

Kant trata desta “nova faculdade, que é a faculdade de julgar reflexiva e que se exerce a partir do particular de maneira quase indutiva e contudo a priori” (ROHDEN, 1995, p. 41) nos seguintes termos:

A faculdade do juízo em geral é a faculdade de pensar o particular como contido sob o universal. No caso de este (a regra, o princípio, a lei) ser dado, a faculdade do juízo, que nele subsume o particular, é determinante (o mesmo acontece se ela, enquanto faculdade transcendental, indica a priori as

condições de acordo com as quais apenas naquele universal é possível subsumir). Porém, se só o particular for dado, para o qual ela deve encontrar o universal, então a faculdade do juízo é simplesmente reflexiva. (KU, XXVI [2008, p. 23]).

Conforme sintetiza Schio (2008, p.121), o juízo reflexivo “extrai o princípio de si mesmo”. Conforme explica Arendt (2000, p.376-377), ao elucidar o pensamento kantiano, a imaginação capta a forma do objeto, que, quando unida a uma representação, desperta o sentimento de prazer.

Nesse caso, tem-se a atividade de julgar reflexiva, em que o objeto (empírico, sensível) será o fundamento de determinação do juízo. Segundo Schio (2008, p.121, nota 254):

A legalidade da faculdade de julgar reflexiva ocorre a partir da unidade da imaginação com o entendimento do sujeito. A apresentação (Dartellung) coloca ao ado do conceito uma intuição, a qual, com a imaginação (por exemplo, na arte) vai adaptar a forma da coisa à finalidade da natureza, mas sem conceitos, pois é um princípio da faculdade do juízo, e serve para organizar a multiplicidade (sendo, por isso, análoga ao conhecimento). A beleza é então a representação (Vorstellung) do conceito de conformidade a fins formal e, portanto subjetivo, gerando o sentimento de beleza, sendo chamado de juízo estético por proporcionar prazer.

Dessa forma, o juízo reflexivo, por não ser guiado por quaisquer regras prévias, cumpre com o termo “reflexão” em sua última instância. É, nesse aspecto, oposto ao rigorismo do juízo determinante, exercido a partir de uma dedução, em que é necessário uma “premissa maior” (universal) para ser adequada ao caso particular.

Por sua vez, a "perda da tradição" implica na perda dessa “premissa maior” a partir da qual as atitudes individuais serão subsumidas. Em relação ao direito, percebe- se que este

se subordina, com muita dificuldade, ao silogismo de um juízo determinante, pois a subsunção dos fatos à lei é problemática. Com efeito, existe um espaço e um tempo, que não são os do juízo determinante, entre a descrição dos fatos que são relevantes para o Direito, pois trata-se de, num dado momento e situação, subsumir fatos as normas que são mais ou menos precisas. (LAFER, 1988, p.282)

O juízo determinante é utilizado de maneira corrente na aplicação das Leis, por exemplo. Todavia, as dificuldades surgem quando não há uma premissa maior clara e coerente (uma lei geral, como a Constituição, nesse caso). Percebe-se, então, que a perda da tradição e do senso comum (o que no direito reverbera na insuficiência de uma lógica de razoabilidade e do princípio da segurança jurídica), possui como consequência a dificuldade de, diante de determinada situação, proceder a uma escolha.