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2. O SILOGISMO JURÍDICO NA APLICAÇÃO DO DIREITO: PERCURSOS PELA

2.4 Percurso: Direito e Lógica no Positivismo Jurídico de Kelsen

2.4.2 A Lógica Jurídica

A relação entre a lógica e o Direito, a partir dos estudos da lógica formal, foi abordada de maneira pioneira por Ulrich Klug, um dos seguidores de Kelsen na Alemanha64, destacando-se a sua obra Lógica jurídica (1951). Para Klug, as normas devem ser concebidas como estruturas linguísticas, sendo que a lógica tem aplicação imediata a qualquer estrutura de linguagem. Dessarte, conclui ele que a “lógica naturalmente é da maior importância para a Ciência do Direito”, até porque se esta não desempenhasse algum papel no Direito “poder-se-ia, de certo modo, sem que se fosse molestado, fazer afirmações contraditórias entre si – para mencionar apenas a título de exemplo um dos princípios da lógica (o princípio da não-contradição)” (KLUG, 1998, p. 3).

Nesse sentido, Klug aborda os princípios básicos da lógica formal utilizados nos diversos processos que envolvem o direito – desde a produção e o estabelecimentos das normas (fase legislativa) até a da aplicação delas na solução dos casos, além do conhecimento do Direito (dogmática jurídica). Ele enfatiza que não se trata, todavia, de um ramo da lógica com leis próprias, diferentes das leis formais (KLUG, 1988, p. 2): trata-se, apenas, da utilização de parte das leis da lógica formal para a especificidade do direito. Dessa forma, na definição proposta pelo autor conta que

[...] a lógica jurídica é a teoria das regras lógico-formais que chegam a empregar-se na aplicação do direito. Somente por razões de clareza se menciona nesta definição o caráter formal. Estritamente poderia ser eliminado, de acordo com o que foi explicado anteriormente sobre o conceito de lógica formal. No sentido em que aqui se entende, a lógica jurídica é, em consequência, dentro da teoria lógica geral, a parte especial que se caracteriza pelo fato de ser empregada na aplicação do direito. Se a lógica geral é denominada lógica pura ou teórica, pode então falar-se de lógica jurídica

62 Parece que essa afirmação de Kelsen confirma essa evidência: “Se a afirmação de alguém de que algo é

bom ou mau constitui apenas a imediata expressão do seu desejo desse algo (ou do seu contrário), essa afirmação não é um 'juízo' de valor, visto não corresponder a uma função do conhecimento mas a uma função dos componentes emocionais da consciência. Quando aquela manifestação se dirige à conduta alheia, como expressão de uma aprovação ou desaprovação emocional, pode traduzir-se por exclamações como ‘bravo!’ ou ‘pfiu!’” (KELSEN, 2000, p. 14).

63 Considerando que a análise detalhada da obra kelseniana não é o objetivo desta investigação, resta a

indicação da temática, podendo esta ser investigada a partir da relativização da noção de que a influência kantiana na Filosofia do Direito de Kelsen restringe-se à teoria do conhecimento.

64 Acerca disso, Klug publicou um livro em que reúne suas correspondências com Kelsen. Ver KLUG,

como um caso de 'lógica prática'65 (KLUG, 1998, p. 9. Tradução nossa.)

Seguindo nessa definição, Klug afirma que “a lógica jurídica é a teoria das regras da lógica formal que se devem empregar no âmbito de aplicação do direito”. Sendo que, por aplicação, ele entende “o emprego de determinadas disposição de lei (inclusive de regras consuetudinárias reconhecidas), cuja competência se pressupõem aos fatos que se apresentam”. Em outros termos, tem-se novamente o processo de subsunção, pelo qual “derivar das diretivas gerais que estão contidas nas determinações legais – inclusive do direito consuetudinário reconhecido, os critérios gerais utilizados num caso particular específico.”

Dessa forma, o silogismo jurídico, que seria a forma básica do raciocínio jurídico, poderia ser resumido como “a de dedução de uma sentença do dever ser válida para um caso particular da realidade, a partir dos juízos do dever ser geral do direito estabelecido” (1998, p. 49). Porém, segundo ele, também existem os “argumentos especiais da logica jurídica”66, que não fazem parte da lógica jurídica, posto que são “os

princípios para a interpretação, e não problemas da lógica jurídica” (1988, p. 97). Pela breve incursão pelo pensamento de Klug, pode-se perceber que as relações entre a Lógica e o Direito não podem ser desprovidas e isoladas de outros elementos67.

Dessa forma, se, por um lado, a ligação entre Lógica e Direito é inevitável (pela utilização do silogismo jurídico), ela não é suficiente para a aplicação do Direito. É também nessa perspectiva, qual seja, a de investigar a aplicação do silogismo e de seus limites no Direito, que as obras dos contemporâneos Hart e Neil MacCkormick são

65 Versão espanhola: “[...] la lógica jurídica es la teoria de las reglas lógica-formales que lleban a

emplearse en la aplicación del derecho. Solo por razones de claridad se menciona en esta definición el caráter formal. Estrictamente podría se eliminado, de acuerdo con lo que se explicó anteriormente sobre el concepto de la lógica formal. En el sentido en que aquí se la entiende, la lógica jurídica es, en consecuencia, dentro de la teoría lógica general, la parte especial que se caracteriza por el hecho de ser empleada en la aplicación del derecho. Si a la general se la denomina lógica ‘pura o teórica’, puede entonces hablase de la lógica jurídica como un caso de la ‘lógica práctica’” (KLUG, 1998, p. 9)

66 Tratam-se dos argumentos por analogia (argumentum a simile); dos argumentos a contrário, da sua

relação mútua; dos argumentos a fortiori (argumentum a maiore ad minus, argumentum a minore ad

maius); argumentum ad absurdum e os argumentos interpretativos, analisados por Klug no Capítulo III da Lógica jurídica (1988).

67 Atienza (2006, p. 35) apresenta um paralelo entre Klug e o lógico polonês Georges Kalinowski (1916-

2000) que em sua obra “Introdução a Lógica Jurídica” (1965) agrupa os raciocínios jurídicos em duas grandes classificações. Inicialmente, ele distingue os raciocínios lógicos, dos de persuasão e dos propriamente jurídicos (baseados em suposições e figurais legais). De outra forma, os raciocínios jurídicos também são classificados como normativos ou não normativos. Os primeiros, que tratam do silogismo, ocorrem na elaboração, na interpretação e na aplicação da lei. Todavia, no momento da interpretação da lei utilizam-se argumentos puramente jurídicos (chamados de “extralógicos”), paralógicos (baseados em técnicas de retórica) e também argumentos lógicos – que, entretanto, no momento da aplicação estão sujeitos não somente aos preceitos da lógica, mas também às normas do direito (ATIENZA, 2006, p. 35-36). Para mais detalhes, ver KALINOWSKI, 1973.

apresentadas.