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2 MARCO TEÓRICO

2.1 O PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO

2.1.1 Julgamento e Tomada de Decisão

De acordo com Edwards (1954), a tomada de decisão é um tema amplo que tem estado na agenda de pesquisas desde meados do século dezoito. Durante esse tempo, a tomada de decisão foi investigada usando-se uma série de abordagens que produziram numerosos modelos e uma riqueza de pesquisas sobre o assunto (CAIRD-DALEY; HARRIS, 2007).

A evolução dos estudos acerca da tomada de decisão segue as mudanças na percepção sobre racionalidade humana ao longo do tempo. Os primeiros estudos consideravam a tomada de decisão como um processo totalmente racional. O modelo mais usado era o da teoria da utilidade, que enfatiza a tomada de decisão

com base em resultados esperados de cada decisão, no qual o tomador de decisão tenta maximizar a utilidade enquanto está usando o mínimo esforço (KARIMI, 2013). Na concepção de Orasanu e Connolly (1993), as abordagens tradicionais de pesquisas sobre decisão evoluíram para servir a funções específicas, e suas contribuições não devem ser ignoradas. Segundo os autores, abordagens analíticas, derivadas da teoria econômica, têm sido utilizadas para estudar tarefas para as quais os pesquisadores podem determinar uma escolha ideal (EINHORN; HOGARTH, 1981; KEENEY; RAIFFA, 1976; SLOVIC; FISCHHOTT; LICHENSTEIN, 1977). A teoria econômica assume que o tomador de decisão visa otimizar o resultado da escolha, na qual são conhecidas as opções, os critérios e valores. Essa teoria não descreve como as pessoas realmente tomam decisões, mas fornece métodos formais para alcançar as melhores soluções.

Nesse sentido, as pesquisas sobre a tomada de decisão clássica centram-se no evento da decisão, ou seja, a escolha a partir de um conjunto fixo de alternativas conhecidas com base em objetivos determinados, propósitos e valores, conforme Orasanu e Connolly (1993). Para esses autores, a teoria formal clássica é chamada de teoria da decisão, pela qual se entende um conjunto de modelos axiomáticos de incerteza e risco (teoria da probabilidade, incluindo a teoria Bayesiana) e a utilidade (teoria da utilidade, incluindo a teoria da utilidade multiatributo), que prescrevem a melhor escolha de uma opção entre uma variedade de opções, na qual a ideal é definida pelos modelos de referência e a escolha é ditada por uma regra explícita, geralmente uma variante da maximização da utilidade esperada.

Desde a publicação da Teoria dos Jogos, de von Neumann e Morgenstern (1947), seguida por Edwards (1954), a introdução da Teoria Clássica da Decisão à psicologia, tornou-se comum atribuir um papel prescritivo à Teoria Clássica da Decisão (BEACH; LIPSHITZ, 1993). Por prescritivo entende-se a maneira com que o homem econômico tomaria decisões, assumindo-se como sendo a maneira excepcionalmente adequada, a única forma “racional”. De fato, a otimização das decisões dos seres humanos geralmente é julgada considerando-se se as decisões realizadas estão em conformidade com as prescrições da teoria. A suposição de que a Teoria Clássica da Decisão é prescritiva tem motivado quase 40 anos de pesquisa empírica comportamental, e cada estudo que avaliou a qualidade da tomada de decisão humana usou as prescrições da teoria clássica como o padrão de comparação reafirmando seus pressupostos (BEACH; LIPSHITZ, 1993).

No entanto, os pressupostos da Teoria Clássica da Decisão têm sido amplamente criticados por pesquisadores. Nesse contexto, desde sua introdução, a Teoria da Racionalidade Limitada de Simon tem se tornado a base do comportamento de escolha. De acordo com March (1978), essa teoria desafiou a visão anteriormente dominante dos economistas, considerando as limitações de capacidades computacionais, disponibilidade de informações, organização e utilização dessas informações na memória dos tomadores de decisão. A racionalidade limitada supõe que os tomadores de decisão desenvolvem procedimentos sensatos para fazer uma escolha, tendo uma série de limitações. Considerando-se a complexidade das circunstâncias, de limitação de tempo, e poder computacional mentais inadequados, a racionalidade da decisão é reduzida a um estado de racionalidade limitada (BUCHANAN; O’CONNELL, 2006).

Na verdade, para Simon (1955), as exigências do processamento de informações na tomada de decisão racional excedem as capacidades cognitivas humanas, sendo necessário o uso de heurísticas para reduzir a carga cognitiva e acelerar a tomada de decisão e, como resultado, os tomadores de decisão buscam decisões satisfatórias em vez de decisões ótimas.

Nesse sentido, de acordo com Caird-Daley e Harris (2007), uma implicação da racionalidade limitada é que os tomadores de decisão são satisficers em vez de maximizadores, como sugere o modelo de Tomada de Decisão Racional. Isso significa que os critérios de decisão e as alternativas são desenvolvidos dentro dos limites de um modelo simplificado. Essas alternativas são revisadas à luz de experiências anteriores e conhecimentos atuais. Satisficers não realizam uma revisão completa das alternativas, mas se envolvem no processo decisório até que uma alternativa boa o suficiente é identificada. A desvantagem dessa abordagem, no entanto, é que a melhor opção pode nunca chegar à fase de avaliação (CAIRD- DALEY; HARRIS, 2007).

Seguindo os conceitos da racionalidade limitada, outras teorias têm enfatizado diferentes aspectos da tomada de decisão. Por exemplo, a racionalidade limitada enfatiza o fato de que os indivíduos simplificam um problema de decisão devido à dificuldade de processar todas as informações e avaliar todas as alternativas possíveis; a racionalidade contextual enfatiza a relação do comportamento de escolha em uma situação particular com as características

sociais e cognitivas dos indivíduos; a racionalidade do processo enfatiza o impacto que um processo de decisão tem sobre a decisão em conjunto com o impacto do resultado em si. Todos esses tipos de racionalidade contribuem para a compreensão da tomada de decisão e suas variações em diferentes situações (MARCH, 1978).

Diante dessas considerações, o que se tem observado é que os pesquisadores estão tendo uma abordagem de processamento de informações para o estudo das decisões, ao contrário da Teoria da Escolha Racional. A abordagem de processamento de informação é baseada na racionalidade limitada (SIMON, 1955). Essa abordagem reconhece as limitações dos tomadores de decisão sobre a sua capacidade de processamento de informações e sugere que o comportamento é moldado através da interação do processamento de informação humana e do contexto da tarefa (SIMON, 1990).

Nesse sentido, para Orasanu e Connolly (1993), os indivíduos, a fim de compensarem suas limitações de processamento de informações, usam atalhos psicológicos diante da probabilidade de decisões em situações altamente incertas. Segundo Kahneman e Tversky (1974), as pessoas são incapazes de analisar situações complexas de maneira correta quando as consequências futuras são incertas, então, utilizam diversas estratégias simplificadoras ou regras práticas para tomar decisões. Essas estratégias simplificadoras são chamadas de heurísticas ou atalhos. Para esses mesmos autores, frequentemente os indivíduos usam atalhos mentais e vieses que limitam e, às vezes, distorcem sua capacidade para tomar decisões racionais.

Ainda, segundo Sternberg (2010), outra abordagem relevante discutida no campo de tomada de decisão foi a proposta por Tversky (1972), que consiste na eliminação por aspectos. Nessa abordagem, o decisor, frente a um número considerável de alternativas, não tenta manipular mentalmente todos os atributos ponderados em todas as opções disponíveis. Usa, preferencialmente, um processo de eliminação por aspectos, que consiste em focalizar um atributo das várias opções, formando um critério mínimo para esse aspecto. Elimina, em seguida, todas as opções que não atendem a esse critério. A seguir, seleciona, para as opções remanescentes, um segundo aspecto para o qual é fixado um critério mínimo para a eliminação de opções adicionais. Continua o processo sequencial de eliminação de opções até que reste uma única opção (TVERSKY, 1972).

Sumarizando alguns aspectos sobre as abordagens precedentes da Teoria Clássica da Decisão, segundo Caird-Daley e Harris (2007), essas abordagens são criticadas por serem altamente dependentes de experiências em laboratório, projetadas para alcançar uma solução ótima. Argumenta-se que a abordagem prescreve como os tomadores de decisão devem se comportar se agissem racionalmente e fossem completamente informados, como afirmam Caird-Daley e Harris (2007). Nesse aspecto, de acordo com esses autores, é evidente que a abordagem clássica assume que os problemas são bem definidos, a informação é estruturada em um formato claro e acessível, o tempo é adequado e os tomadores de decisão têm informações completas sobre antecedentes, objetivos, alternativas, cursos de ação e gama de possíveis consequências.

Diante desse contexto, um novo posicionamento é assumido por parte dos pesquisadores, que, preocupados com a tomada de decisão em cenários realistas, ambientes dinâmicos e complexos, têm defendido um novo paradigma para a tomada de decisão – a tomada de decisão naturalista. Segundo Cohen (1993), o ponto de vista naturalista envolve mais do que simplesmente a procura dos mesmos preconceitos e heurísticas em cenários realistas. A partir da perspectiva naturalista, uma aceitação incondicional da relevância de padrões normativos clássicos é insustentável, porque os tomadores de decisão em um cenário real parecem usar qualitativamente diferentes tipos de processos cognitivos e representações.

A tomada de decisão naturalista, Naturalistic Decision Making (NDM), é o mais recente paradigma de tomada de decisão, que iniciou em 1989 em uma conferência patrocinada pelo Instituo de Pesquisadores do Exército, os quais se afastaram do paradigma clássico da decisão e foram estudar os processos cognitivos que fundamentam a forma como as pessoas usam a sua experiência para tomar decisões em dinâmicas (CAIRD-DALEY; HARRIS, 2007). No entender de Orasanu e Connolly (1993), a perspectiva teórica da tomada de decisão naturalista é o mundo real, onde muitas decisões são tomadas em um ambiente complexo e dinâmico, com informações insuficientes e/ou ambíguas e objetivos mal definidos ou conflitantes. Para esses autores, oito fatores importantes caracterizam a tomada de decisão naturalista, que, frequentemente, são ignorados na pesquisa de tomada de decisão. Esses fatores englobam problemas mal estruturados, incerteza em

ambientes dinâmicos, pressão do tempo, objetivos e normas organizacionais, objetivos concorrentes, múltiplos decisores.

No entender de Klein (2008), o movimento NDM mudou a concepção de tomada de decisão humana, a partir de uma abordagem geral independente de domínio para uma abordagem baseada no conhecimento exemplificado pelos tomadores de decisão que tinham experiência substancial. O processo de tomada de decisão foi expandido para incluir uma fase anterior de percepção e reconhecimento de situações, bem como a geração de respostas adequadas, não apenas escolha entre opções dadas. Essa perspectiva se valeu dos avanços da psicologia cognitiva, como a representação do conhecimento, conceitos de scripts, esquemas e modelos mentais para contrastar o comportamento especialista versus o novato.

Para fornecer uma descrição mais completa da visão NDM de tomada de decisão, Klein (2008) propôs o modelo de decisão por reconhecimento Recognition- Primed Decision (RPD). O modelo descreve como as pessoas usam a sua experiência na forma de um repertório de padrões que descrevem os fatores causais principais que operam em uma determinada situação. Os padrões destacam as sugestões mais relevantes, fornecem expectativas, identificam metas plausíveis e sugerem tipos característicos de reações para cada situação específica. Quando as pessoas precisam tomar uma decisão que pode rapidamente coincidir com a situação padrão que aprenderam, se encontrarem uma correspondência clara, poderão realizar um curso mais típico de ação. Dessa forma, as pessoas podem realizar com sucesso decisões extremamente rápidas.

Ainda, o modelo RPD explica como as pessoas podem tomar boas decisões sem comparar opções, ou seja, é uma mistura de intuição e análise. O padrão de correspondência é o lado intuitivo, e o padrão da simulação mental é a parte consciente, deliberada e analítica (KLEIN, 2008).

De acordo com Cohen (1993), o novo paradigma, portanto, quebra o encanto da teoria da probabilidade/decisão clássica. As pesquisas nesse campo de análise não estão presas à teoria de decisão clássica como um modelo explicativo (paradigma formal empirista) ou como um modelo racionalista (paradigma racionalista). O paradigma naturalista concorda com a abordagem racionalista e difere da abordagem formal empirista em sua ênfase explicativa sobre representações e processos cognitivos. Ainda, o ponto de vista naturalista não bane

totalmente a ideia de que erros ocorrem quando as pessoas tomam decisões ou mesmo a ideia de que esses erros são sistemáticos. Em muitos aspectos, a tomada de decisão em ambientes naturalistas é certamente mais difícil do que em tarefas em laboratório (por exemplo, opções, hipóteses, metas e incertezas podem não ser totalmente especificadas), e ainda há a necessidade de tanto avaliar como melhorar o desempenho.