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Essa situação apresenta uma cena quase involuntária, quando as crianças

Mariana e Bárbara brincam no pátio e a assistente Alice entra na roda para brincarem

juntas. Rapidamente Aline e Bruno se aproximam e entram na roda para participarem

também. (Diário de campo, 18/03/11).

Ou neste outro espaço de participação, quando a assistente Alice entrega

algumas revistas para as crianças recortarem figuras de brinquedos e as orienta quanto

ao uso da tesoura, pois algumas crianças não sabem lidar com o instrumento e recortam

com dificuldades. (Ídem).

Embora esses excertos demonstrem situações simples aos nossos olhos, elas

passam a ser complexas se tratarmos ao contrário. As crianças já estavam brincando de

roda quando a assistente se aproximou e brincou também. Pode-se perceber a

sensibilidade da assistente em aprofundar e proporcionar o envolvimento pessoal e

afetivo, estimulando as outras crianças a participarem também da roda, como também a

possibilidade de utilizarem a tesoura, instrumento que passa a identificar sua capacidade

de criação e de exploração, visto que no turno contrário elas não podem usar, somente a

professora.

Figura 23 - Crianças desenhando no piso FONTE: Eliana Maria Ferreira

Ou quando eles

ficam surpresos com a riqueza das manifestações expressivas,

chegam a espantar-se quando vêem as crianças que se

maravilham e descobrem coisas do cotidiano, tais como,

entreter-se com seus traçados na dinâmica tão rápida do

dia-a-dia, envolvendo-se com seus corpos que giram e criam

coreografias ao tocar de uma música ou mesmo nos sons

produzidos pelos talheres no momento das refeições. (GOBBI,

2010, p.2).

Espaços físicos que eram rapidamente ocupados por elas quando, por exemplo, a

professora trazia os colchonetes e os colocava em cima da mesa. Ali elas ficavam

brincando, debaixo da mesa numa cabana improvisada. (Diário de campo, 4/03/2011).

Mesmo com as condições insuficientes, as crianças, de modos diferentes, podem

revelar seu interesse.

Assim que a assistente terminou de contar a história ela distribuiu

alguns livros para as crianças, advertindo-os: ‘Oh, não pode rasgar!

Vamos olhar sem rasgar, viu? Se rasgar... ’. Alguns recusaram os livros

dados, e disseram querer outro e ela orienta as crianças a trocarem

entre si depois que vissem as figuras. As crianças folheiam os livros,

alguns mais rápidos, outros exploram mais; Eles vêm me perguntar

sobre as figuras dos animais nos livros. Marcos, por exemplo, me

mostra o lobo (livro dos Três Porquinhos) e folheia atentamente o

livro. Aproximo-me, e ele começa a contar a história: ‘Era uma vez, os

três porquinhos... ’ – ele conta as partes mais importantes da história:

‘Daí... daí ele comeu’. Mariana que ouve diz: ‘Agora eu’ – querendo

contar também, e começa: ‘Era uma vez... ’. Algumas crianças, ao

verem a figura do sapo, começam a cantar: ‘O sapo... o sapo... na beira

da lagoa...’ Ana Clara mostra o lobo e diz que tem medo (Diário de

campo, 28/03/11).

É interessante pontuar que “o ouvir histórias pode estimular o desenhar, a

musicar, o sair, o ficar, o pensar, o teatrar, o imaginar, o brincar, o ver o livro, o escrever,

o querer ouvir de novo [...]” (ABRAMOVICH, 1995). O que aconteceu como podemos

ver na passagem abaixo:

A assistente Alice organiza as mesas no canto da sala logo depois que

elas terminaram de colorir os desenhos e diz: ‘Ô Bárbara, guarda sua

atividade, que você vai contar uma história pra gente. Aquela história

que você conta perfeitamente bem... Já ouviu Eliana, ela contando

história?’ (as crianças permanecem em silêncio). Eliana responde:

‘Hã... Eu ouvi uma vez só! Mas fiquei com vontade de ouvir mais’.

Assistente Alice: ‘Ela conta muito bem’. Bárbara pergunta como se

não tivesse entendido: ‘O que você falou, tia?’ (se aproximando da

assistente). Assistente: ‘Que você vai contar uma história pra gente’. A

assistente orienta as crianças a se sentarem no tapete, encostadas na

parede, inclusive Bárbara. A assistente Maria senta na cadeirinha, na

frente deles e de posse de um livro, mostrando a capa pergunta: ‘Que

história é essa?’. Bárbara e Vanessa respondem: ‘Da Chapeuzinho’.

Assistente: ‘Da Chapeuzinho Vermelho...’ – vagarosamente – ‘Todo

mundo vai ficar bem quietinho, bem quietinho. Sabe quem vai contar

a história hoje?’ – as crianças não respondem. Assistente: ‘A Bárbara.

Vem Bárbara. Oh, presta atenção, faz de conta que a Bárbara é a

professora.’ Ana Clara diz: ‘Aí! Vou segurar em você’ – e se aproxima

de Vanessa. As crianças permanecem sentadas e em silêncio. Enzo e

Mariana se olham com ar de surpresa. Antes de Bárbara começar, Ana

Clara diz: ‘Eu tô com medo!’ A assistente ouve: ‘Medo do quê?’. Ana

Clara não responde. Bárbara levanta e senta numa cadeira ao lado da

assistente. Pega o livro, olha a primeira página e diz: ‘A mamãe de

Chapeuzinho vermelho falou...vai pra lá – Enzo coloca a mão no

ouvido como quem não quisesse ouvir – levar esses doces para a

avó...’. A assistente intervém dizendo: ‘Tem que mostrar a figura para

eles’. Ela continua: ‘Aí... – mostra a página – aí a mamãe falou não

vai ficar para este caminho. Aí ela obedeceu a mãe. A mãe falou você

não fala de estranho... aí apareceu o lobo... aí... aí. – enquanto

mostrava as páginas do livro – Chapeuzinho falou para o lobo. O lobo

falou onde você vai com essa cestinha? Vou levar uns docinhos para a

casa da vovó. Aí... – mostra a página e se perde na história, ela volta

as páginas, porém não pára de falar. Aí bateu na casa da vovó... aí o

lobo comeu a vovozinha. As crianças ouvem atentamente a história

contada por Bárbara. Aí a chapeuzinho falou: Que grande sua orelha

vovó. É para te ouvir melhor, – ela fala com entonação –que grande

esse olho, É para te ver, te olhar melhor. Que grande esse nariz? É

para te cheirar melhor. Que grande essa boca? É para te comer.’ Nesse

momento algumas crianças interagem gritando e esperneando. E

Bárbara continua: ‘Aí pulou da cama... aí... aí... queria comer

Chapeuzinho’. – Mariana interrompe dizendo: ‘Hã, Bárbara você não

sabe contar...’ Bárbara não ouve e continua: ‘Aí o caçador ouviu um

barulho, aí cortou a barriga – Ela coloca o livro em cima do colo e faz

gestos com as mãos e braços – da vovó e feliz para sempre’. A

assistente incentivou Bárbara dizendo: ‘Êh, êh,’ – e as crianças

bateram palmas espontaneamente. Ela sai da cadeira e volta ao seu

lugar no tapete (Diário de campo, 17/08/11).

Pude observar que quando Bárbara contava a história, todas as crianças

permaneceram em silêncio. Porém, os olhares saltavam e manifestavam um

encantamento pela história ‘lida’ pela Bárbara. O encantamento e o medo revelado pela

Ana Clara mostram as considerações pontuadas por Abramovich (2003) acerca das

possibilidades de descobrir o mundo e as emoções que sentimos.

As outras crianças tiveram a oportunidade de contar a história também. Umas

demonstravam vergonha outras rapidamente se familiarizaram com o momento

organizado. Depois que as crianças tiveram o contato com o livro de literatura as

assistentes puderam explorar ainda mais a imaginação das crianças, propondo que elas,

através da brincadeira de roda, encenassem fantasiando a história lida.

É interessante pontuar a divergência nas formas de percepção, entendimento e

construção do papel da professora e das assistentes pedagógicas quando analisamos o

contexto educativo. Verifica-se a existência de um descompasso entre as práticas

educativas desenvolvidas pelos educadores, uma cisão entre o cuidar e o educar. Sobre

tais considerações, subjaz o caráter extremamente escolarizante, uma lacuna na qual os

professores constituem práticas pedagógicas estritamente conteudistas, voltadas para o

ensino, o que me parece não estar presente nas intervenções educativas propostas pela

assistente favorecendo espaços para as crianças participarem. Temos então, a prática das

Figura 24 - Criança lendo história FONTE: Eliana Maria Ferreira

assistentes orientadas pela preocupação voltada para o sujeito, para o cuidado e o

lúdico.