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2. ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE A TRILOGIA ESTRUTURAL

2.2. JURISDIÇÃO

Para não se estender excessivamente em comentários que desviariam o intuito deste trabalho, é prudente resumir o tema jurisdição, afirmando ser uma função própria e exclusiva do Poder Judiciário. Em outras palavras, o Poder Judiciário tem o monopólio da jurisdição e é, dentro desta função de dizer o direito que atua o direito objetivo na composição dos conflitos de interesses.

A CF 1988 preceitua em seu Art. 5º, inciso XXXV,59 a não exclusão de apreciação pelo Poder Judiciário de quaisquer ameaças a direito em face da pessoa, fundamentando o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, que será exercido pelos juízes, através da jurisdição, conforme as disposições contidas do Art. 1° do Código de Processo Civil Brasileiro – CPC.60

Pode-se abstrair daí que dois são os princípios basilares da jurisdição: o direito à tutela jurídica e o direito ao devido processo legal, sendo que, no Art. 2º do CPC,61 preceitua o princípio da inércia que consolida o princípio do direito de ação, onde o interessado reclamará a tutela jurisdicional, provocando o exercício da jurisdição, conforme exigência legal desse dispositivo.

A compreensão do conceito de jurisdição está estreitamente ligada às concepções políticas e sociais da comunidade em determinado momento histórico. Não se pode analisá-la sob um ângulo de visão restrito unicamente ao poder de dizer o direito, tendo em vista que sua dimensão na ciência processual é a mais ampla de todos os institutos jurídicos e aproxima-se tanto da política que fica suscetível de várias ingerências exteriores ao sistema normativo.

Durante muito tempo a jurisdição equacionou-se de modo relativamente estável, tendo em vista que as mudanças no contexto social ocorriam lentamente. Somente com o surgimento do

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Art. 5°. XXXV. A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

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Art. 1°. A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece.

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Art. 2°. Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer nos casos e formas legais.

Estado Liberal, a jurisdição adquiriu procedimentos que seriam mais adequados ao sistema organizacional em vigor, valorizando o teor declaratório da sentença, a fundamentação do sistema tradicional de sentença baseada na condenação e execução forçada e a separação bem definida entre direito material e processo.

A partir daí, começam a surgir as teses que delimitavam os objetivos propostos e perseguidos pela jurisdição diante do poder sub especie iurisdicionis. Na visão chiovendiana, a jurisdição tinha como objetivo a aplicação da vontade da lei e não mais a realização do direito subjetivo da parte. Este já foi um grande avanço no sentido de se buscar uma visão publicista de processo. Sob a ótica carnelutiana, a lide é um conceito sociológico e não processual que centraliza sua teoria sobre a lide, voltando-se para o direito subjetivo, irremediavelmente ligado ao contexto social.

Na visão de Marinoni, o princípio da legalidade adquiriu novo conteúdo no Estado constitucional agregando o qualificativo que evidencia seu núcleo na conformação da lei com a Constituição e, principalmente, voltada à proteção dos direitos fundamentais. Essa transformação afeta a concepção de direito e também de jurisdição, mudando o eixo de raciocínio da lei para a norma constitucional.

“Se as teorias da jurisdição constituem espelhos dos valores e das idéias das épocas e, assim, não podem ser ditas equivocadas – uma vez que isso seria um erro derivado de uma falsa compreensão de história – certamente devem ser deixadas de lado quando não mais revelam a função exercida pelo juiz. Isso significa que as teorias de Chiovenda e Carnelutti, se não podem ser contestadas em sua lógica, certamente não tem – nem poderiam ter – mais relação alguma com a realidade do Estado contemporâneo. Por isso, são importantes apenas quando se faz uma abordagem crítica do direito atual a partir da sua análise histórica, isto é, da abordagem da sua relação com os valores e concepções do instante em que foram construídas”.62

O positivismo crítico surgiu da transformação do conceito de direito, desenvolvendo teorias com a finalidade de proporcionar ao juiz a verdadeira possibilidade de se posicionar alinhado com o conteúdo da lei comprometida com a Constituição.

“Ora, é pouco mais do que evidente que isso tudo fez surgir um novo modelo de juiz, sendo apenas necessário, agora, que o direito processual civil se dê conta disso e proponha um conceito de jurisdição que seja capaz de abarcar a nova realidade que se criou”.63

62

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. vol. 1., 5. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 22.

Assim, todas as teses que afirmavam ser a jurisdição uma atribuição de caráter secundário, onde há a predominância da ação centralizando a teoria processual, já não podem mais satisfazer as exigências e necessidades dogmáticas da jurisdição. Portanto, a jurisdição pode ser definida como a atividade estatal que visa aplicar o direito ao caso concreto.

Cândido Rangel Dinamarco64 entende que a jurisdição é conceituada numa visão tripla de elementos constitutivos. A natureza pública do processo e do direito processual possibilitam o entendimento do conceito de jurisdição como poder estatal no sentido de decidir imperativamente e impor decisões.

“À jurisdição costuma ser atribuída uma tríplice conceituação, dizendo-se habitualmente que ela é ao mesmo tempo um poder, uma função e uma atividade. Na realidade, ela não é um poder, mas o próprio poder estatal, que é uno, enquanto exercido com os objetivos do sistema processual; assim como a legislação é o poder estatal exercido para criar normas e a administração, para governar. Como função a jurisdição caracteriza-se pelos escopos que mediante seu exercício o Estado-juiz busca realizar – notadamente o escopo social de pacificar pessoas, eliminando litígios. A atividade jurisdicional constitui-se dos atos que o juiz realiza no processo, segundo as regras do procedimento”.65

As técnicas e critérios relativas à competência definem o exercício da função jurisdicional que é distribuído entre os inúmeros juízes existentes no país. Obviamente a jurisdição não é divisível, somente as atividades jurisdicionais são atribuídas a cada ente federado, sendo exercida pelo juiz competente, em conformidade com a Constituição e a lei. Por isso, conceitua-se competência jurisdicional como quantidade de jurisdição entregue ao exercício de cada juiz ou tribunal (Liebman).

Seguindo os ensinamentos de Arruda Alvim,66 o sistema de jurisdição coube ao Poder Judiciário, respeitada a separação orgânica das funções estatais que foram se definindo ao longo dos séculos, seguindo as condicionantes históricas e as diretrizes que criaram e instituíram o Estado moderno.

Assim, seria inútil a mera manifestação estatal no sentido de dizer o direito. A atividade somente se completa com a efetivação do direito que foi declarado. Desta forma, entende-se que a natureza da função jurisdicional é substitutiva.

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DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 5. ed., v. I, São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 297.

65

idem., ibidem., p. 298.

66

“Afigura-se-nos que a função jurisdicional é de índole substitutiva. Se ela se destina a solucionar um conflito de interesses, tal como tenha sido trazido ao Estado-juiz, sob a forma e na medida da lide, deverá este afirmar, sentenciando, a existência de uma vontade concreta da lei, favoravelmente àquela parte que seja merecedora da proteção jurídica. Essa prestação jurisdicional, que soluciona a lide, para que seja realizada com eficácia imutável, terá que ter validade absoluta, porquanto, se não a tivesse, ainda, e de certa forma, perduraria o conflito e não teria havido substitutividade. Desta forma, em virtude da atividade jurisdicional, o que ocorre é a substituição de uma atividade/vontade privada, por uma atividade pública, que é a ‘vontade da lei’ a imperar”.67

Assim, a autoridade da coisa julgada é que caracteriza a sentença, dando-lhe a característica da imutabilidade e possibilitando a referida substituição. Arruda Alvim prossegue em sua cátedra afirmando que são quatro as características marcantes da atividade jurisdicional: a primeira delas é a terzietà do juiz que é a característica segundo a qual ele deve ser desinteressado do litígio, sendo ocupante de órgão constitutivo do Poder Judiciário, devidamente nomeado. A terzietà tem como conseqüência, o afastamento do processo daquele juiz impedido ou suspeito, conforme consta no Art. 134 e seguintes do CPC, pois sua imparcialidade estaria comprometida, sendo a própria sentença ou acórdão sujeito a desconstituição através de ação rescisória, de acordo com o preceito contido no Art. 485, II do CPC. A segunda característica é aquela referente ao poder de que se está investido este terceiro, aplicando a norma ao caso concreto. A outra característica é a atividade jurisdicional que se dá através de um contraditório regular, implicando em obediência a um procedimento regular e preestabelecido. E finalmente, a última característica é a inércia inicial, conforme consta no Art. 2º e 262 do CPC, ou seja, somente através de pedido do interessado é que o juiz poderá agir no campo da jurisdição voluntária. Portanto, deve haver um pedido pré-ordenado para que o juiz possa instaurar um processo quando tiver sido provocado pela parte.