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2.2 O essencialismo na teoria do direito

2.2.1 O jusnaturalismo

2.2.1.3 Jusnaturalismo naturalista

O jusnaturalismo naturalista pode ser entendido como a tentativa de fundar o direito natural na própria natureza: não na natureza do homem, mas na natureza do próprio universo ou mundo físico.

Para a compreensão do jusnaturalismo naturalista, parece importante a teoria desenvolvida pelo brasileiro Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (1892-1979), que sugere uma concepção do Direito aliada à antropologia física determinista e às ciências naturais (LIMONGI, 1998, p. 30).

Sintonizado aos avanços científicos da década de 1920 e tendo estudado as ciências físicas e matemáticas para uma reflexão do fenômeno jurídico, Pontes de Miranda apresenta um pensamento jusnaturalista naturalista, que posteriormente se revestirá do caráter positivista lógico9. Para ele, o Direito nasce das relações sociais – está nos fatos e é natural.

8 As considerações sobre a teoria naturalista do Direito de Pontes de Miranda foram trabalhadas previamente no livro Conhecer Direito II (2013), em coautoria com Horácio Wanderlei Rodrigues e Luana Renostro Heinen, bem como XXI Congresso Nacional do CONPEDI como: RODRIGUES, Horácio Wanderlei; HEINEN, Luana Renostro. A ânsia de tudo conhecer: a epistemologia de Pontes de Miranda. In: XXI Encontro Nacional do CONPEDI, Niterói, 2012. Anais... Niterói: CONPEDI, 2012.

9 Sobre as influências que recebeu Pontes de Miranda, afirma Limongi: ―Filosoficamente Pontes é, originalmente, positivista, depois ultrapassa o positivismo de Comte, deixando-se influenciar pelo evolucionismo de Spencer para, mais adiante, identificar-se com a filosofia do Círculo de Viena.‖ (LIMONGI, 1998, p. 32).

O jusnaturalismo naturalista de Pontes de Miranda parece fundamentar-se na ideia de que o humano e o mundo físico estão submetidos às mesmas leis, conforme ele afirma:

A sociedade não descontinua o mundo, não se divorcia do que não é caracteristicamente social, como o orgânico não se separa do inorgânico por abismos e lapsos absolutos. O que nós vemos é a atuação de um no outro, o crescimento de um pela apropriação de elementos alheios (PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 50)

Para Pontes de Miranda, existe uma continuidade entre a sociedade e a natureza, pois ambos os mundos – o natural e o social – são construídos de relações, havendo leis que ―abrangem maior número de fatos; e umas se seguem às outras, sem que deixe de ser múltiplo, como, presuntivamente, devemos concebê-lo, o mundo dos fatos‖ (PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 17). Mais do que isso:

O que é inegável é que, para o descobrimento social, cada vez mais se necessita da ciência, desde a Matemática e a Biologia até a Ciência do Direito. Nunca se pense que se pode desligar do mundo físico o mundo social, inclusive o mundo jurídico: aquele está à base e em nenhum dos que lhe ficam por cima aquele deixa de estar. Sem a Ciência, ou sua unidade, não há avanço social. (PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 333)

Esse direito naturalista, para Pontes de Miranda, é objeto de estudo de uma Ciência positiva:

A ciência positiva do Direito é a sistematização dos conhecimentos positivos das relações sociais, como função do desenvolvimento geral das investigações científicas em todos os ramos do saber. É, pois, a cúpula da ciência. (PONTES DE MIRANDA, 1983, p.15)

Nenhum problema é mais profundamente interessante para a vida prática dos povos do que o da orientação científica do direito. (PONTES

DE MIRANDA, 1972, p.59)

A Ciência e o processo de conhecimento são discutidos por Pontes de Miranda em seu livro O problema fundamental do

conhecimento, de 1937, que aborda principalmente a possibilidade de

construção do conhecimento:

A afirmação de que o conceito transcreve o conhecimento sensível não basta. Como se

transcreveu e – o que é mais importante – com que meios se transcreveria no conceito concreto e nos conceitos abstratos o conhecimento sensível? Aí, todo o problema a ser estudado. (PONTES DE MIRANDA, 1999, p. 37)

Para ele, o maior problema da Teoria do Conhecimento10 é justamente o problema dos universais – das essências. Ele rejeita o idealismo platônico, o realismo, o nominalismo e a filosofia eleática, pois percebe que todas essas tendências enfatizam apenas um dos termos da relação do conhecimento, isto é, ou o sujeito ou o objeto (PONTES DE MIRANDA, 1999, p. 25).

O processo do conhecimento, para Pontes de Miranda, ocorre como uma relação, não sendo possível enfatizar apenas um dos termos da relação:

A simples consideração da relação sujeito-objeto previne que a supressão de qualquer dos termos, só se levando em conta o conhecente, ou só se levando em conta o conhecido, falseia o problema e, em consequência, a solução. Os dois termos não podem ser eliminados. Há, por certo, alguma coisa que é comum, na origem, a eles, alguma coisa que não pode ser objeto (e.g., se considerarmos o sujeito como objeto entre os objetos, o que o retiraria da relação em estudo) e precisa ser revelado, trazido a exame. Exatamente aí é que se exercerá, em profundidade, a nossa investigação. (PONTES DE MIRANDA, 1999, p. 28).

Visando enfatizar ambos os termos da relação, o pensador desenvolve a Teoria dos Jetos. O jeto é percebido como o resultado da busca – o que é comum entre o sujeito que tem a experiência e o objeto que é conteúdo. Segundo o pensador:

Chamamos jeto a tudo que se apresenta, seja de ordem estritamente física, seja de ordem psíquica, desde que considerado sem ser do lado de quem vê ou do outro lado, isto é, eliminados os

10 ―A Teoria do Conhecimento é a ciência da colaboração do que a priori com o a posteriori, e ciência do que é o a priori, pois que o a posteriori é definido por si mesmo, - não só do que é o a priori como fato (Psicologia, apreensão das relações, dos universais) como do a priori no que guarda do empírico e é suscetível de reobter o empírico. Daí ela passa, avizinhando-se da Lógica (que ainda é parcial – uma Lógica da certeza), à indagação do que são e do que há entre a certeza e a probabilidade. Seja qual for o ponto em que ela se esmere, o problema da construção gnosiológica do mundo, o problema dos universais, é o coração da Teoria do Conhecimento.‖ (PONTES DE MIRANDA, 1999, p. 39-40).

elementos que representam oposição entre eles, operação que exprimimos pelo “por entre parênteses os prefixos de (su)jeito e de (ob)jeto. (PONTES DE MIRANDA, 1999, p. 115).

Com relação à Ciência Jurídica, Pontes de Miranda (1972, p. 45) busca estudar o direito em si, ―em sua índole real e na sua inteireza objetiva‖. Nesse sentido, parece que, apesar de ser a Ciência Jurídica positiva, o direito é naturalista, conforme a seguinte passagem do autor:

Preferimos a resignação do cientista, que não procura decifrar completamente as coisas, e se contenta em sondá-las, sem que cesse o interesse em romper, aqui e ali, o véu que as oculta. O que se conclui é que o direito não é somente produto da cultura, do capricho ou da prepotência; não podemos saber-lhe a natureza íntima como também não conhecemos a do mercúrio, a do ouro, a do rádio ou outro elemento. Mas está contido nos fenômenos do mundo; a cultura transforma-o, não o cria: como a vida, é propriedade da natureza, e da natureza com as suas leis eternas. (PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 45-46).

O Direito é ciência natural como qualquer outra. E somente como ciência natural é que ele é digno das cogitações, do tempo, do zelo e da dedicação de espíritos contemporâneos. (PONTES DE MIRANDA, 1972, p.143)

Parece existir uma naturalidade do fenômeno jurídico no pensamento de Pontes de Miranda. Se todos os fenômenos são naturais, inclusive o direito, então existe uma unidade da ciência: todas se valem do mesmo método, conforme exposto pelo pensador:

As leis físicas são inteiramente aplicáveis [às relações físico-sociais], porque admitir o contrário seria destruir os princípios e leis universais, pois importaria aceitar a possibilidade de não serem

válidos em algum domínio dos fenômenos do

Universo. (PONTES DE MIRANDA, 1980, p. 110)

A Ciência de Pontes parece ser positivista na medida em que ele a percebe como uma forma privilegiada de conhecer: o direito somente é digno de atenção porque pode ser objeto da Ciência. Segundo o pensador, para ser Ciência, o Direito tem que ser natural, porque todas as Ciências o são: Ciência da natureza e das relações do mundo. Diante

disso, é possível afirmar que ele não vê substancial diferença entre ciências naturais e sociais, pois entende que todos os fenômenos sociais também são naturais.

A naturalização do fenômeno jurídico implica o descolamento do Direito para o mundo do ser (leis da natureza), tornando-se as relações jurídicas relações de causa e efeito e não de imputação (dever ser).

Diante da explanação, parece que o jusnaturalismo naturalista é uma teoria essencialista na medida em que apresenta as seguintes conclusões:

a) crença na essência;

b) todas as relações são naturais; c) crença no direito natural; e

d) o direito é natural porque decorre do mundo físico.

Nesse sentido, apesar de Pontes de Miranda afirmar a positividade da Ciência do Direito, ele afirma que o direito é natural, motivo pelo qual ele pode ser considerado um pensador jusnaturalista naturalista.