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2.2 O essencialismo na teoria do direito

2.2.1 O jusnaturalismo

2.2.1.1 Jusnaturalismo teológico

O jusnaturalismo teológico se desenvolveu principalmente na Idade Média, em razão de estarem, a sociedade e cultura da época, marcadas pelo credo religioso e predomínio da fé (DINIZ, 1988, p. 34). Em resumo:

Na Idade Média, sob o império da patrístico ou da escolástica, a teoria jusnaturalista apresentava conteúdo teológico, pois os fundamentos do direito natural eram a inteligência e a vontade divina, devido ao fato de a sociedade e a cultura estarem marcadas pela vigência de um credo religioso e pelo predomínio da fé. Na era medieval prevalecia a concepção do direito

natural objetivo e material, de espírito aristotélico-tomista, que estabelecia o valor moral da conduta pela consideração da natureza do respectivo objeto, conteúdo ou matéria, tomada como base de referência a natureza do sujeito humana, considerado na sua realidade empírica, mas enquanto reveladora do seu dever-ser real e essencial (DINIZ, 1988, p. 34).

Contudo, mesmo antes da Idade Média, o jusnaturalismo teológico esteve presente na Grécia antiga. Em Sócrates, afirma Poletti (2012, p. 151), o direito natural fundamenta-se na vontade divina. Os gregos acreditavam no poder dos deuses em dirigir o destino dos homens e o direito é um modo pelo qual os deuses premiam e castigam o ser humano.

Segundo esse modelo de pensamento, o humano acessaria a lei divina por meio da razão: em Sócrates, existe a distinção entre as leis escritas (direito humano) e as leis não escritas e imutáveis, estabelecidas pelos deuses. O homem deve não apenas obedecer a lei da pólis, mas também as leis divinas, válidas universalmente para todos os povos.

Essa concepção teológica do jusnaturalismo nasceu com o pensamento de Sócrates e foi posteriormente defendida por Sófocles, conforme sugere Poletti:

Na tragédia Antígona, de Sófocles, irmão da heroína, após haver fracassado em sua conjuração contra o tirano Creonte, além de perder a vida recebe a pior das condenações da Antiguidade, que era a se não ser sepultado. Os cemitérios eram lugares sagrados. Graças às catacumbas, os cristãos e adeptos de outras religiões proibidas puderam celebrar seus cultos, sem serem molestados pela polícia. [...] Já na tragédia de Sófocles, a sua personagem Antígona fazia a defesa do direito natural, pelo qual todos devem ter sepultura, direito a que todos devem obedecer, independentemente do direito humano ou do poder político (2012, p. 152-153).

Diniz (1988, p. 34) afirma que o jusnaturalismo teológico, principalmente na Idade Média, atribui ao direito o fundamento natural da inteligência e vontade divina. O direito é visto como natural, objetivo e material, sendo o valor moral da conduta medida ―pela consideração da natureza do respectivo objeto, conteúdo ou matéria, tomada como base de referência a natureza do sujeito humano, considerado na sua realidade empírica, mas enquanto reveladora do seu dever-ser real e essencial‖.

Segundo o jusnaturalismo teológico, sugere Diniz (1988, p. 34), parece que o direito é natural e deve ser entendido como um conjunto de normas e princípios morais, ―que são consagrados ou não na legislação da sociedade, visto que resultam da natureza das coisas do homem, sendo por isso apreendido imediatamente pela inteligência humana como verdadeiros‖.

Os princípios morais devem ser aqueles princípios que qualquer ser humano pode reconhecer, pois eles correspondem àquilo que é universal e permanente na natureza humana, sendo possível conhecê-los diretamente, independentemente da cultura de cada um. Esses princípios morais são os deveres dos homens para consigo mesmos, para com os outros e para com Deus, sendo o principal princípio o bem deve ser feito

e o mal evitado. Os demais princípios são os deveres impostos pela natureza humana, relativos às tendências naturais do homem. Segundo Diniz (1988, p. 35), são os seguintes deveres:

a) deveres do homem para consigo mesmo, ‗como o homem deve conservar-se, deve perseverar no ser, não deve destruir-se‘; b) deveres do homem para com o primeiro grupo social dentro do qual vive, isto é, para com a família: ‗o homem deve unir-se a uma mulher, procriar e educar seus filhos‘; c) dever de respeitar sua racionalidade, ou seja, sua inteligência: ‗o homem deve procurar a verdade, isto é, deve buscar o conhecimento da realidade; d) deveres do homem para com a sociedade: ‗o homem deve praticar a justiça, dando a cada um o que é seu‘; ‗o homem não deve lesar o próximo‘ (1988, p. 35).

Um dos grandes expoentes do pensamento jusnaturalista teológico é Tomás de Aquino. Em sua obra Súmula contra os gentios, o pensador afirma a vontade divida sobre a vontade humana, da seguinte maneira:

Uma vez que em Deus há duas espécies de verdades, algumas das quais são acessíveis à nossa inteligência e outras ultrapassam totalmente as nossas capacidades, é justo que Deus proponha como objetos de fé tanto umas como outras. […] Comecemos por demonstrar isto, com referência às verdades que são acessíveis à nossa razão natural. Com isto daremos uma resposta àqueles que consideram inútil a transmissão de tais verdades como objetos de fé por via de inspiração sobrenatural, de vez que tais verdades nos são conhecidas através de nosso próprio conhecimento natural (2000, p. 136).

O segundo inconveniente que surgiria, caso Deus não houvesse revelado sobrenaturalmente as verdades que, em si, são acessíveis à razão natural, consistiria no seguinte: os homens que chegassem à descoberta de tais verdades só o conseguiriam com dificuldades e após muito tempo de busca. Isto, devido à profundidade desta verdade, profundidade que só se consegue compreender pela simples razão natural, se a inteligência humana se capacitar para isto mediante um longo tirocínio (2000, p. 137).

Em Tomás de Aquino, assim como no pensamento dos demais jusnaturalistas teológicos, o fundamento do direito natural é a vontade divina. Em resumo, para os jusnaturalistas teológicos, o direito natural é: [...] o jusnaturalismo dos escolásticos concebia o direito natural como um conjunto de normas ou de primeiros princípios morais, que são imutáveis, consagrados ou não na legislação da sociedade, visto que resultam da natureza das coisas e do

homem, sendo por isso apreendidos

imediatamente pela inteligência humana como verdadeiros (DINIZ, 1988, p. 34).

O direito natural divino, nesse sentido, deve corresponder ao que há de permanente e universal na natureza humana, perceptível por meio da razão, independentemente da cultura ou civilização. Diante disso, tem-se que o princípio fundamental é o bem deve ser feito e, consequentemente, o mal evitado, conforme já mencionado.

Esse direito natural teológico, conforme expõe Diniz (1988, p. 35), é inerente à natureza ou essência humana, independente de um legislador humano: o fundamento de validade do direito natural não é uma norma superior ou a autoridade normativa, mas a natureza.

Em resumo, o jusnaturalismo teológico, enquanto teoria essencialista, parece afirmar os seguintes pressupostos teóricos:

a) a crença na essência;

b) a crença na essência humana; c) a existência do direito natural;

d) o fundamento do direito natural é a vontade divina; e e) o humano acessa a vontade divina por meio da razão.