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2.2 O essencialismo na teoria do direito

2.2.1 O jusnaturalismo

2.2.1.2 Jusnaturalismo racionalista

Com o processo de secularização, sugere Diniz (1988, p. 35), principalmente no século XVII, a concepção de direito natural começou a abandonar as raízes teológicas e buscou fundamento de validade na razão humana. O direto natural tornou-se ―subjetivo enquanto radicado na regulação do sujeito humano, individualmente considerado, cuja vontade cada vez mais assume o sentido de vontade subjetiva e absolutamente autônoma‖. Segundo essa concepção de direito natural, existe uma natureza humana imutável.

O direito natural é obtido dedutivamente da essência da natureza humana – da razão humana –, concebida, conforme sugere Diniz (1988, p. 36-37), como:

a) genuinamente social, segundo as concepções de Grotius, Pufendorf e Locke: o homem tem tendência de viver em sociedade; ou

b) originalmente a-social ou individualista, segundo as concepções de Hobbes, Spinoza e Rousseau: o humano, em seu estado natural, é livre de qualquer obrigação social e/ou é insociavel por natureza.

Nesse sentido, as doutrinas dos séculos XVII e XVIII, jusnaturalistas racionalistas, parecem conter a ideia de um direito com fundamento na natureza, representando princípios eternos e imutáveis. A natureza enquanto fundamento do direito era a natureza humana. Segundo Poletti:

Daí a teoria racionalista fundada, justamente, na natureza racional do homem. São representantes da Escola Clássica do Direito Natural Hugo Grócio, Tomás Hobbes, Samuel Pufendorf e Christian Thomasius. Há certa polêmica em relação a Hobbes e aos contratualistas em geral que desaguaram na Revolução Francesa e engendraram os direitos naturais, cujo ponto culminante está em Rousseau. Contra esse direito natural, ensejador de arbítrio, é que houve a reação da Escola Histórica de Savigny, Puchta, Stahl, que investiram contra as ‗abstrações vazias do Direito Natural‘, ‗as construções arbitrárias‘, ‗as fantasias de um Direito racional de valor puramente subjetivo‘ (2012, p. 156).

Parece que, justamente com o advento do iluminismo e a cisão entre as verdades da fé e as verdades da razão, a racionalidade humana despontou como um código universal.

Na esteira do racionalismo iluminista, segundo o qual todos os humanos são iguais em racionalidade (racionalidade universal), o direito foi concebido como direito natural de todo o ser humano (direito inerente e universal), uma vez que todos os humanos foram considerados iguais. Além disso, o direito natural poderia ser acessado por meio da racionalidade humana. A natureza humana é percebida como a natureza racional do humano e não mais como cosmologia.

Segundo Diniz (1988, p. 38-39), a concepção do direito natural subjetivo e formal ―considera inatas no homem as tendências para a liberdade física e moral e para a igualdade, se não nas qualidades físicas, intelectuais e morais, pelo menos na dignidade essencial à natureza

humana, presente em cada indivíduo‖, que exigem que todos se respeitem e se tratem como iguais.

O fundamento do direito natural, para o jusnaturalismo racionalista, passou a ser a razão humana: nessa concepção, a natureza do humano é vista como uma realidade abstrata, imutável e inata, independentemente das variações culturais. Conforme a exposição de Diniz:

Nítida é a feição dedutiva desse jusnaturalismo, que é levado a propor normas de conduta pelo método dedutivo, por influência do racionalismo matematicista, tão em voga na época; assim, a partir de uma hipótese lógica sobre o estado natural do homem, se deduzem racionalmente todas as consequências. Nesta teoria que encontrava sua legitimidade perante a razão, mediante a exatidão matemática e a concatenação de suas proposições, a ciência jurídica passa a ter uma dignidade metodológica especial (1988, p. 35-36).

Nesse sentido é que para Kant7, segundo Diniz (1988, p. 39), o homem é racional e livre, motivo pelo qual é capaz de impor a si mesmo normas de conduta (normas éticas), válidas para todos os seres racionais. ―Logo, a norma básica de conduta social que o homem se pode prescrever é que em tudo o que faz deve sempre tratar a si mesmo e a seus semelhantes como fim e nunca como meio‖, que é justamente o seu imperativo categórico. Aplicada à conveniência jurídico-social, ―essa norma moral básica transmuda-se em norma de direito natural. A obediência do homem à sua própria vontade livre e autônoma constitui, para Kant, a essência da moral e do direito natural‖. Segundo essa concepção, as normas de direito seriam normas de direito natural.

7 Preceitos morais, na filosofia kantiana, obrigam a todos pelo simples fato de que todo o homem é livre e é dotado de uma razão prática. Segundo o pensador: ―[...] se um sistema de conhecimento a priori por simples noções se chama Metafísica, neste caso uma filosofia prática que tem por objeto não a natureza, mas sim a liberdade do arbítrio, irá supor e ainda exigirá uma Metafísica dos costumes. Quero dizer, que até mesmo é obrigatório ter essa Metafísica e que todo homem a possui, ainda que ordinariamente de uma maneira vaga e, por assim dizer, inconsciente. De fato: como poderia crer sem princípios a priori que levam dentro de si uma legislação universal? Porém, assim como deve haver também numa Metafísica da natureza regras para a aplicação dos princípios gerais mais elevados relativos a uma natureza em geral, aos objetos da experiência, deve haver também uma Metafísica dos costumes; e deveremos com frequência tomar por objeto a natureza particular do homem [...]‖ (KANT, 1993, p. 27-28).

Diante da explanação, enquanto teoria essencialista, o jusnaturalismo racionalista apresenta as seguintes conclusões a respeito da essencialidade do direito e do sistema jurídico:

a) crença na essência;

b) crença na essência humana; c) existência do direito natural;

d) o fundamento do direito natural é a igualdade racional humana;

e) o humano descobre o direito por sua racionalidade; e f) o direito é inerente ao humano e, por isso, universal.

Em suma, no pensamento jusnaturalista racionalista o direito parece se traduzir na própria essência humana, que foi entendida como a racionalidade humana.