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A crise ambiental, explicitada por fenômenos tais como o aquecimento global, o esgotamento de recursos naturais e a poluição do ar e da água é resultado do desajuste causado pela ação humana na natureza (LEFF, 2011). A constante pressão econômica para aumento da produção, do consumo de produtos e serviços, e crescimento do PIB característicos da racionalidade econômica traz consequências deletérias ao meio ambiente, prejudicando a qualidade de vida da população.

Neste sentido, alguns autores propõem uma nova racionalidade, em contraponto à puramente econômica, considerando a limitação dos recursos naturais disponíveis. Defendem a adoção de uma racionalidade ambiental (LEFF, 2011), a qual destoa da pressão por crescimento contínuo como finalidade exclusiva para o desenvolvimento das

nações. A contestação ao racionalismo puramente econômico embasa o movimento ambientalista. Alier (2007) identifica três vertentes do ambientalismo, a saber:

1) culto ao silvestre: cujos adeptos e pesquisadores pregam a conservação do meio ambiente como maior objetivo e a qualquer custo;

2) evangelho da ecoeficiência: uma forma de adaptação das empresas com a adoção de medidas pontuais com destaque para economia de água e de energia, e a revisão dos processos produtivos, mas sema revisão da lógica consumista que efetivamente gera impactos aos ecossistemas existentes; e

3) “ecologismo dos pobres”: movimento de empoderamento das camadas em situação de vulnerabilidade social, comunidades tradicionais, minorias e população pobre sob a forma da ambientalização das lutas sociais (ACSELRAD, 2010; PORTO et al, 2013).

Ou seja, a incorporação de pautas de conservação do meio ambiente e dos recursos naturais ao movimento em prol dos direitos humanos e justiça social, com um alerta aos impactos socioambientais que afetam desproporcionalmente as camadas mais vulneráveis da sociedade.

Pellow (2006) e Acselrad (2010) identificam duas vertentes do ambientalismo igualmente preocupadas com os impactos ambientais da sociedade, a saber:

1. Questionamento ao estilo de vida consumista e sistema de produção em massa que tem gerado a penalização ambiental dos mais despossuídos ao mesmo tempo em que tem negado aos mesmos os benefícios do padrão de consumo e conforto capitalista dos países em desenvolvimento em razão dos limites entrópicos do planeta, ou seja, da limitação dos recursos naturais disponíveis, finitos, e da redução da capacidade de recuperação quanto aos impactos gerados pela ação humana.

Desta forma, estes mesmos prejudicados muitas vezes não usufruem dos benefícios dos referidos empreendimentos (LEAL, 2013), mesmo quando plenamente estabelecidos os projetos; e

2. Economia de matéria-prima através da ecoeficiência, ou seja, da modernização ecológica e da redução de custos sem, entretanto, atuar para reduzir o consumo e a produção. Esta abordagem trata o meio ambiente como oportunidade de negócios, com perspectivas a ganhos financeiros e obtenção de vantagem competitiva pela empresa.

Quanto a esta segunda vertente, Losicer (2013) problematiza:

(...) quando se trata de empresas, é preciso pensar em termos de priorização de investimentos, se o objetivo final das corporações é a produtividade eficiente. Afinal, uma empresa não troca o carpete antes de ter tubulações adequadas ou investe em decoração antes de possuir sistemas inteligentes. Da mesma forma, não deveria ter projetos sociais antes de solucionar os impactos ambientais que causa. (LOSICER, 2013:118)

Sobretudo considerando a primeira vertente apresentada, constitui-se um imbróglio quando conquistar legitimidade para as questões ambientais pode constituir um obstáculo ao enfrentamento do desemprego e da pobreza pela não-concretização ou atraso de empreendimentos econômicos, projetos de investimento e grandes obras.

Nesse sentido, Acselrad (2010) alerta para o “duplo padrão”, ou seja, a adoção de critérios e exigências legais e ambientais distintos por uma mesma empresa em cada local em que atua de acordo com suas específicas regulações, punindo assim com a falta de recursos os espaços mais críticos e organizados.

Desta forma, o “prêmio” pelo engajamento da comunidade sobre as questões que a afetam seria revertido como punição pela migração de investimento para outras localidades com legislação e demandas menos rigorosas, deixando de gerar empregos e oportunidades localmente. O referido autor assevera ainda que:

Enquanto os males ambientais puderem ser transferidos para os mais pobres, a pressão geral sobre o ambiente não cessará [...]. Aí se dá a junção estratégica entre justiça social e proteção ambiental (ACSELRAD, 2010:114).

Convém registrar o conceito de justiça ambiental, que consiste na apropriação da temática do meio ambiente por dinâmicas sociopolíticas tradicionalmente envolvidas com a construção da justiça social, promoção e conservação dos direitos humanos.

Adota-se a perspectiva dos direitos ambientais como parte integrante do portfólio de direitos humanos constituídos (STEIL & TONIOL, 2013), ou seja, direitos inalienáveis, universais e, ao menos em teoria, amplamente aceitos, de forma a defender um meio ambiente mais equilibrado simultaneamente à busca por um desenvolvimento econômico mais inclusivo, equitativo, e a redução das desigualdades sociais.

Pode-se traçar um paralelo entre a justiça ambiental e a vertente ambientalista do “ecologismo dos pobres” proposta por Alier (2007), ou mais recentemente como indicado por este autor em um “manifesto” com diversos pesquisadores e movimentos sociais, com a ecologia política “bottom-up”. Em suma, o referido manifesto defende que as grandes

questões da temática socioambiental não se originariam apenas de pesquisa científica, das normas e leis constituídas, mas do estabelecimento e atuação de grupos de pressão na própria sociedade, considerando as demandas e sugestões das comunidades locais afetadas pelas atividades econômicas.

Vale considerar que, na medida em que os riscos ambientais são diferenciados e desigualmente distribuídos, e que a comunidade em geral não é ouvida, são ocasionados os conflitos ambientais. Estes são caracterizados pela diferente valorização, posse e uso dos recursos naturais pelos diversos atores sociais, empresas, poder público, sociedade, comunidades tradicionais e do entorno de grandes empreendimentos econômicos (JENKINS, 2004; ACSELRAD, 2010; PORTO & Schutz, 2012; PORTO & FINAMORE, 2012).

Leal (2013) indica que os conflitos citados seriam originados de diferentes “condições e formas de reprodução social de indivíduos e grupos sociais”. Assevera ainda que estes imbróglios são especialmente estabelecidos em duas condições: na implementação de áreas de preservação ambiental e no caso dos empreendimentos econômicos com amplos impactos socioambientais tais como mineração, geração (e distribuição) de energia, exploração e produção de petróleo e de gás natural.

Esta temática passa a ser debatida a partir da década de 70, tendo sido capturada sobretudo na última década por autores atentos à sobrecarga desigual da água, ar e poluição do solo associados sobretudo à industrialização e práticas de consumo, atingindo especialmente minorias étnicas, indígenas, e comunidades de baixo poder aquisitivo. Isto ocasiona prejuízos à sua qualidade de vida, saúde (PORTO & Schutz, 2012; PORTO & FINAMORE, 2012; LEAL, 2013) e até mesmo condições de subsistência e sustento em alguns casos de atividades tradicionais, tais como a pesca e a agricultura, atividades estas com forte relação com a natureza e recursos naturais (DIEGUES, 2008).

Adicionalmente, é importante registrar o impacto da possibilidade de crescimento econômico e demográfico no entorno dos empreendimentos sem subsequente melhoria proporcional da infraestrutura pública (saúde, educação, transporte público), os quais afetam toda a comunidade circunvizinha ao referido projeto.

São caracterizadas diversas formas de conflitos, cujo embate provocado tem gerado movimentos de enfrentamento, contestação e pesquisa tais como o ecofeminismo,

o racismo ambiental, o débito ecológico, a biopirataria, e o ambientalismo dos pobres, dentre outros (ALIER, 2007; ALIER et al, 2014).

Fernández (2007) contribui para o tema indicando que tais conflitos ocorrem em um período específico, de maior ou menor duração, podendo ou não resultar em oposição ao empreendimento por parte da população por ele afetada. Pode gerar amplas repercussões, quando o assunto se torna pauta pública, ou esvaziar-se rapidamente, com o prosseguimento da atividade econômica, ou seu abandono pela empresa.

Leal (2013) indica que os conflitos citados podem ser latentes, ou seja, não manifestos em razão de sua falta de consciência ou ausência de poder de pressão exercido pelas pessoas afetadas, ou externalizados, quando estes já são explícitos e compõem uma pauta da sociedade estabelecida na mídia, no setor acadêmico ou nas redes sociais.

Estudos como os de Fuenzalida e Quiroz (2012) asseveram sobre a dimensão territorial dos conflitos, relacionando-os ao acesso e uso das fontes produtivas (recursos naturais), acesso ao trabalho, perda de moradia, e mudanças nas condições econômicas, na medida em que habilidade de criar, recriar e apropriar-se dos espaços (e de seus recursos) é desigual. Estes autores alertam ainda que:

Sem dúvida alguma, o mercado aproveita a vulnerabilidade da pobreza dos territórios para fugir da denúncia e da cobrança das externalidades dos seus processos produtivos [...]A dimensão espacial da equação vulnerabilidade social + investimento estrangeiro no Chile revela câmbios territoriais de que o Estado deve compensar, tendo se limitado até o momento suas ações para reagir uma vez que ocorreu um impacto negativo sobre o meio ambiente, relegando para segundo plano impedi-lo (FUENZALIDA & QUIROZ, 2012:8).

Dentre outras, uma atividade com amplos relatos de impactos e conflitos de origem socioambiental é a atividade de exploração e produção e petróleo e gás natural. Relatam-se diversas ocorrências de violações de direitos humanos, apesar do discurso corrente de benefícios tais como geração de empregos, pagamento de impostos e desenvolvimento (FAUSTINO & FURTADO, 2013; MAIA, 2014).

Desta forma, não fica evidente se a gestão do território comum é possível como afirma a indústria (CHAVES, 2011; HERCULANO, 2012), de forma a prover uma partilha dos benefícios da instalação do projeto econômico junto às comunidades locais. Isto apresenta desafios, sobretudo para as empresas de energia, e extrativista em geral, no tratamento de seus riscos e impactos e no relacionamento com a sociedade, sobretudo a comunidade circunvizinha.

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