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Verifica-se que as comunidades locais se constituem como importante público de interesse da empresa; afinal, é onde se concentram a maior parte de seus impactos, assim como potencialmente sua mais forte oposição, o que pode ocasionar no atraso das atividades da empresa, aumento de custos, pagamento de multas, ou mesmo abandono a certos investimentos.

Para melhorar o seu relacionamento com a comunidade, a indústria extrativista, mineradora e de energia tem proposto o conceito de licença social para operar (LSO).

Lowey (2016), transcrevendo painel ocorrido em simpósio correlato ao tema no Canadá, aponta algumas questões pertinentes sobre este conceito:

Os membros do painel concordaram que a ascensão na consciência de licença social vem satisfazer diversas questões, incluindo: (...) declínio amplo de confiança do público nas autoridades institucionais (...) fragmentação global e "atomização" da sociedade; aumento da atenção mundial (...) a questões ambientais, juntamente com as preocupações sobre mudança do clima e eventos climáticos severos; globalização e um aumento significativo no uso das mídias sociais; e falta de um fórum ou processo pelo qual as pessoas preocupadas com questões políticas mais amplas, como as alterações climáticas, podem ter as suas preocupações ouvidas e significativamente abordadas (LOWEY, 2016:1).

Desta forma, a LSO constitui uma oportunidade e um problema (LOWEY, 2016), um risco não-técnico que afeta a implementação de grandes empreendimentos e obras (QUE, AWUAH-OFFEI & SAMARANAYAKE, 2015), envolvendo Estado, mercado e sociedade civil (CHESIRE, 2009; PNRO & SLOCOMBE, 2012), com o potencial de trazer incertezas e despesas adicionais à indústria.

Por outro lado, traz a oportunidade de estabelecer um relacionamento de confiança com a comunidade vizinha a suas atividades, reduzindo a potencial oposição aos projetos da indústria pela construção de uma agenda comum, e do diálogo entre as partes. Trata- se de uma licença “tácita”, intangível e informal (OWEN & KEMP, 2013), caracterizada pelo respeito da empresa com relação a questões de direitos humanos, equidade social e equilíbrio ambiental.

Em geral citam-se os seguintes motivadores dos conflitos causados por indústrias: fraco engajamento da comunidade e stakeholders; inadequada distribuição de benefícios; excessivo impacto econômico, social e ambiental; má administração dos recursos (corrupção); inadequada estrutura legal e institucional; e relutância para abordar o uso de recursos naturais nos acordos e ajustes de conduta entre empresa e poder público/sociedade (PNRO & SLOCOMBE, 2012; SING, 2014; WILSON, 2015).

Thomsom e Boutilier (2011) indicam quatro estágios de relacionamento empresa-comunidade, partindo desde a alienação da empresa em relação ao seu entorno até a efetiva confiança da comunidade local quanto às intenções da empresa.

Inicialmente, a empresa estaria em “isolamento”, situação na qual o empreendimento se apresenta com pouca ou nenhuma possibilidade de diálogo com o seu entorno.

A etapa seguinte, na qual foi conquistada a legitimidade, seria o “aceite” da comunidade, situação em que ainda não há oposição, ou quando a mesma é pontual. Com o aumento da credibilidade, na visão de que o empreendimento é benéfico à população local, viria a sua “aprovação”.

Com aumento da confiança se alcançaria a situação desejada, quiçá utópica, de “copropriedade” (identidade psicológica), na qual a população vizinha se torna defensora do empreendimento e participante de suas decisões, com a manutenção ou melhoria de sua qualidade de vida, conforme ilustrado na Figura 05.

Figura 05 - Pirâmide da LSO

Fonte: Adaptado de Thomsom e Boutilier (2011), p. 1784

Para isso aponta-se um consenso da indústria extrativista e de energia de que se faz necessário manter uma reputação positiva, a busca pelo entendimento da cultura local, assim como sua linguagem e história, instruir a comunidade local acerca do projeto / empreendimento, assegurar consulta pública, assim como uma comunicação aberta, o mais cedo possível e de mão dupla entre todos os stakeholders (PNRO & SLOCOMBE, 2012; HANNA et al, 2016).

Entende-se que não seria suficiente a comunicação por meio de audiência pública, sendo esta uma obrigação legal já estabelecida, demandado que esta comunicação deve ser mais participativa. Desta forma, pretende-se garantir o empowerment local na tomada de decisões, com uma efetiva discussão e debate acerca dos desafios, oportunidades, ganhos e impactos em potencial (GOULART, 2009; PNRO & SLOCOMBE, 2012; CORSCADDEN; WILE; YIRIDOE, 2012)

A comunicação prévia e efetiva, constante ao projeto, é de suma importância para o relacionamento com a opinião pública, mídia de massa e mídias sociais. Verifica-se com o advento da justiça social o consequente empoderamento de parte das populações em vulnerabilidade social e situação de pobreza. Ou de agentes representativos ou solidários de seus problemas com poder de influência, tais como organizações não governamentais e órgãos reguladores (MAIA, 2014), ou até mesmo acionistas e investidores.

O referido empoderamento decorre muitas vezes da utilização de protestos como forma de ação política, reduzindo o desnível de poder existente e alterando a vantagem dos “oponentes”, em geral empresas, com maior poder econômico, ou poder público, com maior poder deliberativo.

Neste sentido Hanna, Vanclay, Langdon e Arts (2016) apontam mais de duzentos termos em um glossário de ativismo em prol da LSO, incluindo mecanismos como investimento ativista (comprar ações da companhia para intervir em suas decisões), advocacy4, lobbying, flashmob (coreografias coletivas para chamar a atenção de um evento ou causa), hacking (interrupção de recursos de informática), uso do humor como forma de protesto, greve de fome, petições online (tais como os coletivos Avaaz, Change, e MeuRio), publicações acadêmicas, vandalismo, tweeting, memes, dentre outros.

Todos estes constituem basicamente de mecanismos para conquista da opinião pública por meio da mídia de massa ou das redes sociais visando influenciar os tomadores de decisão, conforme ilustrado na Figura 06.

Figura 06 - Mecanismos pelos quais protesto social, e sua influência nos tomadores de decisão

4Intervenção política de um indivíduo ou organização com o objetivo de influenciar a formulação de políticas ou a alocação de recursos públicos de forma a promover a mobilização civil e a ação coletiva em defesa dos interesses que defendem.

Fonte: Hanna et al (2016), p. 219

Em comum estes mecanismos coincidiriam em sete funções: 1) informar, 2) captar recursos, 3) dar publicidade, 4) mobilizar, 5) construir solidariedade para uma causa, 6) estabelecer pressão política, ou 7) exercer ação direta (desobediência civil, como bloqueios de estradas, e greves). Todos estes com potencial de gerar prejuízos para os empreendimentos econômicos que se tornam alvo de suas ações, podendo ocasionar o boicote de produtos ou mesmo o abandono de certos investimentos.

Ao mesmo tempo em que estes autores apoiam o ativismo “bem feito”, é digno de crítica “ativistas que fazem muito barulho, mas não oferecem qualquer solução” (LOWEY, 2016), reiterando desta forma que o diálogo deve estar aberto em ambas as direções, empresa e sociedade, em prol do estabelecimento de soluções conjuntas (VIANNA, 2013).

É importante ressaltar como mecanismos da licença social, além da comunicação já citada, a transparência, o desenvolvimento de mecanismos de resolução de conflitos, e a participação democrática no processo decisório, deixando a indústria de legitimar-se somente na esfera econômica e acrescentando legitimidade sociopolítica. Esta última ocorre através da participação da comunidade e dos diferentes públicos de interesse, sejam lideranças ou mesmo vozes dissonantes na comunidade, gerando confiança interacional por um debate de mão dupla (empresa>comunidade e comunidade>empresa) e culminando na confiança institucionalizada. São os chamados “quatro níveis de LSO”. Olivos (2015) identifica dimensões de desempenho econômico e social de um projeto de investimento industrial, alertando que a sociedade:

(...) não deve aceitar a geração de emprego como o único precedente que faz com que seja possível atuar moral e corretamente, que exige mais e melhor regulamentação como salvaguarda (OLIVOS, 2015:8).

O autor, assim como Marsico (2008) vão além, indicando desde as ofertas mais básicas da empresa, de geração e empregos, objetivos econômicos tais como lucros para a empresa, impostos e taxas para o poder público, propondo ainda a prática da filantropia para apoio a causas sociais e ambientais, e até mesmo o atendimento às normas da comunidade (local), e àquelas estabelecidas e/ou consensuadas na sociedade mais ampla, na nação ou mesmo internacionalmente. O Quadro 02 ilustra essas duas dimensões e seus desdobramentos

Quadro 02 – Metas possíveis da LSO Dimensões de

Desempenho Variáveis Dimensões Definição

Econômico Capacidades Utilidades Capacidade de gerar utilidades.

Competências Capacidade de alcançar seus objetivos econômicos.

Social

Benevolência

Contratação Contratação de membros da comunidade.

Filantropia Doação de recursos para obras sociais para a comunidade.

Diálogo Frequência de espaços de comunicação entre a empresa e a comunidade.

Integridade

Micronormas

Respeito às normas do contrato social estabelecidas pela própria comunidade através da tradição e dos costumes.

Hipernormas

Respeito às normas do contrato social que vão além da comunidade e devem ser seguidas pela sociedade como um todo.

Fonte: Olivos (2015)

Em termos de rotinas para o alcance e manutenção da LSO, Boutilier e Thomsom (2011) propõem que se começa com a estratégia da empresa, e a incorporação na mesma dos subsídios dos diversos stakeholders, suas demandas, impactos, sugestões e críticas. Isso de forma estruturada, indo além da simples consulta das lideranças já constituídas na comunidade local, buscando também as vozes críticas, e suas contribuições ao processo.

Verifica-se assim um processo contínuo partindo da legitimidade, situação de baixo capital social auferido, ou seja, baixa confiança, passando pela credibilidade e culminando na confiança total, conforme Figura 07, situação em que a empresa estabelece um “legado” na comunidade (TESCHNER, 2013), nos limites de poder de influência e responsabilidade da empresa.

Figura 07 - Construção de capital social, para obter um maior nível de licença social

Fonte: Boutilier e Thomsom (2011), p. 1782

Os autores Que, Awuah-Offei e Samaranayake (2015) vão além e propõem quatro dimensões de avaliação da LSO, a saber:

1. Social: considera as mudanças populacionais ocasionadas, melhoria (ou piora) de infraestrutura, impactos culturais, e potencial aumento da criminalidade e do tráfego; 2. Econômica: enfoca em oportunidades de emprego, elevação da renda, valorização e

especulação imobiliária, e a escassez de mão-de-obra para outras ocupações;

3. Ambiental: leva em conta a poluição sonora gerada pelo empreendimento (em sua implementação e após), além da escassez ou contaminação da água e da terra, e a poluição do ar; e por fim

4. Governança e outras: tomada de decisão sobre licenças e permissões para operação o projeto, disponibilidade e transparência de informações, impactos do

empreendimento com foco nas comunidades circunvizinhas ao negócio e na sociedade em geral, e vida útil do projeto em questão.

Measham, Fleming e Schandl (2015) propõem, ainda neste sentido avaliativo, três níveis de impactos socioeconômicos relativos aos empreendimentos da indústria extrativista, ilustrados na Figura 08.

Figura 08 - Efeitos primários, secundários e terciários no desenvolvimento de comunidades locais

Fonte: Measham, Fleming eSchandl (2015), p. 103

Por fim, vale registrar que são comuns nas pesquisas sobre a sustentabilidade na mineração, atividades extrativas e de energia a ocorrência de estudos de caso (“cases”), o próprio estudo da licença social para operar, e as preocupações quanto a questões de accountability5 e ao engajamento da comunidade (WILSON, 2015). Neste sentido, a

seguir abordaremos o debate sobre a LSO na indústria e, posteriormente, a contribuição da literatura técnica e científica para a presente pesquisa.

2.4. ANÁLISE DAS PRÁTICAS INTERNACIONAIS DA INDÚSTRIA EM

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