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Neste tema, propõe-se delinear um conceito amplo de Justiça Restaurativa, sem, contudo, limitar-se a contrapô-la à Justiça Retributiva. Pretende-se pontuar as questões relativas aos seus pressupostos e princípios.

A abordagem inicial será, assim, a especulação destes aspectos: identificar os principais elementos epistemológicos formadores do modelo de Justiça Restaurativa, para, então, o próximo tema cuidar dos modelos de resolução de conflitos que podem estar inseridos na Justiça Restaurativa.

Tal metodologia mostra-se importante, pois, como explica Prudente (p. 42, in SPENGLER; LUCAS, 2011), a fim de avaliar o quão restaurativo é essa prática, é imperioso examinar o que existe de “restaurativo tanto em seus valores quanto em seus processos, pois valores e processos são inseparáveis, posto que valores determinam o processo e o processo torna visíveis os valores”.

Não obstante inexistir um único conceito teórico sobre a justiça restaurativa, é possível encontrar em suas práticas elementos que se distinguem daqueles já conhecidos da justiça criminal tradicional e a própria justiça consensual tradicional.

Foi no século XX que emergiu a ideia de reparação do dano como uma modalidade de pena, bem como da vitimologia como uma nova disciplina. Apenas depois, todavia, que se passa a falar acerca do novo papel para a reparação do dano de forma mais precisa (GIAMBERARDINO, 2014, p. 127).

André Ribeiro Giamberardino (2014, p. 127), lista, em primeiro lugar, Giorgio Del Vecchio como fundador dos primeiros pressupostos do novo paradigma, que, em 1965, defendeu que a compensação, inclusive simbólica, “seria a única forma de atender às expectativas de justiça da vítima e da coletividade”. O próximo, em 1977, é Randy Barnett que doutrinou a favor da “restituição pura” como um novo modelo para a justiça penal, assim: “o conceito de ‘crime’ seria visto como uma nova ofensa a direitos de alguém, e não do Estado, consistindo sua forma pura na compensação pelo dano causado sem passar pela imposição de sofrimento ao ofensor” (GIAMBERARDINO, 2014, p. 127).

Giamberardino (2014, p. 127), por fim, cita o psicólogo Alberto Eglash como responsável por introduzir o termo “justiça restaurativa” no contexto ocidental. Aliás, tais autores contribuíram para se alcançar a “reabilitação” do acusado sem utilizar-se do recurso à privação de liberdade. A justiça restaurativa, nesses termos, acabou por se

classificar como uma terceira possibilidade ao lado da justiça “retributiva” e “distributiva”, caracterizando-se, também, como criativa, eis que conta com a participação dos diretamente envolvidos (GIAMBERARDINO, 2014, p. 127).

Embora diversos autores admoestem sobre o reducionismo que poderá resultar a tentativa de conceituar de forma unívoca a justiça restaurativa, como alerta Sica (2015, p. 417), que defende que a riqueza da proposta da restauração “está, justamente, na diversidade e na flexibilidade, o que permite a sua melhor adaptação a diferentes cenários sociais”, cumpre, aqui, colacionar marcos jurídicos internacionais importantes sobre a justiça restaurativa.

A Resolução n. 2002/12, da ONU, intitulada “Princípios básicos para utilização de programas de justiça restaurativa em matéria criminal”, adotou conceito amplo e bem-vindo, pois visa amparar a institucionalização do novo modelo nos Estados:

Processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e círculos decisórios (sentencing circles) (BRASIL, 2002).

De forma mais recente, em 25 de outubro de 2012, o Parlamento Europeu e do Conselho, adotaram a Diretiva n. 2012/29/UE, que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade. Neste ato, justiça restaurativa é entendida como um “processo que permite que a vítima e o autor do crime participem ativamente, se o fizerem com o seu livre consentimento, na resolução de questões decorrentes do crime mediante a ajuda de terceiros imparciais” (UNIÃO EUROPEIA, 2012).

Em síntese, Neemias Moretti Prudente (p. 42 in SPENGLER; LUCAS, 2011) define a justiça restaurativa como um novo modelo de resolução de conflitos, no qual as partes envolvidas no conflito (vítima, infrator e comunidade – primária e/ou secundária) se encontrarão e buscarão, através de diálogo/consenso e com a ajuda de um facilitador capacitado, a solução da divergência, a reparação dos danos – sentido lato – e a reintegração das partes, como medida conveniente para todos.

No que toca aos processos (práticas), as formas mais conhecidas de Justiça Restaurativa são resumidamente em três, quais sejam:

I) Mediação vítima-ofensor, que consiste no encontro entre vítima e ofensor; II)

Conferências familiares – nesses encontros, além da vítima e do ofensor, se incluem

os familiares ou pessoas de apoio do ofensor e da vítima, e ademais tendem a participar agentes do Estado, como a polícia e assistentes sociais; III) Círculos, além de incluir a vítima e o ofensor, seus respectivos familiares e apoios, estão abertos a qualquer pessoa representativa da comunidade que tenha um interesse em envolver- se no assunto. Os membros do sistema judicial também podem participar. (PRUDENTE, p. 43 in SPENGLER; LUCAS, 2011).

Vale assinalar que a justiça restaurativa também tem sido representada como modelo compatível com as crenças espirituais dos cristãos, judeus, indígenas, muçulmanos e outros grupos religiosos (WOOLFORD; RATNER, 2008, p. 65, tradução nossa)19. Da mesma forma, as práticas restaurativas são frequentemente entendidas dentro de uma perspectiva de justiça social mais ampla, a qual objetiva a transformação das relações sociais injustas (WOOLFORD; RATNER, 2008, p. 65, tradução nossa)20. Por fim, alguns consideram a justiça restaurativa como um estilo de vida, no sentido que devem andar em sintonia com o que falam – “walk the talk” – acerca da justiça restaurativa em todas as dimensões de seus cotidianos (WOOLFOR; RATNER, 2008, p. 65, tradução nossa)21.

Giamberardino (2014, p. 128) orienta no sentido de a denominação do novo paradigma, como “restauração”, “restituição criativa”, mediação, não deve implicar tanto no estudo em si, uma vez que “nomes” muitas vezes podem trazer consigo vícios e experiências que não correspondem ao que se pretende. O cerne do novo modelo está, nas palavras de Giamberardino (2014, p. 128), “na participação ativa e criativa dos sujeitos criminalizados e vitimizados, na criação de espaços e oportunidades de diálogo e mútua compreensão”.

Conformem também definem Andrew Woolford e R.S. Ratner (2008, p. 65, tradução nossa) 22, o processo da justiça restaurativa tipicamente acentua a participação da vítima e do ofensor, e, às vezes, da comunidade, em um encontro facilitado. Os objetivos dela, por sua vez, incluem promover a empatia, reparar o dano e reintegrar o ofensor. Seus valores concentram-se na oposição entre a justiça retributiva e a restaurativa. Isto é, esta última é conhecida por possuir valores na cura, na não coerção, amor, cuidado, participação democrática, as quais são opostas a orientação do direito penal formal, que, por sua vez, é punitivo, coercitivo e alienante (WOOLFORD; RATNER, 2008, p. 65, tradução nossa)23.

De forma análoga, Prudente (p. 43, in SPENGLER; LUCAS, 2011), citando Van Ness e Strong (1997, p. 42), elenca quatro valores centrais da justiça restaurativa, quais sejam: I) encontro, II) participação, III) reparação e IV) reintegração.

19 Restorative justive ha salso been represented as consistent with the spiritual beliefs of Christians, Jews,

aboriginal peoples, Muslims and other religious groups.

20 Likewise, restorative justice is often undertood to fit within a broader social justice perspective that seeks to

transform unjust social relations.

21 Finally, some consider restorative justice a lifestyle, in the sense that practitioners and advocates must ‘walk

the talk’ of restorative justice in all dimensions of their everyday lives.

22

Restorative justice process typically emphasise the participative involvement of victim and offender, and sometimes the community, in a facilitated encounter.

23 The goals of restorative justice include promoting empathy, repairing harm and reintegrating offenders. The

values of restorative justice centre on key oppositions between restorative and retributive justice. Restorative

justice is said to possess values of healing, non-coercion, love, caring and democratic participation that are contrary to the adversarial orientation of formal criminal law, wich, acoording to restorative justive advocates, is punitive, coercive and alienating.

Sob outro prisma, Howard Zehr (2008, p. 170), da mesma forma como assinalado por Randy Barnett, antes de introduzir a concepção de justiça restaurativa que defende, entende ser necessário a problematização do conceito do crime. É que o autor reconhece diferentes olhares sobre o significado do crime, pois acredita que este é compreendido segundo o paradigma adotado. Assim:

Justiça retributiva: O crime é uma violação contra o Estado, definida pela desobediência à lei e pela culpa. A justiça determina a culpa e inflige dor no contexto de uma disputa entre ofensor e Estado, regida por regras sistemáticas. Justiça restaurativa: O crime é uma violação de pessoas e relacionamentos. Ele cria a obrigação de corrigir os erros. A justiça envolve a vítima, o ofensor e a comunidade na busca de soluções que promovam reparação, reconciliação e segurança.

Em outras palavras, o crime não é uma ofensa em primeiro plano contra a sociedade tampouco contra o Estado. O crime possui uma dimensão interpessoal, ou seja, é, primeiramente, uma ofensa contra as pessoas e por tal motivo a resposta deve-se partir delas (ZEHR, 2008, p. 172).

Convém assinalar que o autor Zehr (2008, p, p. 173) indaga-se acerca da adequação do termo crime, pois não acredita que este seja adequado para o novo paradigma. Apesar disso, optou por continuar com o uso dessa palavra, uma vez que não encontrou nenhum substituto aceitável.

Isto dito, o crime envolve quatro dimensões de violações que precisam ser sanadas, quais sejam: a) a vítima, b) os relacionamentos interpessoais, c) o ofensor, d) a comunidade, sendo que a justiça restaurativa concentra seus esforços primeiramente nas duas primeiras dimensões, diferente do que ocorre na justiça retributiva (ZEHR, 2008, p. 173).

Como o novo paradigma tem como objeto a restauração, a questão central não é mais no que devemos fazer ao ofensor ou o que ele merece em razão de sua conduta, mas sim na seguinte pergunta: “O que podemos fazer para corrigir a situação?” (ZEHR, 2008, p. 175).

Howard Zehr (2008, p. 176) defende que a justiça é restauração, o que implica que aquela deverá reparar a lesão e promover a cura. Em segundo plano, portanto, a justiça deve procurar sanar o relacionamento entre vítima e ofensor, isto é, a reconciliação. E continua:

A restituição representa a recuperação de perdas, mas sua verdadeira importância é simbólica. A restituição significa um reconhecimento do erro e uma declaração de responsabilidade. A correção do mal é, em si, uma forma de expiação que poderá promover a cura mais eficazmente do que a retribuição (ZEHR, 2008, p. 181).

Na definição de Tony Marshall (1999, p. 5, tradução nossa),24 justiça restaurativa é um novo tipo de abordagem ao crime que inclui uma resolução para este, na qual envolve as próprias partes e a comunidade em geral. Define que justiça restaurativa não é nenhuma prática particular, mas um conjunto de princípios que orienta a prática geral de qualquer órgão ou grupo em relação ao crime (Marshall, 1999, p. 5, tradução nossa)25. Trata- se, nas palavras de Giamberardino (2014, p. 2014), “de visão minimalista ou pura, que prioriza a efetiva resolução de conflitos por mecanismos de mediação e traz um conceito de reparação simbólica, não apenas pecuniária”.

Sob esse ângulo, a restauração apenas existirá se houver, ao menos, a tentativa de promoção de um encontro entre vítima e ofensor, bem como entre seus próprios círculos familiares e sociais. Além do mais, nessa perspectiva, esses – vítima e ofensor – são quem devem debater e construir a proposta de acordo de reparação simbólica (GIAMBERARDINO, 2014, p. 130).

Em decorrência de tais premissas, isto é, em razão da mediação se desvincular do resultado final de acordo, é notório a não instrumentalidade dela em relação ao processo penal. Sica (2015, p. 419) entende que tal aspecto é resultado de um simples motivo: “a mediação penal não é um meio e sim um fim, uma atividade cujo alcance pode resultar em solução que indique a desnecessidade de pena, afastando as necessidades materiais de acionamento da tutela penal repressiva”.

A mediação, nesse prisma, é capaz de agir como fator de estabilização social, como instrumento de veiculação do consenso. O ofício de mediação aparece, então, como esfera pública, que produz, nas palavras de Leonardo Sica (2015, pp. 419-420), “reconhecimento recíproco entre as pessoas, propagado sobre a forma de discurso; esclarecimento e confirmação de reinvindicações legítimas geradas ao redor de expectativas normativas transmitidas pela lei”.

Nessa perspectiva, Sica (2015, p. 419) define o melhor conceito de mediação que se encaixa no âmbito da construção do novo paradigma e, em seguida, relaciona os principais requisitos para qualificar a medicação penal e de outras esferas:

a mediação é uma reação penal (concebida sob o ponto de vista político-criminal) alternativa, autônoma e complementar à justiça formal punitiva, cujo objeto é o crime em sua dimensão relacional, cujo fundamento é a construção de um novo sistema de regulação social, cujo objetivo é superar o déficit comunicativo que

24 Justice restorative is a problem-solving approach to crime which involves the parties themselves, and the

community generally, in an active relationship with statutory agencies.

25 It is not any particular practice, but a set of principles which may orientate the general practice of any agency

resultou ou que foi revelado pelo conflito e, contextualmente, produzir uma solução consensual com base na reparação dos danos e na manutenção da paz jurídica. [...]

Em suma, os requisitos para qualificar a mediação penal são: voluntariedade; confidencialidade e oralidade, informalidade; neutralidade do mediador; ativo envolvimento comunitário; autonomia em relação ao sistema de justiça. Existem características comuns às mediações promovidas em todos os âmbitos (penal ou não): a intervenção de terceiros imparciais na função de facilitadores, o envolvimento das partes em conflito, o consenso das partes à atividade de mediação e a natureza extrajudicial.

Para a perspectiva maximalista, conforme classifica André Giamberardino (2014, p. 130), “é admissível a inclusão da coerção à cooperação e possível a ressignificação do processo penal tradicional e da pena estatal sob o prisma da restauração”. Nessa, em regra, o cerne da restauração desloca-se “para a reparação dos danos sofridos sob um prisma compensatório ou retributivo, mais preocupado com a reparação financeira/pecuniária da vítima” (GIAMBERARDINO, 2014, p. 130).

Nos termos propostos por Johnstone e Van Ness, citado por Giamberardino (2014, p. 130), tanto a concepção minimalista como a maximalista podem diferenciar-se segundo o enfoque ao encontro ou à reparação, pois aqueles assinalam que as perspectivas devem se complementar, e não se excluir.

Por fim, outros dois aspectos da justiça restaurativa necessitam ser esclarecidos: a questão do “empowerment”26 dos indivíduos envolvidos e os limites da influência da Vitimologia neste paradigma.

Mosconi (2000, p. 57), citado por Leonardo Sica (2015, pp. 418-419), ressalta, no modelo de restauração, a necessidade de “empowerment” como fundamento de uma nova subjetividade que outorga aos envolvidos papel ativo, de redefinição de problemas, de reafirmação de sua autonomia e poder, em todos os âmbitos, como culturais, políticos e psicológicos. Isso se dá, segundo o autor, a partir das diferentes orientações presentes que são capazes de fluir na justiça restaurativa, o que, por outro norte, “são sufocadas pelas abstrações e esquematizações pelo sistema tradicional e estruturas burocráticas correspondentes, cuja

26 Leonardo Sica entende insuficiente e redutiva e tradução de “empowement” por apoderamento ou

empoderamento. Nesse sentido, Marshal, Bayack e Bowen (2005, p. 273), citados por Sica (2015, p. 417-418),

assim definem: “[...] todo ser humano requer um grau de autodeterminação e autonomia em suas vidas. O crime rouba este poder das vítimas, já que outra pessoa exerceu controle sobre elas sem seu consentimento. A Justiça restaurativa devolve os poderes a estas vítimas, dando-lhes um papel ativo para determinar quais são as suas necessidades e como estas devem ser satisfeitas. Isto também dá poder aos infratores de responsabilizar-se por suas ofensas, fazer o possível para remediar o dano que causaram e iniciar um processo de reabilitação e reintegração”. E Leonardo Sica (2015, p. 418) continua em suas palavras: Aprimorando essa definição e adequando-a aos moldes do presente estudo, o “empowerment” verifica-se com a recuperação do poder de diálogo e entre as partes, suprimido pelo processo penal, assim como o poder de evitar o processo e definir outras formas de regulação social distintas daquela única oferecida pelas agências judiciais tradicionais.

transformação também se insere dentro dos objetivos da justiça restaurativa” (SICA, 2015, pp. 419).

A crítica que, em regra, cerca o aspecto do papel ativo da vítima na justiça restaurativa refere-se à possível reintrodução da vítima na condução do evento criminoso. Contudo, tal afirmação merece adequada ponderação, como alerta Santos (2013, pp. 126- 127).

Não obstante ela tenha acolhido influências da Vitimologia, a justiça restaurativa jamais se propôs a buscar a troca da atual postura estatal, a qual rejeita o sujeito passivo na solução do conflito, no lugar de uma ditadura da vítima em uma postura desfavorável ao ofensor (SANTOS, 2013, pp. 126-127). Isso porque, como esclarecido por Leonardo Sica, o “empowerment”, isto é, o papel ativo, é entregue tanto à vítima como ao seu ofensor.

Não há, portanto, falar-se em legitimação de respostas advindas do possível ódio cultivado pela vítima, eis que a justiça restaurativa não foi recebida com o escopo para legitimar a vingança. Exatamente para evitar tais posturas, todos os envolvidos, nos encontros restaurativos, devem “estar cientes de que os direitos das partes estão igualmente resguardados, não havendo uma espada apontada para a cabeça do autor do delito” (SANTOS, 2013, p. 127).

Tal qual apontado por Santos (2013, p. 128) no que toca à coexistência da justiça restaurativa e do Direito Criminal, neste trabalho, defende-se uma atuação complementar do paradigma restaurativo no sistema socioeducativo atualmente em voga, postura na qual acaba por enfatizar o princípio da intervenção mínima defendido pela própria Doutrina da Proteção Integral.

Isso porque, como visto no tópico anterior, ambos os modelos, tanto da restauração como do sistema socioeducativo referem-se a novos paradigmas, cujos objetivos são convergentes: rompem a natureza retributiva e coercitiva da resposta do Estado diante de adolescentes em conflito com a lei penal.

Portanto, não há se falar em confronto entre o sistema socioeducativo e a justiça restaurativa, como ocorre quando na esfera da justiça retributiva, mas sim em complementariedade da restauração. De outro norte, como já sustentado, é necessário também compreender os aspectos negativos das medidas socioeducativas, em especial, aquelas consubstanciadas em privação de liberdade, assim como a falha interpretativa de diversos atores jurídicos ao aplicarem aquelas.

É por tais razões que se reconhece o modelo restaurativo conciliável e, notadamente, desejável também no âmbito da justiça juvenil.

Veronese (2015, pp. 282-283), ao abordar a justiça restaurativa e a responsabilização estatutária, argumenta que, por esses motivos, o SINASE encontrou forças e espaço nos que concebem o Sistema Estatutário como modelo, o qual incentiva, sempre que possível, a reparação dos atos lesivos, a integração social do adolescente, bem como a desaprovação da conduta que caracterizou o ato infracional.

Para finalizar a presente análise, é imprescindível registrar que, tal qual o novo paradigma restaurativo, o sistema de medidas socioeducativas pretende “a superação das velhas concepções autoritárias de defesa social e de caráter retributivo, pois sabemos que a melhor alternativa de superação à violência é a emancipação humana” (VERONESE, 2015, p. 283).

Sendo assim, reconhecendo-se a complementariedade entre os modelos de restauração e socioeducativo, resta examinar, de forma perfunctória, como vem acontecendo a reprodução de tais práticas em âmbito internacional e nacional.