• Nenhum resultado encontrado

JUSTIÇA RESTAURATIVA NO PODER PODER JUDICIÁRIO CATARINENSE: o desafio do novo modelo criminal na Vara da Infância e Juventude de Florianópolis

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "JUSTIÇA RESTAURATIVA NO PODER PODER JUDICIÁRIO CATARINENSE: o desafio do novo modelo criminal na Vara da Infância e Juventude de Florianópolis"

Copied!
81
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO

PRISCILA ROSARIO FRANCO

Justiça Restaurativa no Poder Judiciário catarinense

o desafio do novo modelo criminal na Vara da Infância e Juventude da Capital.

Florianópolis 2015

(2)

PRISCILA ROSÁRIO FRANCO

Justiça Restaurativa no Poder Judiciário catarinense:

o desafio do novo modelo criminal na Vara da Infância e Juventude da Capital.

Monografia submetida ao Centro de Ciências Jurídicas da Univerdade Federal de Santa Catarina para obtenção do Grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa. Co-orientadora: Prof. Me. Fernanda Martins.

Florianópolis 2015

(3)
(4)
(5)

AGRADECIMENTOS

Não há como não começar por eles, meus pais. Obrigada por tantos anos de amor, carinho, paciência e ensinamentos. Eles representam tudo que busco construir na minha vida: caráter, honestidade e amor. E é com eles que quero compartilhar minhas conquistas. Obrigada por estarem aqui, sempre.

Às minhas avós, por representarem tão lindamente essa figura de ser mulher, mãe, avó, tia, amiga. Meu carinho por elas é infinito. Um agradecimento especial à minha vó Ló, pois esteve ao meu lado nessa caminhada, inclusive me proporcionando um teto. Obrigada por acreditarem em mim.

Aos meus avôs, que, embora não estajam mais aqui, são exemplos que carrego na minha vida, principalmente na vida profissional. São duas as principais lições que levo da vida deles: exercer aquilo que se ama é compensatório e suficiente para continuar até os 90 e tantos anos de vida; trabalhar e não se esquecer de sua família é essencial. Saudades. Muito obrigada.

Ao meu irmão. Ele que me defendeu no colégio, ajudou-me nos deveres de casa, tomou conta de mim enquanto nossos pais trabalhavam, além de ter me acompanhado nas primeiras saídas da minha adolescência. Eu sei que ele estará ao meu lado para sempre, assim como eu também ficarei ao seu lado sempre. Obrigada por ser, verdadeiramente, meu irmão.

À minha madrinha, por tamanha confiança e torcida. Ela foi a minha primeira influência para seguir a área jurídica e nunca me abandonou nesse percurso. Obrigada por me apresentar o direito, obrigada por ser minha segunda mãe.

Ao meu padrinho, que, enquanto esteve aqui, cuidou com muito carinho de todos e sempre deu atenção à minha família. Obrigada e sentimos sua falta.

Às minhas tias e aos meus tios. Porque eles sempre estão comigo nos momentos bons e ruins e também representam uma enciclopédia de ensinamentos e exemplos. Muito obrigada.

Às minhas primas e aos meus primos. Nós crescemos juntos e construímos uma amizade única. Podemos permanecer longos períodos sem nos reunirmos, mas quando o fazemos é inesquecível. Obrigada por estarem e fazerem a minha família. Obrigada especial à minha prima Maria Júlia. Porque ela foi minha primeira amiga em Florianópolis e, desde então, não me largou.

(6)

Às minhas amigas de infância, Bárbara, Beatriz, Cinthia, Edla, Johanna, Larissa, Maria Júlia, Mariana, Thienne. Elas estão nas minhas memórias mais gentis e continuam fazendo parte das mais recentes. Obrigada por me acompanharem.

Às minhas colegas de faculdade, amigas que o destino me presenteou em um período da minha vida já tão especial. À Diana, Isabela, Helena, Mariana, Naiana, Nicole. Nossas noites de aula e manhã e tardes de estágio obrigatório tornam-se momentos agradáveis em razão do carinho, risada, presença e fala de cada uma. Elas são as cerejas do meu bolo que, sem essas, ele não teria cor. Obrigada a todas.

Não posso deixar de agradecer todos os profissionais que me orientaram em meus estágios, em especial, a Dra. Brigitte Remor de Souza May e sua equipe, Juniara e Álvaro, pessoas responsáveis por despertarem meu interesse na área dos direitos da criança e do adolescente, inclusive ao tema proposto neste trabalho.

Por fim, ao Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa, orientador. Em especial, à Prof. Me. Fernada Martins, minha coorientadora, que também é responsável pela produção deste trabalho. Obrigada por ter aceitado esta tarefa, por ter apontado meus erros, mas também meus acertos.

(7)

Para fazer uma descoberta, é preciso desconfiar das ideias que estão em voga – e desconfiar não pelos simples prazer de desconfiar, mas seriamente. Existem muitas ideias completamente falsas que estão estabelecidas há muito tempo e ninguém se dá conta disso. Penso que esta é a parte mais difícil: pensar de uma maneira diferente daquela a que estamos habituados. Uma ideia nova só aparece quando deixamos de acreditar na antiga. (Niels Kaj Jerne)

(8)

RESUMO

Este trabalho tem como proposta analisar o novo paradigma de justiça criminal, a Justiça Restaurativa, e suas experiências na Vara da Infância e Juventude de Florianópolis, Santa Catarina. O corrente sistema de justiça penal, inclusive o sistema socioeducativo, requer a adoção de um novo método. Como resposta, as experiências do Projeto de Mediação têm apresentando resultandos satisfatórias. Além disso, tais práticas também são diretrizes da Lei 12.594/12, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Isso representa um novo olhar sobre como lidar com os atos infracionais, que destaca não o ato ofensivo, mas as necessidades dos envolvidos, assim como a de reparar o dano. Esta pesquisa se concentra na aplicação prática da justiça restaurativa na capital de Santa Catarina, representando uma alternativa de sociabilidade. Ademais, também é objetivo deste trabalho o estudo da violência contemporânea e a construção social em relação ao adolescente em conflito com a lei. A justiça restaurativa aceita o fato do clássico sistema punitivo se preocupar demais com o aparato do Estado, além de se concetrar apenas na apreciação da infração na busca pela pena do acusado. Este modelo, por sua vez, contém uma legalidade original e emancipatória, constituindo um processo multifacetado de construção democrática social e dialógica. Sobre o projeto na jurisdição de Florianópolis, este trabalha com duas formas de mediação: mediação judicial e a mediação extrajudicial. As perspectivas da Justiça Restaurativa são encorajadores no Sul do Brasil, especialmente porque ela permite que o adolescente autor de ato infracional e a vítima pensem sobre a infração cometida, pondo fim às possíveis angústias dos envolvidos.

Palavras-chave: justiça restaurativa; medidas socioeducativas; modelo protetivo; atuação

(9)

ABSTRACT

The purpose of this study is to analyze the new paradigm of criminal justice, the Restorative-justice, and its experience at the Child and Youth Court in Florianópolis’s jurisdiction, Santa Catarina, Brazil. The current justice system requires a new type of method. To reply this status, the experience known as the “Mediation Project” has appeared as a successful outcome. Moreover, it means a new approach about how to deal with infractions, which highlights not only the act offensive, but the needs of those involved and the damage’s repair. This research is concerned with the practical application of restorative-justice in Santa Catarina’s Capital, presenting an alternative sociability. Furthermore, calling attention to the contemporary violence and the social construction of prejudice in relation to youth in conflict with the law is also the aim of this study. Restorative-justice accepts that the classic punitive system focuses too much on State apparatus and the appreciations are concentrated on the infraction for the sight of this penance the accused. This matrix contains a legality original and emancipatory, making as a multifaceted proceeding of social democratic and dialogical construction. About the project in Florianópolis’s jurisdiction, it provides two forms of mediation: judicial mediation and extrajudicial mediation. The prospects of Restorative-Justice are encouraging in the South of Brazil, mainly because it allows the author and victim think over about the offense committed, putting an end to possible distress of the involved.

(10)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

CAPÍTULO I ... 13

Breves considerações históricas e filosóficas acerca das práticas judiciárias em resposta a atos infracionais ... 13

1.2 O paradigma do Direito do Menor e da Situação Irregular ... 14

1.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a doutrina da Proteção Integral ... 22

1.3 O novo olhar recepcionado pelo SINASE: práticas restaurativas ... 29

CAPÍTULO II ... 33

Justiça Restaurativa e Sistema Socioeducativo: modelos alternativos ou complementares? ... 33

2.1 Compreendendo as medidas socioeducativas no paradigma da doutrina da Proteção Integral ... 33

2.2 Justiça Restaurativa: fundamentos éticos e princípios ... 44

2.3 Os modelos de restauração no ordenamento jurídico internacional e nacional ... 51

CAPÍTULO III ... 58

A Justiça Restaurativa na Vara da Infância e Juventude de Florianópolis/SC ... 58

3.1 Dimensão prática e modelo do programa ... 59

3.2 A convivência simultânea dos dois paradigmas na Capital: avanços e desafios ... 66

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 71

REFERÊNCIAS ... 73

(11)
(12)

INTRODUÇÃO

Este trabalho propõe-se a examinar o novo modelo de justiça executado na Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis/SC desde 2011, assim como seu método de atuação, suas experiências, desafios e avanços. Trata-se do Centro de Justiça Restaurativa, uma iniciativa da Coordenadoria Estadual da Infância e da Juventude (CEIJ) do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a qual utiliza a metodologia da justiça restaurativa – mediação – com adolescentes em conflito com a lei.

A hipótese principal deste trabalho é, pois, a efetivação do novo paradigma da Proteção Integral no que tange a adolescentes autores de atos infracionais, na capital catarinense, através da justiça restaurativa, e não mais por intermédio apenas da tradicional aplicação de medida socioeducativa. Tal postura revela-se importante, não em razão, tão somente, dos problemas enfrentados pelo atual sistema, o que também, de fato, justifica-a, mas, principalmente, da necessidade de olhar o fenômeno do ato infracional e a produção de justiça através de outras lentes.

Para tal fim, a metodologia do primeiro capítulo concentra-se no estudo histórico e filosófico da figura da criança e do adolescente na sociedade, assim como os principais instrumentos legais de cada período e seus discursos elaborados pelos intérpretes de cada modelo. Assim, inicialmente, aborda-se a postura do Estado em desprezar o papel da criança, vista como objeto de seus pais, assim como a ausência de entendimento quanto às suas peculiaridades. Em seguida, abordam-se as experiências do paradigma do “Direito do Menor”, recepcionada pelo Código de Menores de 1927, elaborado pelo jurista Melo Mattos. Este aparato jurídico e assistencial era voltado, exclusivamente, para as crianças, os adolescentes e os jovens no Brasil.

Nesse contexto, é importante elucidar, como fez a historiadora Maria Luisa Marcílio, a diferença entre a existência de dois tipos de crianças na sociedade brasileira, a qual, pode-se afirmar, sobrevive até hoje:

A distinção entre a criança rica e a criança pobre ficou bem delineada. A primeira é alvo de atenções e das políticas da família e da educação, com o objetivo de prepará-la para dirigir a sociedade. A segunda, virtualmente inserida nas ‘cprepará-lasses perigosas’ e estigmatizada como ‘menor’, deveria ser objeto de controle especial, de educação elementar e profissionalizante, que a preparasse para o mundo do trabalho. Disso

(13)

cuidaram com atenção os médicos higienistas e os juristas das primeiras décadas deste século (1989, p.224, apud MIRANDA, p. 86, in MIRANDA, 2010).

Esse diploma trouxe, assim, a primeira doutrina, conhecida como “Direito do Menor”, a qual tratava crianças como meros objetos, e não sujeitos de direito. Tal norma atribuiu ao Estado a tutela apenas daquelas crianças descritas em um segundo momento pela historiadora Maria Luisa Marcílio, isto é, aquelas não inseridas em uma família padrão, chamadas também de “expostos”, “abandonados”, “vadios”, “mendigos”, “libertinos” (FARIAS, 2010, p. 177, in MIRANDA, 2010).

Em um segundo momento, ainda no primeiro tópico, trabalha-se com o Código de Menores de 1979, o qual trouxe a Doutrina da Situação Irregular como paradigma de sua atuação no que toca a crianças e adolescentes em conflito com a lei. Pretende-se defender, assim, que tal período tratou-se apenas de uma substituição de terminologias, pois a ênfase dos direitos infanto-juvenis permaneceu nas questões problemáticas extrafamiliares, restringindo sua abordagem apenas às crianças privadas das condições essenciais de sobrevivência. Isto é, vivia-se a confusão da criança delinquente e carente.

Por fim, procura-se examinar a evolução no âmbito legislativo com a recepção da doutrina da Proteção Integral através da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, as interpretações dos estudiosos e atores do sistema de justiça, além da avaliação desse mesmo paradigma no âmbito internacional. Além disso, apresenta-se o novo modelo de justiça proposta pela Lei n. 12.594/12, que busca a efetivação da doutrina da proteção integral na aplicação e, principalmente, na execução das medidas socioeducativas. Tal conquista trata-se de matéria que introduz um novo paradigma no tratamento legal brasileiro sobre a criança e o adolescente, pois os consagra como pessoa em desenvolvimento biopsicossocial e sujeito de direitos.

A confirmação da hipótese deste trabalho acontece no terceiro capítulo, quando se explora o modelo de justiça restaurativa da Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis, assim como suas práticas e avanços. Contudo, o segundo capítulo é imprescindível como referencial teórico para essa conclusão, oportunidade em que verifica os hermeneutas da socioeducação, ou seja, os defensores, em síntese, do Direito Penal Juvenil e da responsabilização estatutária, além de uma análise crítica da aplicação da medida socioeducativa e de suas inegáveis marcas no adolescente autor de ato infracional. Além disso, o segundo capítulo também apresenta um novo modelo para efetivação da doutrina da proteção integral, a justiça restaurativa, seus princípios, valores e práticas, para, então, trazer

(14)

algumas experiências nacionais e internacionais que confirmam a possibilidade desse novo paradigma.

O conteúdo do segundo capítulo é essencial para a compreensão da importância do Centro de Justiça Restaurativa de Florianópolis. É que o reconhecimento dos direitos de cidadania à criança e ao adolescente no paradigma da proteção integral somente será possível no universo jurídico que se liberte das amarras do menorismo, da pretensão de ressocialização ou reeducação através da aplicação de medida socioeducativa, além de um reconhecimento fático quanto aos aspectos negativos de toda medida socioeducativa. Nesse sentido, abordam-se também os discursos da natureza e finalidade da medida socioeducativa à luz da criminologia crítica.

O paradoxo de privar ou restringir a liberdade, sejam nas prisões, nos reformatórios ou nos estabelecimentos educacionais, é produto da mesma cultura técnico-disciplinar que se fundamenta na ideia de transformas os indivíduos (KONZEN, 2007, p. 67). Conforme aponta Michel Foucault quanto às prisões, o que pode ser visto em relação às demais instituições, “Conhecem-se todos os inconveniente da prisão, e sabe-se que é perigosa quando não inútil. E entretanto não ‘vemos’ o que pôr em seu lugar. Ela é detestável solução, de que não se pode abrir mão” (1987, p. 261).

Nesse ponto, Afonso Armando Konzen traz os seguintes questionamentos a fim de instigar o proceder por um novo olhar:

Não se deveria, então, na perspectiva de que se ainda há espaços para pensar em saídas, centrar esforços na busca de alternativas ao proceder no lugar de justificar a medida com propriedades que ela não tem, como se mera diversão terminológica, de

estabelecimento penal da Lei de Execução Penal para estabelecimento educacional

do Estatuto, pudesse resignificar determinado provimento judicial? Não se deveria, no lugar de somente tentar melhor o que bravamente resiste a quaisquer melhoras, investir mais consistentemente em dimensões com a capacidade de evitar a institucionalização? (2007, p. 67).

Nesse sentido, a segunda seção deste trabalho reconhece que a doutrina proposta na década de noventa ainda deva ser considerada recente e em afirmação, ao mesmo tempo em que acredita que o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), instituído pela Lei n. 12.594/12, lança novo paradigma, reconhecendo, por conseguinte, o caráter reparador e restaurativo, que o sistema socioeducativa deve acolher, excepcionando, assim, a intervenção judicial e a imposição de medidas.

De fato, as experiências com as práticas restaurativas não aguardaram a publicação de mencionado diploma, mas, a partir dessa, não há dúvidas quanto ao

(15)

reconhecimento, pelo Estado, de que as práticas restaurativas são caminho para um tratamento de respeito com o adolescente, privilegiando a doutrina da proteção integral.

As experiências internacionais e, mais recentemente, nacionais de práticas restaurativas mostram-se, de fato, como resposta às angústias apontadas. O novo paradigma da criminologia, embora em seus diversos modelos, é conduzido sempre nos mesmos princípios e valores: guia-se em um procedimento de consenso, em que vítima, infrator e terceiros interessados, quando apropriado, no papel de sujeitos centrais, participam coletiva e ativamente na construção de soluções para a cura das feridas, dos traumas e perdas causados pelo crime.

No debate criminológico, o modelo restaurativo pode ser visto como uma síntese dialética, pelo potencial que tem para responder às demandas da sociedade por eficácia do sistema, sem descurar dos direitos e garantias constitucionais, da necessidade de ressocialização dos infratores, da reparação às vítimas e comunidade e ainda revestir-se de um necessário abolicionismo moderado (PINTO, p. 21, in SLAKMON, 2005).

Atenta para tais questões, foram implementados programas de Justiça Restaurativa no âmbito nacional no lugar da resolução de conflitos tradicionais produzidos pelo Poder Judiciário. Somam-se as experiências internacionais, a agenda política nacional no começo do Século XXI discutia, na esfera da reforma do Judiciário, demandas por:

uma justiça mais participativa, um mais amplo acesso ao direito e à construção das bases interpretativas do direito, sobretudo os sociais da população, marcadas por visão pluralista do direito, uma ampliação do acesso à justiça, um fortalecimento da dimensão de respeito aos direitos humanos e de uma justiça garantidora de direito sociais (MELO, p. 12, in MELO, EDNIR, CURI, 2008).

É nesse contexto que o último capítulo pretende analisar as experiências do judiciário catarinense através da justiça restaurativa com adolescentes autores de ato infracional, assim como reconhecer a hipótese principal deste trabalho: o Centro de Justiça Restaurativa de Florianópolis, portanto, adotando uma forma pedagógica sedimentada nos princípios das práticas restaurativas, representa a efetiva concretização da doutrina da proteção integral.

Quanto ao conteúdo do último capítulo o primeiro tópico desta seção, então, estabelece os procedimentos e métodos adotados pelo CJR para o atendimento do adolescente, enquanto o segundo tópico aborda a convivência do serviço da justiça restaurativa e do sistema tradicional da medida socioeducativa, elencando alguns aspectos fundamentais para o

(16)

aperfeiçoamento de suas práticas, como a produção de conhecimento acerca da justiça restaurativa e sua disseminação.

(17)

CAPÍTULO I

Breves considerações históricas e filosóficas acerca das práticas judiciárias em resposta a atos infracionais

O presente capítulo, como proposto em seu próprio título, não pretende esgotar suas considerações exclusivamente sob o ângulo normativo. A compreensão teórica das diferentes normas que disciplinaram o direito da criança e do adolescente durante séculos solicita uma abordagem interdisciplinar. É que as variações no olhar a criança e o adolescente decorrem, basicamente, da natureza social, política e histórica vivenciada em cada período.

Mary Del Priore (2010, p. 8) denuncia que tanto a história sobre a criança feita no Brasil, assim como no resto do mundo, vem demonstrando a existência de uma significativa “distância entre o mundo infantil descrito pelas organizações internacionais, pelas não governamentais e pelas autoridades, daquele no qual a criança encontra-se cotidianamente imersa.” Em seguida, a historiadora continua: “O mundo que a ‘criança deveria ser’ ou ‘ter’ é diferente daquele onde ela vive, ou no mais das vezes, sobrevive”.

Refletir tais questões, da mesma forma como o passado histórico, deve ser preocupação atual.

Substancial repisar, nessa perspectiva, a seguinte indagação feita pelo historiador inglês Arnold J. Toynbee: a história repete-se? (1976, p. 39. Apud SILVA; VERONESE, 1998, p. 11).

Nesse norte, o que se propõe nos próximos apontamentos é responder a questão ideada por Toynbee, examinando o universo da criança e do adolescente em diferentes períodos, a fim de traçar suas similitudes e seus contrastes.

Com o escopo de tornar mais didático este segmento do trabalho, a divisão escolhida para o capítulo traduz-se nas três principais correntes doutrinárias relativas à proteção da infância no Brasil (PEREIRA, 2008, p. 12), a saber, a) Doutrina do Direito Penal do Menor e b) Doutrina Jurídica do Menor em Situação Irregular, os quais serão trabalhados no mesmo item tendo em vista suas similitudes práticas; c) Doutrina Jurídica da Proteção Integral; além, por fim, daquela introduzida recentemente pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), referente a práticas restaurativas.

(18)

1.2 O paradigma do Direito do Menor e da Situação Irregular

Antes de ingressar no exame propriamente da questão do paradigma do direito do menos e da situação irregular, impõe-se proceder a um breve apanhado das principais correntes teóricas sobre o desenvolvimento da criança, sem, contudo, a pretensão de analisar de forma a esgotar tal análise. Apesar disso, pretende-se que o estudo seja suficiente a elucidar a recepção no ordenamento jurídico brasileiro da doutrina do Direito do Menor e, posteriormente, da Situação Irregular.

Durante séculos, as práticas e os meios de educação que se dava o desenvolvimento de cada indivíduo foram ignorados. Isso porque, partia-se de uma concepção de pré-formação, na qual o desenvolvimento humano dava-se totalmente dentro do esperma, sendo visto tal qual um adulto em miniatura (VIANNA, 2004, p. 12).

Na América colonial e na Inglaterra, entre os séculos XV e XVII, as práticas cruéis e desumanas aplicadas na educação infantil, como, por exemplo, o fato de crianças serem amarradas e sedadas para não desobedecerem, não foram sequer questionadas no decorrer dos tempos (VIANNA, 2004, p. 13).

Os primeiros estudos acerca do comportamento e desenvolvimento das crianças, por sua vez, foram realizados, dentre outros, pelos filósofos Locke, Rousseau e Sigmund Freud. Quanto ao primeiro filósofo, este rejeitou a idealização do conhecimento inato, reconhecendo que as crianças sofriam influências dos meios que iriam determinar suas histórias, além de assinalar a importância do ambiente para o desenvolvimento delas. Rousseau, contrariamente, propôs pela primeira vez a influência da herança genética, introduzindo, assim, o conceito de estágio, nos quais crianças se desenvolvem conforme suas potencialidades. Por fim, o psicanalismo de Sigmund Freud defendia que a individualidade é significativamente afetada pelo ambiente e pelas pessoas deste, inclusive ressaltou a fundamental importância da figura materna (VIENNA, 2004, p. 13).

Embora as diferentes teorias filosóficas apresentadas concentrassem seus estudos, pela primeira vez, no reflexo – ou não – do ambiente em que as crianças eram inseridas, perdurou por anos a fase da absoluta indiferença, em que não existiam normas relacionas a essas pessoas (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 72).

(19)

De tal modo, no Brasil, a assistência social foi marcada, desde a época colonial, pela caridade privada, sem intervenções significativas do Poder Público, apenas através de subsídios concedidos aos particulares, consistentes, de início, em doações em dinheiros a quem acolhesse crianças abandonadas e, após e concomitantemente, comtemplaram subvenções a entidades privadas de beneficência (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011 p. 26).

Amplamente conhecida na Europa, a tradição da roda dos expostos chegou ao Brasil quando, no século XVIII, reivindicou-se à Coroa a permissão de estabelecer uma primeira roda de expostos na cidade de Salvador/BA, junto à sua Misericórdia e nos moldes daquelas encontradas na Europa, em especial, em Lisboa (VIANNA, 2004, p. 20).

Essa instituição, que marcou por anos o assistencialismo nacional e apenas foi extinta em 1950 (VIANNA, 2004, p. 16), objetivava estimular a entrega de bebês que não eram aceitos por suas famílias, no lugar de serem abandonados nas ruas, lixos e em portas de residências.

O nome da roda provém do dispositivo onde se colocavam os bebês que se queria abandonar. Sua forma cilíndrica, dividida ao meio por uma divisória, era fixada no muro ou na janela da instituição. No tabuleiro inferior e em sua abertura externa, o expositor depositava a criancinha que enjeitava. A seguir, ele girava a roda e a criança já estava do outro lado do muro. Puxava-se uma cordinha com uma sineta, para avisar a vigilante ou rodeira que um bebê acabava de ser abandonado e o expositor furtivamente retirava-se do local, sem ser identificado (VIANNA, 2004, p. 17).

Não é preciso ler Oliver Twist1 para compreender a carência, ausência de recursos e corrupção vivenciadas nessas instituições, bem como a (ir)relevância acerca do desenvolvimento sadio dos pequenos institucionalizados nas casas de Misericórdia. Não há dúvidas que, durantes anos, os métodos de educação e convivência dentro das instituições eram cruéis e desumanos.

O caráter institucionalizador das ações assistencialistas do Estado refletiu durante toda a história da política pública nacional no que toca à matéria de crianças e adolescentes em conflito com a lei, ainda que, após a fase da absoluta indiferença com essas questões, as leis começaram a lhes serem aplicadas, porém com o único propósito de coibir a prática de ilícitos por aqueles (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 26).

A persistência dessa política assistencialista ocorreu em razão da “confusão conceitual entre crianças e adolescentes desvalidos em todos os seus direitos sociais fundamentais e adolescentes autores de crimes” (MACHADO, 2003, p. 28). Sob o olhar assistencialista, ambos os grupos recebiam o mesmo tratamento.

(20)

Assim, as primeiras legislações conferidas à criança e ao adolescente, na seara infracional, correspondem àquelas trazidas do próprio colonizador, como as Ordenações Afonsinas e Filipinas, além das legislações do Império, o Código Criminal do Império de 1830 e o Código Penal de 1890 (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 73).

O Código Penal de 1890, por sua vez, responsabilizava os atos na esfera penal a partir de seus 9 anos de idade. Em razão dessa imputabilidade penal juvenil, criam-se grandes instituições de internamento, com o objetivo de retirar as crianças das ruas como solução profilática. Isto é, internavam-se as crianças sem família, ou, como à época estigmatizadas, de “famílias com patologia social” ou “degenerescência hereditária”, ou, ainda, sem condições financeiras ideias (VIANNA, 2004, p. 25).

Como dito anteriormente, o tratamento jurídico propiciado às crianças e aos adolescentes como resposta do Estado a todas as demandas daquelas fundava-se em apenas uma única categoria, no binômio da criança carente/delinquente, ou da infância desviante, como consequência daquela já mencionada confusão conceitual.

Tais concepções, como ensina Machado (2003, p. 29), marcará “essencialmente não apenas o tratamento que os Estados deram a tal problemática social, mas o próprio Direito material e as instâncias criadas para sua aplicação”.

A problemática social citada por Machado traduz-se como resultado da severa exclusão social noticiada no século XX, a partir da urbanização, isto é, a criminalidade juvenil, que, em boa medida, acreditava-se que era praticada pelas camadas menos favorecidas da sociedade (2003, pp. 29-30).

É nesse contexto, com a expressiva preocupação com o suposto2 aumento da criminalidade juvenil, que se verifica a construção do chamado direito do menor, com origem nos Estados Unidos da América. Assim, de acordo com a própria tradição jurídica norte americana, a implantação dos Tribunais de Menores foi o foco dessa inovação na história do Direito, e não as linhas desse novo ramo de direito substantivo (MACHADO, 2003, p. 34).

Sobre os primeiros Tribunais de Menores implantados, Machado (2003, p. 34) traz o seguinte rol:

O primeiro Tribunal de Menores foi criado em Ilinois, Estados Unidos, em 1899. Influenciados pela experiência americana, outros países aderiram à concepção, criando seus próprios juízos especiais: Inglaterra em 1905, Alemanha em 1908, Portugal e Hungria em 1911, França em 1912, Argentina em 1921, Japão em 1922, Brasil em 1923, Espanha em 1924, México em 1927 e Chile em 1928.

2

MACHADO justifica tal adjetivo, pois os autores que, à época, levantavam dados estatísticos sobre os índices de criminalidade juvenil, defendendo seu aumento, não apresentavam estatísticas anteriores nem dados comparativos confiáveis com a criminalidade dos adultos (2003, p. 31).

(21)

Ressalta-se, todavia, que não se tratava de instâncias judiciais especiais, mas verdadeiras instâncias judiciais de exceção, uma vez que separadas completamente das estruturas tradicionais de aplicação do Direito. Foi nesse contexto a criação e aplicação do conhecido direito do menor, que sempre se caracterizou, segundo Mendez (1992, p. 53), citado por Machado (2003, p. 35), por “subordinar a tarefa de salvaguarda das crianças às exigências da defesa social”.

Nesse sentido, Mendez (1992, p. 53, citado por MACHADO, 2003, p. 35) defende a ideia de que a construção dessa doutrina, aliada a criação dos Tribunais de Menores, originou um sistema de controle sociopenal da infância marginalizada socialmente, pois aceitava aplicação de medidas de natureza penal – privação de liberdade – a comportamentos não-criminais de crianças e adolescente.

A comunidade internacional, por sua vez, experimentava as bases filosóficas difundidas pela Carta da Liga sobre a Criança de 1924, conhecida como Declaração de Genebra, a qual continha duas ideias principais, reconhecia a vulnerabilidade da criança e representava o início da criação de instrumentos internacionais uniformes protetores dos direitos da criança (VIEIRA; VERONESE, 2015, pp. 88-89).

A respeito, Castro (2006, p. 295), citado por Vieira e Veronese (2015, p. 88) comenta que:

A Declaração ou Carta de Genebra de 1924 constitui a primeira declaração sistemática dos direitos da criança, foi elaborada no seio da Associação Internacional de Proteção à Infância e contém sete princípios os quis foram redigidos pela pedagoga Englatine Jebb nos seguintes termos:

I – A criança deve ser protegida excluindo toda consideração de raça, nacionalidade e crença.

II – A criança deve ser ajudada respeitando a integridade da família.

III – A criança deve ser posta em condições de desenvolvimento normal desde o ponto de vista material, moral e espiritual.

IV – A criança faminta deve ser alimentada; a criança doente deve ser assistida; a criança deficiente deve ser ajudada; a criança desadaptada deve ser reeducada; o órfão e o abandono devem ser recolhidos.

V – A criança deve ser o primeiro a receber socorro em caso de calamidade. VI – A criança deve desfrutar completamente das medidas de seguridade social; a criança deve, quando chegado o momento, ser posta em condições de ganhar a vida, protegendo-a de qualquer exploração.

VII – A criança deve ser educada, inculcando-lhe a convicção de que suas melhores qualidades devem ser postas a serviço do próximo (tradução de Vieira e Veronese).

Em paralelo, no Brasil, criava-se o primeiro Juizado de Menores, que teve como titular o Dr. José Cândido de Alburquerque Mello Mattos, a quem se deve, também, o primeiro Código de Menores no ordenamento jurídico, qual seja, o Código de Mello Mattos de 1927 (PEREIRA, 2008, p. 9).

(22)

Juridicamente, o Decreto n. 17.943 de 12/10/27 (Código de Menores) recepcionou a doutrina do direito do menor, seguindo a política de institucionalização, iniciando-se, assim, a fase tutelar do tratamento jurídico dispensado às crianças e aos adolescentes (ROSSATO; LÉPORE; CUNHO, 2011, p. 73). Tal tratamento, por sua vez, cultivava importante preocupação no estado físico, moral e mental da criança, e ainda a situação social, moral e econômica dos pais (PEREIRA, 2008, p. 9).

O Poder Público passa a interferir de forma cada vez mais significativa nessas questões, de modo que, no início do século XX, já existiam casas públicas de custódia de crianças e adolescentes e, em 1960, criaram-se a Funabem (Fundação Nacional do Bem-Estado do Menor) e as Febens estaduais (Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor) (MACHADO, 2003, p. 27).

Conforme reproduz as diretrizes da política do bem-estar do menor pela Funabem, o bem-estar do menor consiste:

[...] do atendimento de suas necessidades básicas, através da utilização e criação dos recursos indisponíveis à sua subsistência, ao desenvolvimento de sua personalidade e à sua integração na vida comunitária [...].

As necessidades básicas do menor, para cujo atendimento a sociedade deve oferecer as devidas condições, condensam-se em torno desses elementos – saúde, amor e compreensão, educação, recreação e segurança social.

A proteção à saúde do menor, desde o período pré-natal, compreende cuidados médicos e higiênicos, alimentação racional e ambiente onde esteja a recato de fatores que ponham em risco a sua integridade física e mental.

Nos estímulos do amor e da compreensão repousam o desenvolvimento harmônico do menor, e tem ele sua melhor expressão no lar bem constituído.

O desenvolvimento integral do menor exige, não só, que se lhe proporcione educação sistemática, senão também, que se lhe assegure oportunidade, assim para o exercício de suas aptidões como para o acesso á cultura.

A todos os menores se reconhece o direito de uma educação fundamental e uma iniciação profissional, ainda que mínima, para auferirem os benefícios da atividade econômica, fundada no trabalho digno e livre.

A recreação sadia e adequada a cada idade é fator integrante de desenvolvimento pleno e equilibrado do menor.

A segurança do menor consiste na proteção afetiva (social e legal) à sua família e bem assim na preservação e na defesa do próprio menor contra o abandono, a crueldade, a corrupção ou a exploração. Esse amparo melhor se dispensará na reintegração do ambiente familiar. Nem a criança nem o adolescente podem ser submetidos a condições de trabalho capazes de prejudicar o menor, quer na saúde, quer na educação onde a impedir-lhe o desenvolvimento físico, mental e moral (VIANNA, 2004, pp. 42-43).

Com a responsabilidade de criar diretrizes fundamentais para a política pública de Bem-Estar do Menor em substituição à repressão e a segregação, a Funabem passou longe de seus objetivos ao conduzir sua atuação através de programas indefinidos, marcados por irregularidades e mesmo regimes carcerários de internação (PEREIRA, 2008, p. 11).

(23)

Ao revelar a natureza institucionalizadora da política, a qual basicamente recaía sobre crianças e adolescentes carentes, além de ratificar a própria crítica de Tânia da Silva Pereira quanto à função desempenhada pela Funabem, Martha de Toledo Machado (2003, p. 27) denuncia que, antes da proclamação da Constituição Federal (CF) de 1988 e a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a grande maioria, cerca de 80 a 90%, das crianças e jovens internados nas Febens não era autora de fato definido como crime.

Com o propósito de relembrar os aspetos das políticas públicas adotadas pelo Brasil até então e, em especial, traçar suas principais diferenças, Vianna (2004, p. 37) classifica os momentos do ordenamento jurídico nacional em três fases: a) a fase da Filantropia, a qual segue pela b) fase do assistencialismo e, em 1960, inicia-se c) a fase do Bem-Estar, com a criação da FUNABEM em 1964, posteriormente com a instalação em vários estados de FEBEMs.

Na visão de Machado (2003, p. 28), da qual também compartilhamos, o fundamento dessa política de institucionalização encontra-se na idealização de que crianças e adolescentes internados nessas grandes casas, conhecidas como “reformatórios”, estariam mais bem assistidos do que em companhia de suas famílias pobres – na acepção econômica.

A doutrina do direito penal do menor foi substituída pelo Código de Menores de 1979 (Decreto n. 6.697/79), o qual recepcionou a Doutrina Jurídica do Menor em Situação Irregular, embora já no plano internacional vigorasse a Doutrina da Proteção Integral (PEREIRA, 2008, p. 13).

Munir Cury (1987, p. 10) conceitua essa doutrina como “o conjunto de normas jurídicas relativas à definição da situação irregular do menor, seu tratamento e prevenção” e ressalta o sua face tuitiva e protetora.

Observa-se, contudo, o caráter de jurisdição de exceção desse Juízo – já denunciado por Mendez – através das considerações apontadas por Cury (1987, p. 10) acerca das distinções entre o Direito Penal e o Direito do Menor:

Com o Direito Penal, que cataloga e define as infrações cometidas pelo menor. Dele difere, no entanto, porque o juiz penal termina sua prestação jurisdicional com a prolação da sentença, enquanto que o juiz de menores deve continuar sua ação até o término da medida imposta. O juiz penal não toma conhecimento da prevenção, ao passo que para o juiz de menores a prevenção é primordial. No Direito Penal, a medida é repressiva; no Direito do Menor, a medida deve ser sempre reeducativa e tutelar: no primeiro, a pena tem duração determinada; no segundo, a medida conserva-se indeterminada no tempo e está condicionada à recuperação.

É nesse sentido que Sotto Maior Neto (2001, p. 6), citado por Machado (2003, p. 46), revela que o Juiz de Menores exsurge como um ser onipotente, tendo em vista

(24)

que o Código de Menores lhe permite, entre outras coisas, decidir conforme o princípio da livre convicção, legislar sobre as matérias de menores mediante portarias e provimentos, decretar a perda ou a suspensão do pátrio poder, afastar dirigentes e ordenar o fechamento provisório ou definitivo de estabelecimentos particulares, atuar como censor dos espetáculos teatrais e afins, além de criar rito processual a revelia de qualquer texto legal.

Martha de Toledo Machado (2003, p. 47) defende que, a partir da confusão conceitual da carência/delinquência, originou-se um direito triplamente iníquo.

Em sua primeira justificativa, defende que a doutrina da Situação Irregular cria uma clara cisão entre crianças e jovens em situação regular, que, por conseguinte, mereciam legislação própria e razoavelmente dotada das garantias iluministas, aplicada com as garantias processuais, e aquelas em situação irregular, não merecedora desse direito material e processual mais civilizado (MACHADO, 2003, p. 47).

Em seguida, relembra que tais preceitos justificaram a implementação da medida de privação de liberdade – uma vez que segregados nos reformatórios – de enorme massa de crianças e adolescentes desassistidos socialmente, embora a maioria sem nunca ter praticado ato definido como crime (MACHADO, 2003, p. 47). É dizer, nas palavras da doutrinadora, “tratando-se a problemática social como questão de polícia” (MACHADO, 2003, p. 47).

Por fim, Machado (2003, p. 47) aponta que, através dessa doutrina, logrou-se “derrubar todas as garantias dos autores de crime, inimputáveis em razão da idade, aos quais se passou a negar os mais elementares direito humanos,” sob a justificativa que estava sendo adotada uma medida protetiva e não repressiva.

Em oposição ao desconhecimento do caráter negativo das medidas imputadas aos menores, em que pese a confusão entre infração e carência, Munir Cury (1987, p. 16) destaca a necessidade da “paixão pela liberdade” quando descreve a postura que se aguarda do Curador de Menores, isto é, dos Promotores da Justiça do Menor:

Manuseando os autos que envolvem o menor com desvio de conduta, há de ter a paixão pela liberdade, para saber dosá-la, visando a reeducação de que nunca foi educado, a ressocialização de quem jamais viveu em sociedade. Segregação e liberdade serão o binômio que permanentemente o angustiarão, e somente terá paz quando saborear um único fruto que seja do seu trabalho e da sua confiança, na infância e na adolescência de seu país.

Diante do menor carente, sentirá a dor profunda da fome, a rajada cortante do frio, o amargor da sede, e pela obstinação e energia interior, será iluminado pelo amparo da comunidade local, no desejo comum de construir uma só família.

Com o menor abandonado palmilhará as espinhosas estradas da solidão, atravessando as borrascas da amargura, as noites de desespero e falta de amor, até alcançar os braços de quem o acolha, lhe dê o calor do lar e o afeto da família.

(25)

Infração... Carência... Abandono... serão os espinhos da sua alma e se converterão na coroa de sua vitória, se assumir como parte do seu ser a realidade de milhões de menores desassistidos.

Nota-se que, desde a época da doutrina da situação irregular, a falta de recursos suficientes aos Juizados de Menores, a precariedade das instituições que abrigam as crianças e adolescentes, além da falta de pessoal técnico nesses estabelecimentos já eram denunciadas pelos operadores de direito como fator impeditivo da realização dos objetivos da doutrina, conforme advertiu Munir Cury (1987, p. 17) em sua palestra proferida no I Encontro de Curadores de Menores do Estado de São Paulo, em 1987:

Tem-se afirmado, reiteradas vezes, que a educação e readaptação social do menor não se alcançarão, sem a contribuição insuprimível de um pessoal de um pessoal de formação especializada. Com os recursos insuficientes de que são dotados os Juizados de Menores, a precariedade das instituições que abrigam menores, a falta de pessoal técnico que apoie os trabalhos quer do Curador quer do Juiz de Menores, há que se começar pela base – a especialização séria, radical e mais completa possível do Curador de Menores.

Como salientou Machado (2003, p. 48), a forma como o direito do menor se constituiu (a qual também foi repisada na doutrina da situação irregular)3 acaba por permitir “completo mascaramento das fundas violações aos Direitos Humanos mais elementares, como o direito à vida, à saúde, à educação, ao trabalho protegido, ao respeito, à dignidade, à convivência, familiar e comunitária,” a que crianças e adolescente foram submetidos.

Embora o Brasil tenha intentado um trabalho pioneiro no campo da prevenção através da Funabem (VIANNA, 2004, p. 48), não é preciso recorrer a livros de história ou doutrinas jurídicas para notar que essa política mostrou-se inútil e foi, de fato, um malogro.

Tal qual, a mobilização popular em defesa dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, à época da assembleia constituinte, que desaguou numa Frente Parlamentar suprapartidária composta por diversos profissionais ligados a esses interesses, além da entrega de um manifesto a favor da atual redação do art. 227, da Constituição Federal de 1988, contendo cerca de 5 milhões de assinaturas (MACHADO, 2003, pp. 25-26), traduz a aversão de diversos profissionais à política implementada segundo a doutrina da situação irregular.

É a partir da Constituição Federal de 1988 que o Estado brasileiro recepciona a escola da doutrina da Proteção Integral, em contraposição à concepção do direito do menor em Situação Irregular.

(26)

Desse enfoque, isto é, do paradigma da proteção integral, portanto, pretende cuidar o próximo subtítulo.

1.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a doutrina da Proteção Integral

A ponderar, inicialmente, que, enquanto no ordenamento jurídico nacional nascia o paradigma do direito penal do menor em situação irregular, a comunidade internacional já vivenciava a concepção da doutrina da proteção integral, importa iniciar o presente tema investigando a evolução do tratamento dispensando a crianças e adolescentes no âmbito do direito internacional.

É imprescindível o estudo do conteúdo dos tratados internacionais, uma vez que, como ressaltam Rossato, Lépore e Cunha (2011, p. 45), o Direito Internacional passa a ter papel destacado nos Tratados de Direitos Humanos que versam direitos relativos a crianças e adolescentes.

Como já exposto no subtítulo anterior, durante séculos as crianças eram vistas como autêntica propriedade de seus pais, sem que houvesse qualquer preocupação ou intervenção estatal em seu desenvolvimento.

O enfoque às questões específicas das crianças e a importância de sua proteção só eclodiu após dois fatores marcantes na história, a saber: a) o descontentamento da classe operária com as condições de trabalho existentes; b) os horrores da Primeira Guerra Mundial com consequências nefastas às crianças (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 52).

Dentre os instrumentos do sistema homogêneo de proteção dos direitos humanos, no que toca à atenção às crianças e aos adolescentes, destacam-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, em seus artigos 254 e 265, o Pacto Internacional

4

Art. 25 1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. 2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimónio, gozam da mesma protecção social.

5 Art. 26: 1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao

ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito. 2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem

(27)

sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, em seus artigos 10 (3)6, 12 (2) (a)7 e 13(1)8, além das Convenções Europeia, Americana e Africana de Direito Humanos (VIEIRA; VERONESE, 2015, p. 92; ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 53).

Apenas após a primeira e segunda guerra mundial, influenciada pela Declaração dos Direitos do Homem, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Declaração dos Direitos da Criança, em 1959, significando tal instrumento importante ruptura com o antigo paradigma, já que a criança passa a ser vista como sujeito de direitos (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 52).

Para Bobbio (1992, p. 35), citado por Vieira e Veronese (2015, pp. 92-93), esse instrumento internacional se insere na “especificação” dos direitos humanos, tendência nascida após a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e que é responsável pela determinação posterior dos sujeitos titulares de direitos.

Esse instrumento, aliás, é resultado do reconhecimento pela comunidade internacional de que as crianças carecem de atenção especial que as salve das consequências danosas de sua hipossuficiência, derivadas de circunstâncias que podem coloca-las em risco (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 55).

Reconhecendo, a partir de então, a vulnerabilidade da infância, os instrumentos internacionais declararam as crianças detentoras de direitos e credoras de políticas públicas direcionadas. Aceitando, desse modo, o fato de a criança ser uma pessoa em desenvolvimento (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 56).

Vieira e Veronese (2015, p. 93) revelam que a Declaração dos Direitos da Criança de 1959 incentivou uma nova etapa de crescimento normativo voltado a formular um

e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. 3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos.

6 Art. 10, 3: Os Estados Membros no presente Pacto reconhecem que: [...] 3. Deve-se adotar medidas especiais

de proteção e assistência em prol de todas as crianças e adolescentes, sem distinção alguma por motivo de filiação ou qualquer outra condição. Deve-se proteger as crianças e adolescentes contra a exploração econômica e social. O emprego de crianças e adolescentes, em trabalho que lhes seja nocivo à moral e à saúde, ou que lhes faça correr perigo de vida, ou ainda que lhes venha prejudicar o desenvolvimento normal, será punido por lei. Os Estados devem também estabelecer limites de idade, sob os quais fique proibido e punido por lei o emprego assalariado da mão-de-obra infantil.

7 Art. 12, §2, 1: As medidas que os Estados-partes no presente Pacto deverão adotar, com o fim de assegurar o

pleno exercício desse direito, incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: 1. A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento são das crianças.

8

Art. 13, §1: §1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais.

Concordam ainda que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

(28)

pacto internacional imperativo para os Estados que o firmassem e ratificassem, do qual permitisse medidas de fiscalização e responsabilização das infrações comprovadas.

Nesse norte, em 1989, culminou a aprovação da Convenção sobre os Direitos da Criança, também conhecida de Convenção de Nova York, a qual teve, de fato, adesão pelos Estados membros, pois dotada de coercibilidade, diferente do que ocorreu em 1959 (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 52).

Não há diferenciação, pois, entre crianças e adolescentes, os quais são qualificados no instrumento apenas como criança, sendo esta “todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes” (BRASIL, 1989).

A convenção recebe a concepção do desenvolvimento integral da criança, “reconhecendo-a como verdadeiro sujeito de direitos, que exige proteção especial e absoluta prioridade” (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 63).

É nesse sentido, sobre o princípio do superior interesse da criança, que dispõe o artigo 3º, da Convenção de Nova York: “Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança” (BRASIL, 1989).

Para Vieira e Veronese (2015, p. 95), a Convenção afirma ser a criança titular de todos os direitos que correspondem às demais pessoas, além de certos direitos específicos de quem se encontra em fase de desenvolvimento físico, intelectual e psicológico. Nas palavras das professoras: “Ao reconhecer à criança titular de direitos, consagra a Convenção [...] um novo paradigma de proteção infantoadolescente, denominado Doutrina da Proteção Integral”.

A tornar indubitável a quebra do paradigma anterior, o qual reconhecia apenas o dever do Estado em tutelar e proteger as crianças, a Convenção de 1989, que recepciona a nova doutrina, traz importante rol de direito das crianças, e não apenas o dever do Estado em protege-las nesses mesmos aspectos.

Os artigos 6º, 7º e 8º, respectivamente, reconhecem os direitos de personalidade da criança, como o direito à vida e o dever dos estados partes assegurar ao máximo a sobrevivência e o desenvolvimento da criança; o direito ao registro de nascimento, nome, nacionalidade, o direito de conhecer seus pais e ser cuidada por esses; e, por fim, o direito da criança em preservar sua identidade (BRASIL, 1989).

(29)

Além desses, em regra, as crianças têm o direito de não serem separadas de seus pais (art. 9º) e o direito de visita daquelas cujos pais residam em Estados diferentes (art. 10º). A Convenção determina, ainda, medidas a fim de lutar contra a transferência ilegal de crianças para o exterior e a retenção das mesmas fora do país (art. 11), além do direito dessas a se expressar e ter suas opiniões, inclusive em processos judiciais ou administrativos que afetem as mesmas (art. 12), o direito à liberdade de expressão (art. 13), à liberdade de associação e à liberdade de pensamento, de consciência e descrença (art. 14), à liberdade de realização de reuniões pacíficas (art. 15) (BRASIL, 1989).

Elas têm, igualmente, o direito de não serem objetos de interferência arbitrárias ou ilegais em suas vidas (art. 16), bem como o direito à informação (art. 17), à proteção e à assistência especiais do Estado (art. 20), à adoção (art. 21), o direito da criança de gozar do melhor padrão possível de saúde e seus tratamentos (art. 24), o direito à avaliação periódica na internação quando para tratamento de saúde (art. 25), o direito à previdência social, inclusive ao seguro social (art. 26), o direito a um nível de vida adequado ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social (art. 27), o direito à educação (art. 28), ao descanso, ao lazer, ao divertimento, às atividades recreativas próprias da idade, bem como à livre participação na vida cultural e artística (art. 31) e o direito de ser protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, saúde ou desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social (art. 32) (BRASIL, 1989).

Por fim e, para o presente trabalho, como o mais importante, tem o direito toda criança, a quem se alegue ter infringido as leis penais ou a quem se acuse ou declare culpada de ter infringido as leis penais, de ser tratada de modo a promover e estimular seu sentido de dignidade e valor, e fortalecerão o respeito da criança pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais de terceiros, levando em consideração a idade da criança e a importância de se estimular sua reintegração e seu desempenho construtivo na sociedade (art. 40) (BRASIL, 1989).

Como apontam Vieira e Veronese (2015, p. 102), conquanto a Convenção não expresse em seu dispositivo o termo “Proteção Integral”, a nova doutrina é evidente ante o enorme rol de direitos reconhecidos pelo instrumento e, apenas efetivos, se todos os direitos correlatos forem garantidos.

Para Vianna (2004, p. 54), a escola da proteção integral parte da concepção de que os direitos de todas as crianças devem ser universalmente reconhecidos. Esses direitos, por sua vez, especiais e específicos são justificados pela condição de pessoa em

(30)

desenvolvimento. Portanto, as leis internas e o direito de cada sistema devem assegurar a satisfação de todas as necessidades das pessoas de até dezoito anos de idade, não apenas no que toca ao penal do ato praticado pela ou contra a criança, mas o seu direito à vida, à saúde, à educação, convivência, lazer e outros.

A fim de dar efetividade aos objetivos dessa convenção, bem como acompanhar sua implementação, em 1991, criou-se o Comitê sobre os Direitos da Criança, o qual destacava quatro princípios basilares da convenção, quais sejam: I) Princípio da não discriminação (art. 2º); II) Princípio da observância dos melhores interesses da criança (art. 3º); III) Princípio do direito à vida e à sobrevivência (art. 6º); e IV) Princípio do direito de expressar sua opinião (art. 12) (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 65).

Tal qual, foram as criações de organismos como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) (VIEIRA; VERONESE, 2015, p. 96).

Em razão da Convenção, a Doutrina da Proteção Integral, por conseguinte, passa a orientar a comunidade internacional em seu relacionamento, com espoco de extinguir a pobreza crítica, os conflitos armados, as crianças refugiadas, a exploração sexual, o trabalho infantil, e as inúmeras outras situações de violação dos direitos da criança (VIEIRA; VERONESE, 2015, p. 97).

Nesse norte, o instrumento internacional, de forma coercitiva, faz com que os Estados partes abandonem os pressupostos do antigo paradigma da situação irregular, a caminhar com o fim de assegurar os direitos das crianças, e não mais limitando-se no dever de tutelá-las.

Para Vieira e Veronese (2015, p. 101), não se tratou de uma simples substituição terminológica, mas de uma mudança de paradigma, de um modelo normativo para outro, o que resultou na criação de uma nova gramática, a qual é fonte de uma concepção radicalmente distinta dos direitos da infância.

A partir desse vértice, antes mesmo de ratificar-se a Convenção – o que só aconteceu através do decreto n. 99.710, em 21 de novembro de 1990 –, o ordenamento jurídico nacional recebe o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 13 de julho de 1990, através da Lei n. 8.069, o qual carrega como fundamento máximo a doutrina da proteção integral.

A Constituição Federal de 1988, tal qual a convenção, recepciona, à criança e ao adolescente, os pressupostos da proteção integral, a prioridade dos direitos da criança e

(31)

do adolescente, o interesse superior da criança e a proteção sistêmica em seu art. 227. In verbis:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

É nesse sentido que Vieira e Veronese (2015, p. 117) assinalam o caráter principiológico do Direito da Criança e do Adolescente que revestem a proteção integral, a prioridade absoluta, o superior interesse e a proteção sistêmica, o que se depreende, da mesma forma, dos incisos I, II, III e IV do parágrafo único do art. 100, do ECA.

Supera-se, portanto, ao menos em lei, a doutrina da situação irregular e seus pressupostos assistencialistas.

Por outro norte, Vieira e Veronese (2015, p. 105) advertem que, embora inequivocamente alentadora a nova concepção, não se deve ocultar as enormes dificuldades de sua aplicação efetiva. É que tais pressupostos não conseguiram “impedir e, lamentavelmente, vem sustentando a defesa da vigência de antigos institutos, permitindo estabelecer, mesmo sob o marco da Convenção, discussões em termos da já superada e obsoleta cultura tutelar” (VIEIRA; VERONESE, 2015, p. 106).

No que toca à prática de atos infracionais, a criança só será privada da liberdade, por lei quando absolutamente cabível e indispensável, após o seu 12º aniversário, fazendo-jus, antes de tal idade, às medidas de proteção (JUNQUEIRA, 2014, p. 47).

A Doutrina da Proteção Integral quanto a esse tema revela-se na proteção de adolescentes em conflito com a lei das eventuais perdas pela imposição, ou pela imposição injusta, de responsabilidades pela prática de infração à lei penal. É nesse sentido que o adolescente é sujeito de direito (KONZEN, 2007, p. 27).

Não obstante as garantias processuais e sem desprezo às peculiaridades do foro individual, a seletividade do sistema de justiça juvenil é ainda perceptível dentro do paradigma da proteção integral.

É o que revela Junqueira (2014, p. 48) ao repisar o Relatório sobre Situação da Adolescência Brasileira (BRASIL, 2011, p. 103), divulgado pela UNICEF:

De maneira geral, os estudos indicam que o adolescente em conflito com a lei já teve alguma experiência com o uso de drogas, vem de família de baixa renda e teve dificuldade de acesso ás políticas públicas essenciais, como a educação e a saúde. Ou seja: são meninos e meninas com uma história de exclusão social e negação de direitos.

(32)

Hodiernamente, os destinatários precípuos do sistema denunciados pela UNICEF é evidente. Como exemplo, a ação preventiva realizada na cidade do Rio de Janeiro em setembro, 2015, divulgada em diversos jornais nacionais. A Polícia Militar desse estado, em operação a fim de inibir os famosos arrastões nas praias da zona Sul carioca, retirava menores9 considerados suspeitos de dentro de ônibus com destinos às praias.

Nas palavras do secretário de segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame (BRASIL, 2015): “um menor de idade sai de um lugar distante 30, 40 quilômetros da praia somente com uma sunga, sem dinheiro para passagem, sem dinheiro para beber, sem dinheiro para comer, esta pessoa, no meu humilde entendimento, está em situação vulnerável”. Não bastasse tal declaração, o secretário afirma que a decisão judicial, a qual determinou a cessão de tal operação, prejudicou o trabalho da PM, uma vez que, a retirada de menores dos ônibus levava em conta se eles estavam em situação vulnerável ou não (BRASIL, 2015).

Não obstante possa ser considerado um caso isolado – o que sabemos que não –, é palpável no sistema nacional a fragilidade da efetivação do novo paradigma, que não se basta apenas na pouca infraestrutura do sistema, na falta de recursos, mas no próprio desconhecimento do sistema de garantias de crianças e adolescentes.

Conforme ressalta Junqueira (2014, p. 50), citando Costa (2006, p. 56), dentre os pressupostos do ECA, temos o seguinte: “Não estamos diante de um infrator que, por acaso, é um adolescente, mas de um adolescente que, por circunstâncias, cometeu um ato infracional”.

Assim, quando diante de um adolescente que pratica ato tipificado como crime, por sua vez, no novo paradigma, será responsabilizado por sua conduta e poderá, a depender das circunstâncias do ato e do próprio adolescente, receber as seguintes medidas socioeducativas previstas no art. 112: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional, além das medidas protetivas elencadas nos incisos I a VI do art. 101 (BRASIL, 1990).

Dessa vez, como determina expressamente o art. 123, do ECA, o adolescente em conflito com a lei será internado em instituição distinta daquele destinado ao abrigo (BRASIL, 1990). Nessa perspectiva, quebra-se o caráter puramente assistencialista da

9 O jornalismo brasileiro, em regra, continua adotando o termo “menor” quando em notícias relacionadas a

(33)

antiga legislação, uma vez que a infância e a adolescência carente receberão tratamento distinto daquela vulgarmente conhecida como delinquente.

Apesar disso, o estabelecimento de internação, tal qual do código de menor, permaneceu sem alterações substanciais, uma vez que o estatuto não disciplinou sua infraestrutura física, isto é, o sistema socioeducativa permaneceu por longo período – e por que não até os dias atuais – como as convencionais penitenciárias nominadas Febens pela antiga legislação do menor.

Tampouco há, nos primeiros 22 anos de vigência do estatuto, legislação disciplinando a execução das medidas socioeducativas, o que evidencia, infelizmente, a história redizendo seus acontecimentos: adolescentes privados de liberdade sem que haja, no ordenamento jurídico, previsão do modo como ocorrerá seu andamento.

No mesmo sentido, Afonso Kozen (2007, p. 49) afirmava que a ausência de formas procedimentais rendia vez à subjetividade e a discricionariedade. O vazio normativo igualava-se a uma viagem ao território do improviso.

Embora a doutrina proposta na década de noventa ainda deva ser considerada recente e em afirmação, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), instituído pela Lei n. 12.594/12, além de reafirmar e concretizar os pressupostos da escola da Proteção Integral no âmbito do adolescente em conflito com a lei, lança novo paradigma – práticas restaurativas –, reconhecendo, por conseguinte, as consequências negativas e marcantes das medidas, em especial, aquelas em que há privação de liberdade.

Os aspectos até aqui apresentados introduziram a relação histórica e filosófica entre o Estado e o adolescente em conflito com a lei, de modo que são perceptíveis os entraves em cada modelo proposto. Para avançarmos, passamos às inovações e os objetivos lançados pela recente Lei n. 12.594/12.

1.3 O novo olhar recepcionado pelo SINASE: práticas restaurativas

Após vinte e dois anos de vácuo legislativo, a Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012, instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e regulamentou a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional, além de alterar as seguintes legislações: Leis nºs 8.069, de 13 de julho de 1990

Referências

Documentos relacionados

Válido para todas as carroçarias excepto VR y Coroa Não recomendado para cargas difíceis de desprender.

(XIX EXAME DE ORDEM) O Governador do Distrito Federal, ao tomar conhecimento de que existe jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal a respeito da competência do

[r]

Você pode usar consultas para gerar relatórios financeiros ( Como Trabalhar com Relatórios Financeiros do Oracle Profitability and Cost Management Cloud ).. Você também pode

Graduação, no caso de alunos regulares de Programas de Pós-Graduação do IGCE. Artigo 5º - O Estágio de Docência na Graduação será

a) Oração – Estimule as crianças a falarem com Deus. É importante variar com oração de gratidão, de intercessão, de confissão, de petição e também variar os motivos de

“Uma vez realizada uma generalização, somente pode ser descrita como boa ou má, não como certa ou errada, uma vez que as alterações introduzidas na informação têm

Deve-se acessar no CAPG, Coordenadorias > Processo de Inscrição > “Selecionar Área/Linha para Inscrição” e indicar as áreas de concentração e linhas de pesquisa nas