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Juventude desamparada: a reeducação pensada pela psicanálise

4 A ADOLESCÊNCIA, ESCOLA, LINGUAGEM E ESCRITA A PARTIR DA

4.2 CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO, LINGUAGEM E ESCRITA PARA A

4.2.1 Juventude desamparada: a reeducação pensada pela psicanálise

A partir do trabalho desenvolvido por Aichhorn (1925), podemos perceber que, mesmo no início do século passado, já se discutia sobre certo mal-estar no campo da pedagogia, especialmente quando se tratava da educação de adolescentes e jovens.

Freud, em 1910, em seu texto “Contribucciones al Simpósio sobre el Suicídio” (1981), comenta sobre os casos de suicídio entre adolescentes da escola secundária, afirmando que, se isso ocorria com mais frequência naquela etapa, devia-se ao fato de que a escola secundária ocupa o lugar dos traumas com que os adolescentes se defrontam em outras condições de vida, em um momento em que são mais exigidos a cumprirem os papéis sociais que lhes são atribuídos. E reafirma sua concepção sobre o papel da escola, comentando que ela deve conseguir mais que evitar o suicídio entre seus alunos.

Para Freud, a escola deveria promover no aluno o "desejo de viver", oferecendo-lhe apoio e amparo numa época da vida em que as condições de seu desenvolvimento o compelem a afrouxar seus vínculos com a casa e com a família. Freud ainda acrescenta que parece ser indiscutível que as escolas falham nessa missão e deixam de cumprir seu dever de proporcionar um substituto para a família e de despertar o interesse pelo mundo externo (FREUD, 1910-11/1981). Ele reforça tal ideia afirmando que a escola nunca deveria esquecer que lida com indivíduos imaturos, em desenvolvimento, e estes têm o direito de se demorarem neste desenvolvimento, mesmo que, para alguns, eles se mostrem “um pouco desagradáveis”. A escola, para Freud, não pode pretender arrogar-se a

inexorabilidade da existência, nem pretender ser mais do que ela é, um “modo de vida” (FREUD, 1910-11/1981:1636).

Ambas as situações – as discutidas por Freud nesse texto e a comentada por ele no prólogo do livro de Aichhorn (1925) – apresentam-se como um mal-estar daquela sociedade. Em outro prefácio à edição inglesa deste mesmo livro, Eissler (1925) comenta que o mundo havia se tornado um vasto cenário povoado por inumeráveis dramas, onde em todas as partes se descobria problemas da mente humana e complicadas questões que requeriam explicações (EISSLER, 1925).

Aichhorn (1925) discutiu a psicanálise aplicada à educação em seu trabalho com adolescentes considerados delinquentes e propunha-se a "capacitar o educador da instituição, para que pudesse reconhecer nos problemas que apresentavam esses sujeitos, as motivações Inconscientes e assim encontrar meios necessários para passar do ato transgressor ao ato educativo” (TIZIO, 2006:14).

No prefácio a essa obra, em sua edição de 2006, Tizio reflete que o desamparo sofrido pelos adolescentes tratados por Aichhorn se dá pela falta de regulação simbólica que deveria dar lugar ao sujeito. Segundo a autora, esses adolescentes apresentavam uma relação difícil com o Outro, trazendo em seu comportamento os efeitos “que o abandono ou as dificuldades no exercício da função do adulto produzem no sujeito, os quais podem se evidenciar em vertentes distintas" (TIZIO, 2006:10). Nesses casos, a função da educação seria a de conduzir o jovem de um estado associal a um estado social, o que implica uma regulação pulsional.

Os sujeitos atendidos por Aichhorn nas instituições para menores estavam ali por uma demanda de um terceiro, de um Outro que se queixava de sua conduta e diante dos quais se via impotente. E por não produzir mal-estar no sujeito – o que diferencia seu sintoma do sintoma neurótico – também o tratamento psicanalítico não era possível.

A educação ou reeducação, na maneira como o educador propunha, atuaria na tentativa de alterar a estrutura do Eu, no sentido de reduzir os efeitos do conflito latente.

Nas conversações com o sujeito, ele tentava estimular a rememoração e tratava o sintoma como sobredeterminado e como uma formação de compromisso entre forças em conflito, entre uma satisfação e uma força repressora. Enfim,

Aichhorn trabalha para ajudar a formalizar um sintoma em sujeitos que em princípio não sentem mal-estar por sua conduta. Esta tarefa se diferencia da tarefa do psicanalista, pois o educador, nesse contexto, não pode esperar e tem de fazer uma ideia da situação em poucas entrevistas. Ele precisa ter uma hipótese sobre as causas do sintoma para orientar um trabalho que produza a confiança necessária para que o sujeito consinta o ato educativo (TIZIO, 2006).

Na relação entre o psicanalista e o paciente, tal conceito se relaciona com os desejos inconscientes, em cujo processo nossas experiências infantis vividas são reatualizadas (MACIEL, 2005). Segundo Tizio (2006), no manejo da transferência, entendida como uma transferência positiva, tenta-se evitar a repetição.

Já para Aichhorn, a transferência é tomada como repetição e, a partir da relação transferencial, ele mostra as mudanças produzidas no jovem ao sentir que é escutado por alguém de outro lugar. Da mesma maneira, os pais que não sabiam o que fazer se sentem aliviados ao encontrar ajuda.

O trabalho educativo desenvolvido por Aichhorn, na relação transferencial, aproveitar-se-ia de algumas situações favoráveis ou criaria algumas condições para tentar modificar algo da repetição. Tizio comenta que “é interessante ver como Aichhorn constrói o lugar do Outro quando o sujeito parece não crer na sua ajuda” (TIZIO, 2006:17). Nesse sentido, a autora comenta que o reeducador pode representar as exigências do pai, apresentar-se sob esse semblante, dando a entender ao jovem que compreende suas dificuldades e que saberá responder à necessidade de castigo, porém ele não pode satisfazê-las plenamente. Nesses sujeitos, Aichhorn introduz um sentimento de culpa Inconsciente (remetendo-se a um texto de Freud, de 1916, em que trata dos sujeitos que cometem delinquência por sentimento de culpa).

Isso porque, quando é tratado com bondade, o jovem pode ter atitude provocativa para gerar uma reação do Outro. Aichhorn acredita que, ao desativar esse padrão de comportamento, cujo ato provocativo não alcança o resultado esperado (a reação do Outro), a repetição pode ser sucumbida.

As tarefas descritas por Aichhorn, embora tragam contribuições importantes para se pensar a educação clássica, no que diz respeito aos adolescentes, diferenciam-se das tarefas propostas para o professor em uma escola tradicional, que possui, nas sociedades letradas, o papel explícito de tornar letrados os

membros da sociedade para que possam interagir de maneira mais ativa com os conhecimentos compartilhados em sua cultura.

Vimos que esse modelo de educação é defendido pelos teóricos do enfoque- histórico-cultural (ao qual Freud e os primeiros estudiosos da psicanálise, mesmo tendo posicionamentos críticos em relação a alguns métodos educativos, não se opõem). Esse é modelo de educação moderna, que pensa a escola como o lugar social onde, a partir da aprendizagem do sistema de escrita e do contato com os conhecimentos científicos ─ que se dão de maneira sistemática e progressiva, transformam-se os modos de pensamento dos sujeitos que passam por ela para que, assim, possam interagir ativamente nas sociedades letradas.

Mas é interessante notar, a respeito, que, para muitos adolescentes, desde a Freud, e para os tratados nesta pesquisa, esse modelo de escola fracassa, pois não consegue cumprir seu papel. Este era o caso dos adolescentes tratados no livro de Aichhorn (1925), que, na visão do autor, sua delinquência, mais que um problema de desvio de conduta, era uma manifestação de crescimento interno deficiente. E podemos inferir que, comportando-se fora dos padrões sociais da época, esses adolescentes acabavam se tornando representantes de um mal-estar em uma sociedade concebida por Airchhorn, como uma civilização que se desenvolveu ao longo dos séculos, “graças ao aperfeiçoamento técnico do homem, avançando com firmeza, conquistando a natureza e criando continuadamente obras artísticas, científicas e sociais” (AICHHORN, 1925:35).

Apesar de todo o aperfeiçoamento técnico e o avanço científico, o ideal educativo da sociedade moderna que se funda, em algumas situações, escapa. Algo falha no processo de educação e de adaptação social de determinadas crianças e adolescentes.

E se naquela sociedade o comportamento dissocial e mesmo o suicídio se constituíam como uma saída a alguns jovens para suas experiências traumáticas5; na atualidade, como veremos, esse processo se complica ainda mais e traz ainda mais "desamparo", além de desafios cada vez maiores à educação e aos educadores. Entre esses desafios, além da violência, cada vez maior e envolvendo

5 Essa ideia apresentada por Aichhorn em relação ao trauma aparece nas "Conferências Introdutórias

sobre Psicanálise", de 1916/1917, parte XVIII (FREUD, 1981): Assim, a neurose poderia equivaler a uma doença traumática e apareceria em virtude da incapacidade de lidar com uma experiência cujo grau de afeto (emoção) fosse excessivamente intenso, ou demasiadamente elevado para ser assimilado ou reprimido.

adolescentes nas escolas, destacamos o fracasso escolar e mais propriamente, as dificuldades em se manejar a língua escrita em suas diferentes funções e espaços sociais.